O que aconteceria se uma mulher estivesse envolvida no barraco?A cena rodou o Brasil inteiro e gerou uma tempestade de memes, mas é daquelas que fazem a gente exclamar: “esse não é um país sério”. Me refiro ao episódio lamentável que aconteceu no debate dos candidatos à prefeitura de São Paulo no último domingo (15/09), quando o candidato e apresentador José Luiz Datena (PSDB) jogou uma cadeira no também candidato e coach Pablo Marçal (PRTB). Isso aconteceu depois de Pablo provocar Datena gritando a frase clichê do machismo: “você nem é homem pra isso! Você não é homem!”.

Parece até piada, mas não é. E sim, o debate dos candidatos à prefeitura da maior cidade do país virou uma briga de boteco, desses onde homens “muito machos” fazem cadeiras voar. “Mostra que é homem! Quem você pensa que é, viado!”: quem nunca viu uma briga dessas? Uma baixaria.

Muitos falam, com razão, que Pablo provoca os outros candidatos pedindo por isso. É verdade. Ele segue a cartilha do MBL (Movimento Brasil Livre) de comunicação, aquela que consiste em provocar sem parar o adversário, inclusive com fake news, até que ele se desestabilize. O que o candidato coach faz pode ser chamado de tudo, menos de política séria e democrática. E não deve mesmo ser fácil discutir com alguém assim. Mas isso não significa que você possa se descontrolar e tacar uma cadeira nele.

É parte do trabalho de quem opera na esfera pública ter autocontrole e manter o debate na escala da civilidade, mesmo diante de adversários que tentam te desestabilizar. Se nenhum dos lados fizer isso, a política vira, como aconteceu no domingo, uma briga no recreio da escola. Entre meninos, claro, já que o que vimos no debate foi um show deplorável de masculinidade tóxica, com homens agindo como adolescentes (do passado) que precisam mostrar que são “homens de verdade”.

Mesmo assim, muita gente aplaudiu Datena, que foi tratado como uma espécie de herói após o debate. Ele teria feito o que todo mundo queria fazer. “Lavei a alma do povo”, ele mesmo comemorou. Ser homem na política é fácil, não?

E se fosse uma candidata?

Agora, vamos imaginar por alguns minutos o que aconteceria se uma mulher, como, por exemplo, Tabata Amaral (PSB), também candidata à prefeitura de São Paulo, desse uma cadeirada em Pablo Marçal? Eu sei, é difícil de imaginar a Tabata fazendo isso, assim como é difícil pensar na maioria das mulheres tendo uma atitude tão violenta. Fomos educadas para manter o controle. Mas ela seria tratada como heroína? Acho difícil, provavelmente ela seria chamada de “descontrolada”.

Inclusive, mulheres na política nem precisam gritar em um debate: “você não é homem” ou tacar uma cadeira em alguém para serem chamadas de “descontroladas”. Basta que elas existam. Um exemplo: quando Dilma Rousseff era presidente do Brasil, uma famosa revista semanal estampou na capa uma imagem montada dela como se ela estivesse gritando com o título: “As explosões nervosas da presidente”. E não, ela não tinha tacado cadeira em ninguém. Algum outro presidente da história já recebeu esse tratamento? Não. E isso não quer dizer que todos eles fossem controlados, certo?

Na verdade, mulheres na política, na maioria das vezes, dão exemplo de controle, isso sim. É o caso de Kamala Harris, que tem conseguido manter a civilidade nos debates mesmo diante das provocações absurdas de Donald Trump. Ou mesmo de Tabata Amaral, que ao lado de Marina Helena (Novo) são as únicas mulheres no meio do vestiário que virou a disputa à prefeitura de São Paulo.

“Se a pessoa não consegue se portar ao lado de um adversário, essa pessoa não devia nem ser considerada para ser prefeita”, disse Tabata após o debate. Concordo com ela. Mas os homens descontrolados, infelizmente, ganham aplausos.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.