Coluna: Guilherme Amado, do PlatôBR

Carioca, Amado passou por várias publicações, como Correio Braziliense, O Globo, Veja, Época, Extra e Metrópoles. Em 2022, ele publicou o livro “Sem máscara — o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras).

Mari Ferrer: ‘deixei a Mariana vítima descansar’

Ex-influenciadora digital e ex-modelo, Mari Ferrer concede sua primeira entrevista desde que foi vítima de estupro em 2018

Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Era dezembro de 2024 quando Mari Ferrer, ex-modelo e ex-influenciadora digital, resolveu que queria viver. E de forma presencial. Desde que fora vítima de estupro, em dezembro de 2018, ela foi se fechando em casa, evitando contato com as pessoas, e vivendo com a dor da revitimização cotidiana e de ameaças de morte preocupantes.

Mari viveu esses anos todos com crises de pânico, choro e depressão. Mas, em dezembro passado, ao sentir a perda da mãe querida de uma amiga, ela resolveu virar a chave. “Estou deixando a Mariana vítima descansar”, contou ela à coluna, em sua primeira entrevista anos depois que sua vida foi atingida pelo crime sexual em Florianópolis.

Mari Ferrer em seus tempos de modelo

Mari Ferrer posando como modelo

Antes da violência sexual, Mari era uma bem-sucedida influencer, com 200 mil seguidores nas redes sociais, com contratos com agência. Era modelo desde criança. Depois de denunciar o estupro, essas mesmas redes sociais ajudaram a dar mais poder aos criminosos. Ela deixou a carreira e mergulhou na dor. Seus agressores seguiram livres. Ela, não.

“O crime contra mim não acabou no dia 15. Ele começou no dia 15″, disse ela, em referência à data em que foi violentada, 15 de dezembro de 2018.

Hoje, a perseguição persiste e ela se sente ainda muito ameaçada, mas deixou de ser vítima e passou a se entender como uma sobrevivente. “Passei quase sete anos trancafiada em casa. Mas vi que minha vida estava passando e eu não conseguiria pegar o reembolso”, afirmou.

Para conceder a entrevista, Mari pediu que não se falasse de como foi o crime, mas do momento que ela vive hoje, de sua tentativa de recuperação, da faculdade de direito que está cursando e do estágio que já faz na área jurídica.

Quer ser operadora do direito para dar voz às vítimas. Mas, antes disso, sua história já mudou a realidade das vítimas de estupro no Brasil. É por causa do que lhe aconteceu que se criou a lei Mariana Ferrer, que pune pessoas que revitimizam as mulheres violentadas, submetendo-as a humilhações, e resguarda as vítimas.

Mari Ferrer em publicações como modelo

Mari Ferrer em publicações como modelo

“Por muito tempo, eu não vi a lei como algo positivo, infelizmente. Porque, até então, eu não tinha dimensão da importância jurídica disso, de existir uma lei que proteja vítimas, principalmente de violência sexual. Eu não tinha noção. Enquanto estudante de direito agora, eu tenho essa noção. Eu falo porque, enquanto vítima, é muito difícil você continuar vendo a sua imagem, às vezes, vinculada e atrelada a algo que você quer esquecer, que é a violência que eu sofri.”

Mas hoje, a Mariana estudante de direito quer mais é aprimorar a lei, criar novos dispositivos legais para proteger as vítimas. E ajudar a ampliar o alcance dessa legislação. Seu projeto de vida “é transformar as vítimas em sobreviventes e cuidar do bem comum”.

Mari conta que sua mãe e pai a ensinaram: “você tem que correr atrás de justiça”.

E foi o que ela fez, sem arrependimentos, apesar de todo o sofrimento que se seguiu. Apesar de ainda não ter havido punição para quem a violentou, ela não desistiu e aconselha as outras vítimas: “deixe a coragem falar mais alto”.

“Não tenham medo porque, a partir do momento que nós deixamos o medo falar mais alto que a coragem de realmente colocar aquele agressor que acabou com a nossa vida, que tirou a nossa alma, eles matam a nossa alma e tentam acabar todos os dias com a nossa vida. Então, quando a gente deixa a coragem falar mais alto e denuncia, a gente está colocando eles no devido lugar. Porque precisamos justamente disso para que os estupradores não andem mais livres nas ruas.”

Mineira de Uberaba, Mari Ferrer contou que, mesmo tendo superado momentos muito difíceis, a jornada ainda é pesada. Ela tem medo do toque masculino e chega a passar mal ao ver homens que se pareçam com as fotos que a polícia lhe mostrou, apontando como autor do crime. Consegue abraçar e se aproximar apenas dos homens de sua família, como seu pai.

“Ainda não é fácil. Nem acredito que estou conseguindo essas proezas”, disse ela, afirmando que o suporte psicológico foi essencial para que conseguisse se recompor e enfrentar a situação. Ela citou a ajuda da Casa Lilian, que dá apoio às vítimas em Minas Gerais, onde vive. E falou também do apoio da família, dos amigos e do clamor popular em sua defesa. “Sou muito grata ao apoio que recebi; muitas vítimas não tiveram essa sorte. Por isso é tão importante denunciar. Quando você denuncia, você recebe acolhimento.”

Ela contou que escolheu fazer direito por causa do que lhe aconteceu, mas porque também queria honrar outras vítimas que passaram o mesmo que ela.