Em meio a compromissos do dia a dia, a quadras de distância, João Batista do Nascimento, de 38 anos, vê o primeiro prédio em que esteve na vida (no qual reside há 12 anos) despontar no centro paulistano. Hoje, a imagem é de janelas tapadas por madeira, falhas no revestimento, pichações, mas também sinais de que é a casa de muitos, com plantas, roupas no varal, antenas de televisão e cortinas.

É uma paisagem familiar para o morador, na qual ele e a mulher criaram três filhos, hoje adolescentes, e aguarda a chegada do quarto. Porém ainda não é a imagem idealizada. “Quero ver lá de longe, bem destacado, sem madeiras na janela. Vai ficar um espetáculo”, diz ao citar a requalificação do edifício, prevista para ocorrer após 20 anos da primeira ocupação, a maior vertical ainda existente no País.

A reforma do Prestes Maia é esperada para por volta de abril, com a retomada de um projeto travado com o fim do Minha Casa, Minha Vida, especialmente da categoria “Entidades”. Agora, a expectativa das lideranças da ocupação e da Prefeitura de São Paulo é que a obra seja viabilizada pelo Pode Entrar, novo programa habitacional do Município, criado no fim de 2021.

A estimativa é de R$ 40 milhões a R$ 50 milhões para transformar o edifício, desapropriado em 2015 do proprietário (que acumulava anos de dívidas de IPTU), em um condomínio de 287 apartamentos. Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, alguns trâmites burocráticos ainda são necessários, mas a expectativa é de que o retrofit seja o primeiro do programa, que utilizará recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), modificado por lei em 2019 para liberar a aplicação na construção de unidades (e não mais apenas na compra de terrenos).

Com a possibilidade próxima da obra, o edifício vive um esvaziamento paulatino, segundo o Movimento de Moradia na Luta por Justiça (MMLJ), responsável pelo espaço. Grande parte vai para outras ocupações, onde permanecerão de 1 ano e meio a dois anos, durante a obra, e, depois, poderão voltar. Hoje, apenas 8 dos 23 pavimentos têm moradias, com cerca de 50 das mais de 400 famílias que teriam vivido simultaneamente no local. As novas saídas têm levado a remanejamentos internos para trazer a população para os andares mais baixos, já que não há elevadores. Para moradores com dificuldade de locomoção, por exemplo, a descida e subida somente são possíveis com o apoio físico de vizinhos. Além disso, um dos blocos já havia sido desocupado após um incêndio, controlado por moradores treinados, em 2018. Mesmo assim, a ocupação ainda parece uma microcidade. Os corredores internos são bem mais largos, tem ares de rua, com a circulação de moradores e a presença de crianças a brincar e andar de bicicleta, além dos tapumes pintados por grafites, como se fossem muros.

Em geral, de cada lado há uma fileira de barracos, delimitados por tábuas de madeira (às vezes até no teto, quando o pé-direito é mais alto). Há pouca privacidade sonora e é comum que alguns itens domésticos sejam deixados do lado de fora (no corredor-rua) das residências, como lavadora de roupa, por exemplo.

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Há até pequenos comércios improvisados, como uma vendinha de itens básicos (como ovos, alho e balas) dentro do lar da maranhense Gorete Campos, de 49 anos. Outros residentes oferecem serviços em folhas A4 colocadas nas escadarias, como venda de bolo, de roupas usadas e cosméticos. Nos fins de semana, as áreas comuns são lavadas coletivamente, enquanto as unidades compartilham a limpeza diária dos banheiros comunitários.

Enquanto cada pavimento tem um “coordenador”, responsável por resolver problemas de diferentes naturezas, de acidentes e travessuras de crianças a uma eventual violência doméstica. Alguns moradores têm treinamento para a contenção de incêndios, além de haver uma grande mangueira de hidrante que passa por todos os andares por meio do vão da escada em caracol. “As pessoas só vivem aqui porque precisam muito”, salienta Ivaneti de Araújo, coordenadora do MMLJ. Segundo ela, há moradores de diferentes perfis, mas são praticamente todos brasileiros e grande parte chefiada por mulheres com filhos. “Jamais uma mãe e um pai vão descer 22 andares todos os dias para ir no mercado, levar o filho na escola…”

Entre os moradores está o comerciante Vilmar de Souza, de 38 anos, que tem um pequeno bar na esquina da Avenida Prestes Maia. Ele também é coordenador na ocupação, onde mora com sobrinhos de 10 e 14 anos. Conta que soube do local por um amigo quando ficou desalojado após um aumento no aluguel que pagava nas proximidades, na Armênia. “Não conhecia uma ocupação. Para mim, veio agregar outra visão, outro olhar.”

REQUALIFICAÇÃO

Uma fábrica de tecidos erguida por volta dos anos 1950, o edifício tem dois blocos, um de 23 pavimentos e outro de 10 pavimentos. Segundo o MMLJ, estava há cerca de 12 anos sem uso quando foi ocupado pelo grupo pela primeira vez, em 2002.

No projeto, serão 21 andares com habitação, alguns incluindo áreas comuns, como lavanderia comunitária. A cobertura do bloco dos fundos receberá uma ligação por passarela, enquanto há a vontade de permitir visitas à cobertura, que tem uma vista panorâmica das imediações da Luz.

Serão unidades de tamanhos variados, a maioria quitinetes, mas também haverá apartamentos de um e dois quartos. Todas unidades com banheiro, com metragens de 30 a pouco mais de 50 metros quadrados, segundo o arquiteto Waldir Ribeiro, diretor da Urbania, responsável pelo projeto. “É grandioso, pelo volume de trabalho, recursos necessários, mas vai dar à cidade um local bonito e agradável. Dará para atravessar de um lado pro outro da (Rua) Brigadeiro Tobias para a (Avenida) Prestes Maia.”

Ele conta que os 17 mil metros quadrados estão com uma estrutura segura, mas que a obra demanda mudanças variadas, como hidráulica, elétrica, revestimento, construção de paredes, acessibilidade, instalação de elevadores e outras medidas. Há também a vontade de firmar parcerias para viabilizar o uso de energias renováveis, como a solar, para abastecer as áreas comuns.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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