As investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, em 14 de março, no Rio de Janeiro, são cercadas de sigilo e consideradas de alta complexidade por todos que acompanham os fatos. Dentro dessa definição, estão as ligações com o poder público – que podem vir a explicar o crime. Nas últimas semanas, alguns avanços renovaram as esperanças de que o caso esteja mais perto de ser elucidado. A Polícia Civil, responsável pela investigação, descobriu o celular do motorista que dirigia o carro usado no crime. Com a quebra de sigilo telefônico autorizada pela Justiça, os investigadores passaram a cruzar os dados de mensagens instantâneas trocados com vários outros aparelhos, inclusive pertencentes a políticos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Alguns vereadores foram chamados a prestar depoimento na condição de testemunhas. Em nova investida contra a milícia – que é a “principal linha de investigação”, segundo o Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann –, foram presos oito suspeitos de integrar uma organização criminosa na quinta-feira 19, na zona oeste da capital e em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. A ação conjunta do Ministério Público e da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas e Organizadas (Draco) inclui mandado de prisão contra 22 suspeitos.

APOIO Reunião de policiais e familiares das vítimas: para viúva de Marielle, equipe é “altamente qualificada” (Crédito:Jose Lucena/Futura Press)

Para a antropóloga Alba Zaluar, estudiosa de violência e de milícia, é preciso entender os tentáculos dessas máfias que se alastraram no Rio a partir da década de 1970. “Hoje, essa estrutura paramilitar inclui conexões com os poderes oficiais. Eles milicianos não são mais o poder paralelo; eles são o poder, entende?”. A especialista diz que não só o Rio de Janeiro, mas o Brasil todo está repleto de grupos similares. “Matadores individuais, grupos de extermínio, pistoleiros, assassinos de aluguel, isso existe no Brasil inteiro e cresce porque não há punição. Por R$ 1 mil eles matam qualquer pessoa, é barato, portanto.” A elucidação do assassinato de Marielle é fundamental também para mudar a prática da impunidade neste sinistro mercado da morte. Outro ponto complexo dessa investigação, segundo a antropóloga, é lidar com o medo que os criminosos impõem, o que afasta as testemunhas. “As denúncias são importantíssimas, mas as pessoas que poderiam colaborar têm medo porque eles trabalham com o terror para intimidar”, afirma Alba Zaluar.

Mais de 100 ligações

Neste intrincado universo, um fato positivo chama a atenção sobre a possibilidade de as investigações estarem em bom caminho: as famílias de Marielle e Anderson têm dado depoimentos ratificando total confiança no trabalho comandado pelo chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, e na conclusão do inquérito. “Estamos todos cientes de que não é um caso fácil, mas estamos diante de uma equipe técnica altamente qualificada cuidando das investigações que nos garantirão não qualquer resultado, mas o resultado correto. Estamos aguardando e aguardaremos o tempo necessário que for para ter a verdade, para ter este caso esclarecido como deve ser, com justiça”, resumiu a viúva de Marielle, a arquiteta Monica Tereza Benício.

Agatha Arnaus Reis, mulher de Anderson, e Roberto Vilela Junior, cunhado dele, também disseram ter saído mais confiantes de uma reunião com representantes das instituições envolvidas na apuração, além do deputado Marcelo Freixo (PSOL/RJ) e de advogados, semana passada. Sobre a declaração do Ministro, Freixo disse: “Não quero saber quem é mais ou menos suspeito. Quero saber quem mandou matar e quem matou.” Recentemente, foi anunciado que especialistas em análise de munições teriam conseguido identificar fragmentos de impressões digitais nas cápsulas de pistola 9 milímetros usadas para matar Marielle e Anderson. O serviço Disque Denúncia disse ter recebido mais de 100 ligações sobre o duplo homicídio até a quinta-feira, 19.

Marielle presente

Elizabeth Paik

Ideias, frases, estilo de vestir e de viver, todo o legado da vereadora Marielle França é hoje tratado como preciosidade a ser perpetuada. Muitas são as propostas para filme, documentário, livros, roupas e música para contar sua trajetória. Entre as editoras, a Nova Fronteira apresentou um projeto de biografia para análise da família. No setor audiovisual, a produtora Paula Barreto, da LCBarreto, disse à ISTOÉ que já está na fase de pesquisa para a realização de um documentário “sobre a trajetória da militante política Marielle”. Vários ilustradores estão assinando cartazes reproduzindo o pensamento de Marielle, e há camisetas da marca Montink sendo vendidas no site Mercado Livre com frases da vereadora e seu rosto estilizado, a R$ 25 em média. A MC Carol lançou uma música em parceria com Heavy Baile que é um grito em defesa de minorias oprimidas, a bandeira da vereadora nascida no complexo da Maré, no Rio. Marielle, para sempre presente.