“Raio Homem” foi o pseudônimo que o fotógrafo, escultor, cineasta e agitador americano Emmanuel Rudnitsky (1890-1976) adotou para si próprio: Man Ray, em inglês. Sua estética fulminante e inovadora pode ser vista de perto pela primeira vez no Brasil com a exposição “Man Ray em Paris”, no CCBB de São Paulo e, a partir de dezembro, no de Belo Horizonte. São 255 obras, entre fotografias em serigrafia, vídeos, filmes e objetos realizadas entre 1921 e 1940, período em que Man Ray viveu em Paris e produziu o núcleo mais radical de sua obra.[posts-relacionados]

A retrospectiva comprova que Man Ray merece o título de gênio da fotografia do século XX. Isso porque elevou a câmera fotográfica à condição de pincel e a fotografia, de obra de arte. Entre suas inovações, constam o desenvolvimento de técnicas da manipulação fotográfica — que apelidou de raiografia (“rayographie”, trocadilho com seu codinome) —, a consolidação do paradigma da imagem da moda (trabalhou no projeto gráfico das revistas Vogue e Harper’s Bazaar) e do nu fotográfico, embrião do “nude” atual. Ele também fez cinema experimental. É o caso do filme surrealista “L’Étoile de Mer” (1928), famoso pela técnica da solarização, com a qual os tons da película são parcialmente invertidos.

“Man inventou a fotografia surrealista antes mesmo de o surrealismo existir, com sua raiografia em 1922, enquanto o surrealismo nasceu oficialmente em 1924”, diz à ISTOÉ a curadora da exposição, a francesa Emmanuelle de l´Ecotais, responsável pelo Catálogo Raisonée de Man Ray. “Foi surreal antes de todos, e continuou sendo até o fim. Sua criação de fotos diminuiu muito nos Estados Unidos (ele ainda fez alguns retratos em Hollywood, mas isso é tudo), e, a partir de sua volta a Paris, em 1951, dedicou-se a criar objetos.”

Desilusão dadá

O surrealismo consiste no desdobramento do dadaísmo. Em ambos, Man se revelou pioneiro. Em Nova York, incendiou a arte ao selar amizade com o artista francês emigrado Marcel Duchamp (1887-1968). “Eles eram muito próximos e tinham o mesmo desejo de questionar a arte clássica abandonando a pintura, por exemplo”, afirma Emmanuelle. A partir de 1915, de fato, a parceria gerou obras como a série “Grande Vidro” e a personagem Rrose Selavy, o duplo feminino de Duchamp, cujo pseudônimo embutia o lema de sua estética no trocadilho “Rose, c’est la vie”: Amor (simbolizado pela rosa) é a vida.

Enfrentando as instituições artísticas, a dupla criou a revista New York Dada. O título batizou o ramo americano do partido estético lançado em 1916 em Zurique por Tristan Tzara e Hans Arp.

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Se na Suíça os dadaístas faziam sucesso no Cabaret Voltaire, com apresentações que provocavam escândalo junto ao público conservador, a dupla americana não tinha nada a fazer em Nova York, isolada e sem espaço para se mostrar. “Dadá não pode viver em Nova York”, escreveu Man Ray a Tzara. A desilusão só se desfez em 1922, quando Duchamp convenceu Man Ray a emigrarem para Paris. Assim os dois amigos conquistaram a fama como próceres da vanguarda: Duchamp com instalações provocadoras e Man Ray com novas técnicas e intervenções fotográficas. Em 1924, integraram-se à seita surrealista, fundada pelo poeta André Breton. Segundo a curadora, não existe influência do dadaísmo sobre o surrealismo, mas uma evolução. “Houve uma mudança de opinião com a decisão de Breton de criar o surrealismo”, afirma. “Grande parte dos artistas do Dadá entraram para o movimento.”

“O artista é um ser privilegiado capaz de se livrar de todas as restrições sociais. Seu objetivo deveria ser alcançar a liberdade e o prazer” Man Ray, artista

O surrealismo tentou intensificar o sarcasmo dadaísta pela soma da teoria dos sonhos de Freud com o idealismo socialista. Curiosamente, a corrente artística não se esgotou, e sim se misturou a outros estilos para se adaptar à passagem do tempo e dos gostos. Daí as imagens de Man Ray serem tão enganosas. Elas parecem ter acabado de vir à luz. CCBB-SP, de 21/8 a 28/10; CCBB-BH, de 11/12 a 17/2020.

 


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