Há uma certa dúvida sobre a realização de manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro neste domingo.

Adversários do presidente que recomendam que elas sejam adiadas têm dois tipos de argumento. Primeiro, evitar aglomerações durante a pandemia. Segundo, não dar ao bolsonarismo razões para caracterizar os movimentos como “baderneiros” ou, pior ainda, para tomar medidas repressivas, caso haja algum incidente nas passeatas.

O primeiro argumento faz sentido. As manifestações pró-Bolsonaro são seguidamente criticadas por desprezarem o risco de propagação do coronavírus que cada aglomeração representa. O risco é o mesmo se o evento tiver sinal político contrário. Vírus são agnósticos.

O segundo argumento é mais complicado.

Depois das duas passeatas que terminaram em depredação e quebradeira no fim de semana passado, Bolsonaro já tratou de desqualificar antecipadamente qualquer protesto futuro. Decretou que os participantes são “vagabundos”, “terroristas” e “maconheiros”.

Diante de protestos pacíficos, acompanhados por famílias inteiras como aconteceu antes do impeachment de Dilma Rousseff, a tese cairá por terra. O problema é que não há controle absoluto sobre manifestações de rua. Se radicais, black blocs, infiltrados ou provocadores quiserem aparecer, estarão lá sem que ninguém perceba, até o momento em que a baderna começar.

Se essas duas ameaças não se alteram, não haveria diferença em ir às ruas agora ou quando a epidemia já estiver mais controlada.

Será? Um incidente em uma passeata com 100 pessoas não será visto como algo isolado. Mas se houver dezenas de milhares e apenas um pequeno grupo de aloprados, será impossível retratar todo o movimento como antidemocrático.

A pandemia alterou muito a vida nas grandes cidades. Tem gente que foi se isolar no interior. Tem gente que foi se juntar à família em outro Estado. Não são tempos normais, e é improvável que se reúnam multidões na rua. É improvável que pais levem filhos pequenos para circular entre estranhos.

Os números importam nesse caso, menos como índice de sucesso, mais como escudo contra certas interpretações. Por isso tenho dúvida de que passeatas neste domingo sejam uma boa ideia.

Para tudo há um tempo debaixo do sol.