O apoio da direita ao Projeto de Lei para anistiar os condenados do 8 de janeiro de 2023 provocou uma troca pública de farpas entre o deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos e bispo licenciado da Igreja Universal, e o pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, inaugurando um novo capítulo de uma conhecida disputa religiosa.
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O que foi dito
Na terça-feira, 18, Pereira afirmou ao canal CNN Brasil que a discussão da anistia pode contaminar as eleições de 2026 e não houve debate interno entre os deputados do Republicanos, mas acrescentou que acredita haver “apoio majoritário” dos colegas à medida. “Não posso dar uma posição oficial do partido, porque [a anistia] não foi debatida internamente”, concluiu.
Horas depois, Malafaia distribuiu a sua lista de contatos telefônicos um vídeo em que chama Pereira de “vergonha para os evangélicos e para a Igreja Universal” pela posição. “Dizer que é contra o projeto de anistia, enquanto mulheres, idosas, donas de casa pegaram penas pesadas depois de serem presas sem uma pedra na mão, é uma vergonha. A base do trono de Deus é justiça e juízo. Que vergonha, Marcos Pereira. Que vergonha para a Igreja Universal”, disse.
O pastor ainda instou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e os senadores Damares Alves (DF) e Hamilton Mourão (RS), correligionários de Pereira, a “se posicionar veementemente contra ele ou deixar o partido”. “Te prepare, Marcos Pereira, porque a justiça de Deus também vai te alcançar”, concluiu.
Em seu perfil no Instagram, o republicano disse ter sofrido um “ataque covarde” e recomentou Malafaia a “cuidar das ovelhas [como pastor] ou então tornar-se político de fato, disputar uma eleição e falar como parlamentar”.
“Desafio Malafaia e quem quer que seja a encontrar uma manifestação pública minha contra ou a favor [da anistia]. Mas como advogado que sou, conhecedor das leis e do rito processual, não é possível anistiar quem ainda não foi condenado. Minha posição é técnica”, escreveu.
Do altar ao plenário
A Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus Vitória em Cristo são comunidades cristãs, mas têm formações, abordagens e ocupam espaços distintos entre os evangélicos, que são cerca de 26% da população brasileira, conforme o Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Segundo os pesquisadores Juliano Spyer, Guilherme Damasceno e Raphael Kalil, no livro “Crentes: pequeno manual sobre um grande fenômeno” (Record, 2025), a Vitória em Cristo é um dos ministérios desmembrados da tradicional Assembleia de Deus, que teve papel preponderante na “expansão da fé evangélica pelo país”, e tem fiéis que “atribuem grande valor às manifestações espirituais, como milagres, curas e êxtases”.
Já a Universal é uma comunidade neopentecostal — integrante da terceira onda do pentecostalismo, surgida em meados das décadas de 1970 e 1980 — e atrelada à teologia da prosperidade, que “relaciona a fé ao sucesso financeiro” e adota ritos modernizados, um conjunto de crenças rejeitado pelas comunidades tradicionais.
Munido de um estilo verborrágico, Malafaia apoiou diferentes políticos desde a década de 1990 e se aproximou intimamente de Jair Bolsonaro (PL) nos últimos anos, financiando manifestações da militância — como o 7 de setembro bolsonarista, na avenida Paulista, em São Paulo. Por outro lado, as lideranças da Universal “institucionalizaram” suas relações com o poder no partido Republicanos.
Como dirigente da agremiação, Pereira foi ministro de Michel Temer (MDB) e vice-presidente da Câmara dos Deputados no mandato de Arthur Lira (PP-AL). No governo Lula (PT), o republicano Silvio Costa Filho é ministro de Portos e Aeroportos, dividindo fileiras com os senadores Damares Alves (DF) e Hamilton Mourão (RS), que integraram a gestão Bolsonaro. A heterogeneidade destoa da “pureza ideológica” defendida por Malafaia, que compra brigas frequentes na defesa intransigente do ex-presidente — que seria beneficiado pela anistia — e seu grupo político.
Após as eleições de 2022, o Republicanos se opôs à estratégia do PL de contratar e usar um relatório que contestou votos de cerca de 279 mil urnas eletrônicas para jogar dúvidas sobre o resultado do pleito. O plano rendeu uma multa de R$ 22,9 milhões à coligação de Bolsonaro, o que atingiu o Republicanos, e foi citado pela Polícia Federal como parte da trama golpista que chegou ao crivo do STF (Supremo Tribunal Federal).
Malafaia, por sua vez, instava o PL no caminho da contestação e se opunha à atuação de Alexandre de Moraes, então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que aplicou a multa milionária. Lideranças da Universal com ascendência política criticavam, sob reserva, a postura do pastor.
Nas eleições de 2024 no Rio de Janeiro, centro de influência de Malafaia, o pastor trabalhou para afastar o Republicanos e a Universal da candidatura de Alexandre Ramagem (PL), que acabou derrotado por Eduardo Paes (PSD) ainda no primeiro turno. Enquanto isso, Edir Macedo, presidente da IURD, fez acenos ao prefeito reeleito.
Para além da política, a rivalidade chega nos altares das igrejas. No histórico de declarações verborrágicas, Malafaia considera que a Universal é “isolada” e “representa 4% dos evangélicos” e já chamou Macedo de “falso profeta”.