Rio – Com 31 anos completos neste sábado, a Constituição Federal encerra o seu primeiro ano na “fase balzaquiana”. O termo faz referência ao livro “A mulher de Trinta Anos” do escritor francês Honorè de Balzac. Publicada na primeira metade do século XIX, a obra abordou temas inéditos para a época, como a experiência, a beleza, os desejos e as angústias de uma mulher que questionava os problemas do casamento e não abria mão de encontrar a felicidade.

Esses aspectos também estão na Constituição brasileira, que nasce após um período de crise moral e, ao se ver livre, tem, assim como a nossa sociedade, pressa para ser feliz. Mas se no tempo de Balzac a mulher de 30 era considerada “madura”, hoje já não é bem assim. É notório que o país avançou e ainda avança em vários aspectos, como no combate à intolerância, à corrupção e ao mau uso do dinheiro público, mas ainda precisamos de mais tempo para evoluir nesses pontos e partir para outros.

São diversos os temas angustiantes da nossa Constituição pós-balzaquiana. Mas vamos, no teatro da vida, escolher um ator, o militar estadual, e dois cenários: a Reforma da Previdência e a criação do Tribunal de Justiça Militar. No primeiro cenário, apesar das restrições históricas impostas a esses agentes públicos, estranhamente houve dúvidas entre os parlamentares, e mesmo no Poder Executivo, sobre se deveriam dar um tratamento isonômico ao das Forças Armadas. Isso apesar da força da categoria: cinco PMs do Rio de Janeiro foram eleitos para a Câmara dos Deputados e outros oito para a Assembleia Legislativa.

No outro cenário, 30 anos de omissão para cumprir o que a Constituição estabelece: um Tribunal de Justiça Militar em estados com o efetivo militar acima de 20 mil integrantes. O tema só foi tratado na atual legislatura com o Projeto de Lei 1238/2019, do deputado Bruno Dauaire (PSC), que autoriza o Judiciário a criar uma corte específica para processos criminais e perdas de posto ou graduação de Oficiais e Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros – esta última atualmente não acontece para os Praças. Se aprovada, a iniciativa vai desafogar a Justiça comum e proporcionar decisões diferenciadas sobre um tema muito particular. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, 79,6 milhões de novos processos deram entrada nos tribunais do país apenas em 2018. Isso impacta também a Auditoria de Justiça Militar, que passou a cuidar de ações de exclusão de Praças, antes pertencentes às Varas de Fazenda Pública.

Na PM do Rio são mais de 44 mil servidores ativos e o número deve aumentar. O governador Wilson Witzel pretende dar posse a mais 12 mil até o fim do seu mandato e precisa suprir um déficit de mais de 10 mil militares no Corpo de Bombeiros. Contudo, o fato de Witzel ter sido juiz e ser militar da reserva gera uma legítima expectativa de que esses temas terão um olhar diferenciado, resolvendo ao menos algumas angústias da Carta Magna. Que ela atravesse a idade de Balzac e siga em frente. Ainda com problemas, percalços e questões, porém mais sábia pelas lições colhidas no caminho.

Marcelo Queiroz é advogado e professor universitário