Por  Mirela Luiz

Enquanto a maternidade é vista como um projeto de vida por muitas mulheres, para outras ela acontece de forma acidental. Planejada ou por acaso, a verdade é que a gravidez está chegando cada vez mais tarde: o número de mulheres que se tornam mães após os 40 anos aumenta a cada ano no Brasil.

Pesquisa divulgada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos (Seade) revelou uma mudança significativa no perfil etário da maternidade entre as mulheres paulistas.
Houve um salto bastante expressivo entre as gestantes com mais de 40 anos, um crescimento de 64% no período de 2010 a 2022.
Isso sugere que, enquanto o número de filhos por mulher em todo o País diminuiu 13% nos últimos cinco anos, em São Paulo, especialmente entre as mulheres mais velhas, a maternidade tardia está se tornando mais comum.

Os dados mostram que no Brasil, em 2022, houve 331.438 partos em grávidas na faixa etária entre 35 e 39 anos — e 102.644 em mulheres acima dos 40. Foram praticamente 434 mil gestações em mulheres com mais de 35 anos. Isso mostra que houve uma mudança de eixo das gestações no País.

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(Lilian Puga)

“Após investir na carreira, que sempre foi minha prioridade, me casei e engravidei após os 40 anos.”
Fátima Costa, jornalista

Em 2021, 5.297 mulheres entre 45 e 49 anos deram à luz, e 416 mulheres com cinquenta anos ou mais tiveram filhos. Já o número de mulheres que tiveram filhos entre quarenta e 49 anos mais que dobrou em São Paulo. Entre as de trinta e 39 anos houve um aumento de 18%. “Fiz cálculos e percebi como é impressionante a mudança vista no perfil etário das gestantes. Por dia, 29 mulheres se tornam mães, o que equivale a um parto a cada 42 minutos. Acho muito mais prazeroso fazer o parto de uma mãe madura do que o de uma adolescente”, declara a ginecologista e obstetra Dra. Albertina Duarte.

A nutróloga paulista Ana Luisa Vilela é um exemplo dessa mudança de perfil gestacional. Sua primeira gestação foi aos 34 anos, quando ainda cursava a faculdade. “Foi um turbilhão de emoções. Foi meio sem querer, estava no fim da residência. Passaram cinco anos até tentar novamente”, conta Ana Luisa.

Tendência global

Com a carreira e a vida familiar estabelecidas, a médica decidiu partir para a segunda gestação, mas enfrentou diversas tentativas sem sucesso, dois abortos espontâneos e o tempo passando. “Depois de meses tentando, decidimos partir para a fertilização. Foram três tentativas, sem sucesso. Um período de muita ansiedade e frustrações. Tentei engravidar dos 37 aos 43 anos”. Após desistir por se convencer de que não seria possível, decidiu se cuidar, fez plástica.

Nunca estive tão bem fisicamente. Fui ao Peru encarar um ritual de passagem e aceitação em novembro. Em fevereiro estava grávida, aos 44 anos e de forma natural”, lembra ela. “Foi outro susto. Não contei para ninguém, só minha obstetra sabia. Fiquei três meses escondendo a gestação, até do meu marido. Só contei depois que passou esse período mais preocupante da gestação. Aos 44 anos, quase 45, a Aurora chegou”, revela a nutróloga.

O adiamento da maternidade é uma tendência global. Com os avanços na medicina e nos processos de fertilização, a gravidez tardia se tornou uma opção viável. Nos EUA, mais da metade dos bebês nascidos em 2023 tiveram mães biológicas com idade igual ou superior a trinta anos, de acordo com dados provisórios do Centro de Controle e Prevenção de Doenças norte americano (CDC).

As mulheres não veem mais a gravidez como uma obrigação e podem adiar a decisão até encontrarem o momento ideal em suas vidas para se tornarem mães. “Há benefícios evidentes numa gestação tardia, como maior estabilidade emocional e financeira, maior maturidade para lidar com as exigências da maternidade, e um suporte social e familiar possivelmente mais consolidado”, avalia Maurício Abrão, ginecologista obstetra do hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

A demógrafa Jackeline Romio vê nos dados apresentados pela Seade sobre o aumento das mães com mais de 40 anos, principalmente em São Paulo, uma confirmação do avanço dos direitos sexuais e reprodutivos e da igualdade de gênero no Brasil.

Há também uma oportunidade para discutir a necessidade da promoção de políticas públicas inclusivas de reprodução assistida no Brasil. “Tivemos um grande avanço em matéria de acesso à saúde reprodutiva e autonomia corporal das mulheres. Cada vez mais elas têm decidido sobre seus corpos e projetos de vida, ingressado massivamente no sistema educacional e no mercado de trabalho”, diz Jackeline.

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(Rogerio Cassimiro)

“Acho muito mais prazeroso fazer o parto de uma mãe madura do que o de uma adolescente.”
Albertina Duarte, médica obstetra

Existe uma mudança de paradigma sobre o que é realização para a mulher. Por outro lado, a competitividade e sexismo no mercado de trabalho impactam a decisão reprodutiva das mulheres e muitas se veem realizadas profissionalmente aos quarenta anos, mas com muitas questões suspensas em outros campos.

“O mercado de trabalho não é favorável às mulheres com filhos, geralmente promovendo a redução nos salários e a desaceleração na carreira, quando comparado aos homens, e até em comparação com outras mulheres na mesma faixa etária e sem filhos. Assim, muitas optam por priorizar a carreira e alcançarem uma estabilidade financeira antes de se tornarem mães”, enfatiza Ana Paula Leal, médica ginecologista da Clínica Elsimar Coutinho/SP e do Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (CEPARH).

Reprodução assistida

Analisando os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) de nascimentos em mães de mais de quarenta anos, no período entre os anos 2000 e 2023, segundo raça e escolaridade, é possível ver que eles também contam uma história de desigualdades. A maioria é branca e possui oito anos ou mais de escolaridade. “Isso indica que possivelmente as mulheres que decidem ser mães mais tarde tiveram mais oportunidades para realizar o seu projeto reprodutivo, como, por exemplo, a reprodução assistida, que tem um custo bastante alto”, pondera a demógrafa.

Pesquisa recente do UNFPA Brasil e Organon, Reprodução Assistida e Direitos: Panorama, Desafios e Recomendações Para Políticas Públicas no Brasil (2024), identifica barreiras socioeconômicas e geográficas no acesso à reprodução assistida no Brasil, pois 77% das clínicas estão no Sudeste e Sul e apenas 6% são públicas.

O estudo aponta que os custos variaram em 2023 entre R$ 15 mil e R$ 100 mil, dependendo do número de tentativas, procedimentos e localização da clínica. “Por isso é fundamental promover políticas públicas de popularização da reprodução assistida e de atenção em saúde reprodutiva para mulheres de 40 anos e mais”, declara Romio.

A reprodução assistida trabalha com dores, sonhos e expectativas. “A gravidez veio depois dos quarenta porque me casei pela segunda vez mais tarde. Como o sonho de ser mãe permaneceu vivo, logo de início já começamos a tentar engravidar. Fiz três fertilizações in vitro”, conta a advogada Letícia Stolochi. “O processo todo, entre pausas de hormônios e diversas tentativas, demorou cerca de um ano e meio. Não foi fácil. Só quem passa pela vida de tentante, sabe como é. Aos 44 anos consegui engravidar”, orgulha-se.

É sempre bom lembrar que as mulheres que optam pela maternidade tardia enfrentam maiores riscos de:
aborto espontâneo,
diabetes gestacional,
pré-eclâmpsia,
parto prematuro,
anomalias placentárias,
e gestação múltipla, entre outras intercorrências que podem oferecer riscos à saúde.

A jornalista Fátima Costa teve dificuldades. “Me casei mais tarde, pois minha prioridade sempre foi o trabalho no agronegócio, que exigia muitas viagens. Após investir na carreira, finalmente me casei, sem muita pretensão de ter filhos. Engravidei aos quarenta anos e meio, uma gravidez tranquila, mas com complicações devido à minha idade”, conta.

Os estudos também mostram que a mulher contemporânea assumiu novos papéis. “As mulheres estão ocupando os espaços de decisão sobre o próprio destino que antes só existiam sob negociação com os homens”, afirma o sociólogo Luiz Felipe Gonçalves.

A maternidade tardia se tornou uma opção viável para todas as mulheres, sejam elas mães em carreira solo ou com relacionamentos estáveis.Mais mulheres estão tendo filhos após os 40, diz pesquisa. Confira os motivos