Na segunda-feira 14, o presidente americano Donald Trump cumpriu o que prometera. De Washington, ele anunciou, pelo Twitter e por meio de um vídeo, a abertura da nova sede da embaixada dos Estados Unidos em Israel, instalada em um prédio de Jerusalém. “É um grande dia para Israel”, disse o presidente. No local, representando seu governo estava sua filha, Ivanka Trump, acompanhada do marido, Jared Kushner, conselheiro para assuntos internacionais, e dos principais representantes do corpo diplomático em serviço no país. A quilômetros de distância dali, uma chuva de bombas lançadas pelo governo israelense tentava conter milhares de palestinos aglomerados ao longo da fronteira, na Faixa de Gaza, reunidos em protesto contra a medida americana. Para os árabes, a segunda-feira ficou marcada como o dia mais sangrento depois da guerra em Gaza, em 2014. Mais de dois mil palestinos foram feridos e pelo menos 62 perderam a vida nos protestos.

Foi um dia simbólico por vários motivos. O principal é que, ao desafiar toda a comunidade internacional, contrária à transferência da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém, Trump empurrou para mais longe qualquer possibilidade de paz na região. A cidade abriga locais sagrados para judeus, cristãos e muçulmanos e sua classificação diplomática é um dos pontos mais delicados das negociações de paz entre judeus e palestinos. Quando a Organização das Nações Unidas decidiu pela partilha do território palestino em dois estados, o árabe e o judeu, em 1947, Jerusalém foi designada como uma cidade separada a ser submetida a controle internacional. No entanto, após a criação de Israel, em 1948 — exatamente em um 14 de maio —, uma guerra deu ao estado judeu o lado ocidental da cidade, enquanto a outra parte ficou sob o comando da Jordânia. Israel assumiu também o controle da banda oriental em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, e desde então vem construindo assentamentos na área.

Dos 193 países que integram a ONU, 128 foram contra a decisão de Trump

Reação mundial

A cada rodada de conversas sobre um acordo entre árabes e judeus, o tema do comando da cidade se impõe como um dos mais complicados. Israel defende Jerusalém como sua capital, indivisível, e os palestinos desejam ter a área oriental como a sede de seu estado. Pela dificuldade em chegar a um acordo enquanto as negociações não avançam o suficiente, a ONU, com o apoio da maioria dos países, mantém o assunto em discussão permanente.

REAÇÃO Centenas de palestinos foram feridos por tiros de snipers israelenses ao mesmo tempo em que Ivanka Trump inaugurava a nova embaixada americana (abaixo) (Crédito:Mahmud Hams)

O consenso atual é de que, hoje, qualquer movimento no sentido de dar a primazia sobre Jerusalém a árabes ou a judeus significa um retrocesso em qualquer caminho para a paz.

A posição mundial ficou clara em dezembro do ano passado, quando Trump anunciou que faria a transferência da representação diplomática americana. Das 193 nações que compõem a ONU, 128 posicionaram-se contra a decisão do presidente dos Estados Unidos.

Na semana passada, ao concretizar a mudança para Jerusalém, Trump desconsiderou a recomendação internacional de prudência, colocando mais combustível em uma fogueira difícil de ser contida há décadas. “Por muitos anos, falhamos em reconhecer o óbvio. A realidade é que a capital de Israel é Jerusalém”, afirmou no vídeo exibido durante a cerimônia. Presente ao ato de abertura, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu agradeceu ao presidente. “Este é um grande dia para Israel. É um ótimo dia para a América. É um ótimo dia para nossa fantástica parceria e acredito que seja também um grande dia para a paz”, disse o chefe de estado de Israel. Até a quinta-feira 17, o único país a seguir os americanos havia sido a Guatemala, mudando também sua sede diplomática para Jerusalém. O Paraguai fez anúncio neste sentido. O Brasil, segundo o Ministério das Relações Exteriores, manterá a obediência às orientações da ONU, defendendo que “o status final da cidade deverá ser definido em negociações que assegurem o estabelecimento de dois estados vivendo em paz e segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas e com livre acesso aos lugares santos das três religiões monoteístas.”

De modo geral, a reação internacional foi de crítica. O presidente francês, Emmanuel Macron, classificou a atitude de Trump como “lamentável” e teria advertido o colega americano para as consequências. Ayman Safadi, ministro do Exterior da Jordânia, também chamou a atenção para o perigo que poderia advir da ação. Estava claro que um caldeirão iria explodir. E explodiu. Desde 30 de março, milhares de palestinos se dirigiam à fronteira com Israel percorrendo a chamada Grande Marcha de Retorno. Trata-se de um movimento que tem por objetivo lutar pelo o que os palestinos consideram seu direito de regresso às terras tomadas por Israel.

Negociações paradas

Na segunda-feira 14, a multidão palestina estava enfileirada nas bordas do estado judeu quando Ivanka Trump abria a nova embaixada americana em nome do pai. O que aconteceu foi um confronto brutal. Às pedras e bombas incendiárias lançadas pelos árabes, o exército israelense respondeu com bombas de gás, rojões e tiros disparados por seus snipers. O pior desta luta campal durou dois dias.

Israel acusa o Hamas, principal grupo islâmico atuante na Palestina, de incitar a violência. “Há uma manipulação cínica do Hamas da situação para que ocorram mortes. Eles são responsáveis por Gaza, mas em vez de proporcionar bem-estar aos seus cidadãos, fazem lavagem cerebral nos habitantes, usando-os como peões”, afirma Dori Goren, cônsul geral de Israel em São Paulo. Por meio de um comunicado, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, afirmou que Trump apenas criou mais instabilidade e agitação. Embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben não enxerga cenário diferente. “As negociações de paz estavam paradas e ficarão ainda mais complicadas”, diz. Nas previsões de Alzeben, as manifestações seguirão. Ou seja, mais palestinos e judeus perderão suas vidas em uma guerra que, graças a mais um desastre diplomático de Trump, está longe de acabar.

Milhares de palestinos estavam na fronteira desde março para protestar contra Israel