A licença do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para perfurar um poço exploratório na Margem Equatorial, obtida pela Petrobras nesta segunda-feira, 20, representou o desfecho parcial de um longo embate entre a petroleira e o órgão ambiental.
“Foram quase cinco anos de jornada, nos quais a Petrobras teve como interlocutores governos e órgãos ambientais municipais, estaduais e federais. Nesse processo, a companhia pôde comprovar a robustez de toda a estrutura de proteção ao meio ambiente que estará disponível durante a perfuração em águas profundas do Amapá”, afirmou Magda Chambriard, presidente da companhia.
No período em questão, entidades ambientais se mobilizaram contra a perfuração da região, próxima à Foz do Rio Amazonas, pelo risco de atingir ecossistemas sensíveis como recifes de coral e manguezais, enquanto o governo Lula (PT) encampou a bandeira da petroleira e intitulou a margem de “novo pré-sal”, pelo potencial econômico da exploração. Neste texto, a IstoÉ relata quais foram os conflitos até a obtenção da licença.
Margem Equatorial é desejo de retomada para Lula
Em fevereiro de 2025, o presidente Lula afirmou: “Nós precisamos autorizar que a Petrobras faça pesquisa [na Margem Equatorial], é isso que queremos. Se depois vamos explorar é outra discussão, o que não dá é ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, e parece que é um órgão contra o governo”.
Ao fazer a declaração, o petista comprava uma briga que já era travada pelos ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, além do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e pela própria petroleira, que classifica o projeto como o “novo pré-sal”, em alusão à descoberta que alavancou a indústria brasileira de combustíveis às vésperas da reeleição deste mesmo mandatário, em 2006.

O presidente Lula na primeira exploração do pré-sal, em 2008: desejo de retomar tempos mais prósperos
A comparação ajuda a explicar o desejo do petista. Ainda que a economia registre indicadores de pleno emprego e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), há preocupação quanto à perspectiva da inflação até outubro de 2026, quando Lula tentará chegar a um quarto mandato no Palácio do Planalto.
“O governo não tem mais munição fiscal e há uma elevação na taxa de juros. Se a economia desacelerar, como é esperado, haverá uma razão ainda mais forte para queda na aprovação“, disse à IstoÉ Marcelo Neri, professor de economia da FGV-RJ (Fundação Getulio Vargas) e ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Pressionado pelo que vislumbra, Lula vê na Margem Equatorial a perspectiva de exploração de 10 bilhões de barris de petróleo, uma cadeia de criação de até 350 mil empregos e uma oportunidade sólida de atrair investimentos estrangeiros, conforme projeções do Ministério de Minas e Energia.

Margem Equatorial: mapa da Petrobras mostra a região de bacias na foz do Amazonas (região superior)
Mais do que isso, o Planalto encara a possibilidade de evitar nova fadiga. A pasta projeta que, com o bolsão atual de reservas, o Brasil corre risco de voltar a ser um importador de petróleo entre 2036 e 2039, cenário que afasta investidores e restringe o poderio econômico do país no cenário internacional.
À IstoÉ, o diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), Adriano Pires, disse haver uma justificativa clara para a mobilização pela exploração e considerou o Ministério de Minas e Energia correto ao tratar a região como o “novo pré-sal”. “Há uma ideologia que demoniza o petróleo e um certo ambientalismo xiita”, disse.
Às vésperas da COP, uma agenda ambiental em risco
Mesmo com a mobilização federal, o Ibama indeferiu pedidos da Petrobras feitos ao longo dos anos para prosseguir com os estudos de viabilidade em razão dos riscos embutidos à biodiversidade da Margem Equatorial. Ao seu lado esteve a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, que rompeu com Lula em 2008 por discordâncias quanto à gestão ambiental.
Segundo o Observatório do Clima, a região abriga um ecossistema recifal formado por rodolitos, bancos de algas carbonáticas existentes em outras regiões do Atlântico Sul, que servem de habitat para peixes e outras criaturas marítimas. Publicações científicas apontaram que o recife está vivo e é essencial para a reprodução e alimentação de animais típicos — e comercializados — no Norte.

A ministra Marina Silva: voz isolada no governo contra exploração da Margem Equatorial
Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), afirmou à IstoÉ que o avanço de estudos exploratórios “impacta não só pela extração, mas pela geração de gases efeito estufa que provocam o aquecimento global”. A avaliação para isso deve “obedecer aos critérios de segurança ambiental e se reportar à mesma alternativa locacional, uma região com sistema ecológico frágil“, concluiu.
Ex-presidente da autarquia e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo disse à IstoÉ que as negativas às pesquisas na Margem Equatorial não tiveram razões políticas, visto que a equipe de licenciamento do órgão é “preparada tecnicamente e já concedeu mais de duas mil licenças de perfuração”.
“Cabe questionar as razões de a Petrobras ter levado anos para cumprir as exigências que a empresa sabe que são necessárias em um processo desse tipo”, prosseguiu. A petroleira, por sua vez, argumentava repetidamente ter entregue ao Ibama os resultados de estudos de identificação dos possíveis impactos ambientais e se propôs a promover medidas de mitigação, controle e monitoramento dos impactos da atividade.
Na nota em que comunicou a obtenção da licença, a companhia afirmou que “atendeu a todos os requisitos estabelecidos pelo Ibama, cumprindo integralmente o processo de licenciamento ambiental”. “Como última etapa de avaliação, a companhia realizou, em agosto, um simulado in loco, denominado Avaliação Pré-Operacional (APO), por meio do qual o Ibama comprovou a capacidade da Petrobras e a eficácia do plano de resposta à emergência”, concluiu a Petrobras.