19/09/2018 - 10:26
Depois do escândalo, a arte. Dez meses após o afastamento de Bernardo Paz, fundador do Inhotim, acusado de lavagem de dinheiro, o maior centro de arte a céu aberto da América Latina voltou a inaugurar exposições este mês, com obras de artistas contemporâneos consagrados.
O museu fica na pequena Brumadinho, a uma hora de Belo Horizonte, e suas galerias e obras de arte se espalham por 25 hectares de terra, em um cenário repleto de lagos, árvores e plantas.
Nesta paisagem idílica, Inhotim propõe novas reflexões sobre a relação com o espaço com inauguração de obras do argentino David Lamelas, do americano Robert Irwin e da japonesa Yayoi Kusama na Galeria Lago.
“São artistas mais velhos (entre 71 e 89 anos), de continentes diferentes e que trazem uma presença física do trabalho, uma experimentação do espaço”, explica Allan Schwartzman, curador e diretor artístico de Inhotim.
Os aparatos arquitetônicos de Lamelas – como uma parede tombada, apoiando-se sobre uma estrutura de madeira – abrem os trabalhos, seguidos pela etérea instalação “Black³”, de Irwin: uma sala clara com dois quadrados pretos em paredes opostas, separados por diversas telas.
“Eu amo essa obra porque fala do espaço, mas trata-se de um objeto, um cubo negro dissecado em fatias. Você tem uma variabilidade da sua percepção, lembrando que mesmo o que conhecemos muda segundo o ponto de vista”, reflete Schwartzman.
A passagem pela galeria é concluída com “I’m Here, But Nothing”, instalação da japonesa Yayoi Kusama, com suas tradicionais e obsessivas bolinhas.
Ainda entre as novidades está a exposição Ensaios Vitruvianos, do havaiano Paul Pfeiffer, na Galeria Praça, cujo destaque é uma escultura que replica e amplia o Estádio Olímpico de Sidney, multiplicando sua capacidade de 80 mil para 1 milhão de assentos.
Por fim, oito obras audiovisuais do acervo do Inhotim são expostas na Galeria Fonte – que incluem a imersiva e angustiante obra do brasileiro Marcellvs L, que replica em uma pequena sala a sensação de estar preso ao fundo de uma piscina.
Schwartzman acredita que o vídeo é uma plataforma que pode ser especialmente apreciada pelo público neste museu de Brumadinho.
“O vídeo requer um tempo diferente, tempo e paciência, mas o Inhotim, por ter essa experiência no lado externo e porque as pessoas vêm passar o dia aqui, tem cerca vocação para isso”, conta o diretor artístico.
– Voltando a se abrir –
Essa é a primeira inauguração no museu desde o afastamento de Bernardo Paz, condenado, em primeira instância, a nove anos e três meses de prisão por lavagem de dinheiro, em um caso que não envolve o museu.
“Óbvio que o Inhotim existe por causa do Bernardo, mas a gente já vinha trabalhando essa independência dele, especialmente desde a doação das terras para a Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que administra o museu) há três anos”, explica o diretor executivo, Antônio Grassi.
Além do afastamento de Paz da presidência, o grupo optou por reformular a composição do conselho, contratou a auditoria da britânica Ernest & Young e uma empresa de compliance, segundo Grassi, “para blindar o Inhotim”.
A abertura das exposições em galerias temporárias, onde as obras ficarão à mostra por dois anos, deu-se na esteira do incêndio que varreu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro – o maior de história natural e antropológico da América Latina, com mais de 20 milhões de peças.
“Há uma ironia perversa de, na mesma semana, um museu pegar fogo e outro inaugurar uma exposição com grandes artistas contemporâneos (…). Acho que essa perda precisa ser reconhecida por sua enormidade para a cultura mundial”, lamenta Schwartzman.
“Embora alguns dos artistas mais marcantes do século 20 sejam brasileiros, os museus aqui são muito desafiados e subfinanciados. Museus são uma riqueza e símbolo da saúde nacional”, defende ele.
O curador – que se divide entre os Estados Unidos e Brumadinho – acredita, contudo, que, do episódio negativo, pode nascer uma oportunidade.
“Acho que é um bom momento para o Brasil dar um passo atrás e pensar sobre seu compromisso de fomentar a cultura. As pessoas devem avaliar como se sentem e se fazerem ser ouvidas. Se acharem que o governo tem a obrigação de sustentar as instituições, têm que se posicionar, mesmo que o país esteja em um momento tão desafiador economicamente”, resume o americano.
Grassi concorda: “O desafio é como segurar a manutenção de um negócio desses, que custa muito caro”.
“Está mais que na hora de trabalharmos com a ideia de ter patronos pessoas físicas, como acontece no MoMa, em Nova York, que tem 700 patronos brasileiros”, aposta.
Com custo médio de R$ 35 milhões ao ano, o centro cultural se financia através de patrocínios via leis de incentivo à cultura, convênios com o governo, bilheteria e doações – como o programa Amigos do Inhotim, voltado para pessoas físicas.
Mal saído dos esforços de reconstrução de imagem, Inhotim atualmente pensa nessas novas formas de financiamento e de atrair mais público, enquanto faz planos grandiosos para 2020: uma galeria inteiramente dedicada às obras de Yayoi Kusama e uma enorme escultura a céu aberto de Paul Pfeiffer.
Reconstruindo-se após a crise, Inhotim quer provar que museus também vivem de futuro.