O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passa no primeiro trimestre de 2025 pela principal prova de fogo para a coalizão que formou para governar o país após derrotar Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, em 2022.
O cenário econômico desfavorável, a inflação em alta e a dificuldade para estancar uma queda de popularidade levaram o petista a descobrir, na prática, que dar cargos no governo a partidos como PSD, União Brasil, Republicanos e PP não é mais suficiente para garantir o apoio de suas numerosas bancadas no Congresso, ao contrário do que ocorria entre 2003 e 2010 — quando ocupou este mesmo cargo.
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Mais do que isso, o período de indicadores negativos foi acompanhado de críticas de presidentes desses partidos e cobranças por uma reforma ministerial que ampliasse a base parlamentar da gestão — até aqui, respondidas com as nomeações de dois petistas, Alexandre Padilha e Gleisi Hoffmann, para a Saúde e as Relações Institucionais.
Para o cientista político Cláudio Couto, coordenador do mestrado em Gestão e Políticas Públicas da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas), as dificuldades para governar estavam colocadas desde o início do terceiro mandato de Lula.
“Do apogeu do bolsonarismo para cá, os partidos do ‘centrão’ se tornaram menos dependentes do Executivo“, afirmou. Nesta entrevista à IstoÉ, Couto avaliou as chances de que o Palácio do Planalto recupere o nível de sustentação parlamentar que, em outros tempos, era assegurado a este mesmo presidente.

Cláudio Couto, cientista político
Leia a entrevista:
IstoÉ O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, disse recentemente que seu partido deixará os cargos no governo se não houver mudanças relevantes e sugeriu que o desembarque seria seguido por PSD, União Brasil e Republicanos, isolando o governo em termos de apoio parlamentar. O que essa ameaça representa?
Cláudio Couto Desde que chefiou a Casa Civil de Jair Bolsonaro [entre 2021 e 2022, consolidando a adesão do ‘centrão’ ao ex-presidente], o senador se coloca como um opositor claro a Lula, independentemente da posição de seu partido — que, aliás, abriga uma parcela relevante de políticos de oposição.
Ocorre que a lógica de coalizão do governo federal é, desde o início do mandato, de redução de danos. Atualmente, não se monta mais uma coalizão como no passado, em que a representação dos partidos em cargos na gestão assegurava algo como 80, 90% dos votos de suas bancadas no Congresso.
Hoje, ainda que abriguem opositores, uma parte das bancadas de PP, União Brasil e demais legendas desse grupo vota com o governo, a depender da pauta discutida. Para Lula, é melhor ter essas parcelas a seu favor do que as bancadas inteiras contra si.
“A lógica de coalizão do governo Lula é, desde o início, da redução de danos”.
IstoÉ Na mesma entrevista, Nogueira comparou a possível debandada ao que ocorreu com Dilma Rousseff, que perdeu o apoio de partidos da direita à centro-esquerda antes de sofrer um impeachment, em 2016. Há semelhanças entre esses dois contextos?
Cláudio Couto Dilma alcançou níveis de rejeição que dificilmente se repetirão com Lula, não tinha carisma, o Brasil enfrentava uma recessão histórica e o governo deu um cavalo de pau econômico em relação às propostas de campanha. O governo [Dilma] estava sem rumo, o que, apesar dos problemas de gestão, não se reproduz atualmente. Um impeachment de Lula não está no horizonte.
IstoÉ Mas o que levou Lula a perder a simpatia de partidos ideologicamente distantes do PT, considerando que essas mesmas siglas o apoiavam amplamente nos dois primeiros mandatos?
Cláudio Couto O que houve é que, do apogeu do bolsonarismo para cá, as emendas parlamentares deram ao Congresso um acesso praticamente irrestrito ao orçamento público e o tornaram menos dependente do Executivo — que, antes, era quem empenhava os recursos. Diante da incerteza da distribuição [no modelo anterior], o controle de um Ministério compensava a situação, do ponto de vista orçamentário, para as legendas.
Os partidos do ‘centrão’ operam em uma lógica de adesão, em que a compensação pelo apoio deve ser satisfatória. Não há compromisso programático. Isso posto, deve-se lembrar que, embora tenha esse nome, esse grupo de partidos está mais à direita, e sem depender da adesão ao Executivo, seus representantes têm mais liberdade para fazer oposição e abrir mão do alinhamento irrestrito.
“Os partidos do ‘centrão’ operam em uma lógica de adesão”.
IstoÉ O governo comete um erro ao, conhecendo a lógica que o senhor descreveu, priorizar PT e aliados próximos na distribuição de poder?
Cláudio Couto Há uma tese, parcialmente verdadeira, de a montagem de governo de Lula não considerou o cálculo de coalescência, em que o peso dos partidos no Legislativo é reproduzido em sua representação no Executivo. Mas ela é parcialmente verdadeira porque parte das pastas comandadas por PT e partidos de esquerda, como os Direitos Humanos e a Igualdade Racial, simplesmente não interessam ao ‘centrão’, porque seu orçamento não é atrativo. A análise da distribuição da Esplanada deve levar isso [o orçamento das pastas] em conta.
Agora, justamente pela questão das emendas, tudo indica que, ainda que recebessem mais cargos na gestão, os partidos do ‘centrão’ não dariam ao governo um apoio completo. O problema sistêmico na correlação de forças entre o Legislativo e o Executivo está acima do que essa distribuição pode suprir.
IstoÉ Uma boa articulação política poderia neutralizar esses obstáculos? Gleisi Hoffmann foi uma boa escolha para a Secretaria de Relações Institucionais, que é responsável por essa atividade?
Cláudio Couto A escolha foi muito problemática e temerária. Ainda que a posse da nova ministra tenha sido prestigiada por diversos políticos do ‘centrão’, é fato que ela integra uma linha ideológica mais dura dentro do PT, inclusive responsável por sabotar a política econômica do ministro Fernando Haddad [da Fazenda].
Mesmo o [ex-ministro da SRI] Alexandre Padilha, que tem um perfil muito mais aberto ao diálogo, cordado, enfrentou dificuldades nessa relação [com as demais forças do Parlamento]. Então, a análise da distribuição dos ministérios deve levar em conta não apenas quantos são ocupados pelo PT, mas quem está neles.