Boa parte das atenções no futebol brasileiro se voltaram, nos últimos dias, para Vitor Roque e seu desempenho no Athletico-PR, time vice-líder do Brasileirão. O atacante de apenas 17 anos é uma das promessas do futebol para os próximos anos. Não à toa, o clube paranaense investiu R$ 24 milhões para tirá-lo do Cruzeiro sem qualquer preocupação em não ter retorno, seja esportivo ou financeiro no futuro. O garoto vem cumprindo as expectativas sobre seu futebol.

Na semana passada, Vitor Roque se tornou o jogador mais jovem a marcar um gol na Copa Libertadores, no jogo de ida das oitavas de final contra o Libertad. Ele balançou as redes também na vitória sobre o Palmeiras, no Allianz Parque, por 2 a 0. Pentacampeão do mundo, o técnico Luiz Felipe Scolari já percebeu o talento que tem em mãos e, sempre que pode, elogia o jogador, sem esquecer de pontuar que o caminho é longo.

Antes de chegar a Curitiba, Vitor Roque iniciou sua caminhada no América-MG. Com 10 anos, ele passou no teste de avaliação do clube e encontrou com Luciano Schuai, hoje técnico do sub-12 em Minas. Em entrevista ao Estadão, o treinador conta detalhes do início da carreira de Vitor, que explicam seu sucesso no profissional. “Quando se planta uma boa semente, se colhe bons frutos”, afirmou o treinador.

“Tive a honra de iniciar os trabalho com ele na categoria sub-10 e, logo de cara, percebi que ele era um menino especial”, contou. No início, Vitor Roque atuava como volante, mas logo suas características físicas e táticas, somado ao trabalho da comissão técnica, o transformaram em um atacante. “Ele tinha um apelido carinhoso de ‘tanque’, porque era muito forte, rompia a marcação e jogava de forma incisiva.”

Nascido em Timóteo, interior de Minas Gerais, o jogador teve o apoio de sua família quando se juntou ao América, em 2014. Sua mãe e irmã se mudaram para Belo Horizonte, enquanto seu pai, Juvenal, continuou trabalhando por lá. Amigo da família, Luciano considera esse apoio na base como fundamental para o sucesso do atacante no futebol. “Ele sempre teve uma família bem estruturada, sempre escutou os conselhos, tanto os meus quanto os dos pais. Fora do América, eu fazia um trabalho específico com ele, auxiliando-o na parte física e emocional.”

Luciano ressalta ainda que, fora do futebol, Vitor era diferente pelos seus traços de personalidade. Segundo o técnico, o jogador sempre se mostrou motivado a aprender, a escutar os outros e mantinha uma postura de humildade. “Ele sempre demonstrou que queria ir longe na vida. Um garoto bom de grupo e que buscava atividades que iam além de sua faixa de idade”, afirmou.

Pelo América-MG, o atacante perdeu apenas um jogo sob o comando de Luciano. O treinador, que é decacampeão das categorias de base do clube, lembra com orgulho das conquistas ao lado de seu jogador. “Com o Vitor em campo, eu tinha a certeza de que algo viria a nosso favor. Agora ele está sendo observado por uma nova geração, mas ele nos ajudou muito enquanto esteve por aqui.”

POLÊMICAS

Vitor Roque se transferiu para o Cruzeiro em 2019, em uma negociação polêmica. Segundo o clube formador, houve uma “peneira” forjada pelo agora time de Ronaldo Fenômeno e o pai do atleta empregado como olheiro, em contrato de quase R$ 1 milhão. Os fatores levaram a um processo na Justiça, com as partes entrando em acordo em maio deste ano.

Luciano admite que, como funcionário do América, foi pego de surpresa pelo anúncio da saída de seu atacante. “No futebol, existem questões empresariais e familiares. A saída do Vitor foi uma surpresa para todos nós, mas enxerguei como uma oportunidade para sua vida, para sua carreira”, detalhou o treinador.

No Cruzeiro, o garoto fez sua estreia no futebol profissional sob os olhares atentos de Luciano, que passou a se tornar um “fã”. “Sou um admirador e me tornei um fã dele porque é muito focado naquilo que faz.”

Entre 2019 e 2022, período que permaneceu no rival de Minas Gerais, Vitor participou de 11 jogos do profissional, com sete gols marcados. Sua estreia foi atípica, mas rendeu elogios do técnico Vanderlei Luxemburgo. Saindo do banco, o jovem atuou por apenas 18 minutos antes de ser substituído. “Falei para ele (Vitor) que o cansaço é a emoção de entrar no jogo e estrear com 16 anos. Levou até um susto, mas conseguiu fazer jogadas, mostrou a cara. Mostrou a que veio.”

Em abril deste ano, outra transferência polêmica. O atacante foi contratado pelo Athletico-PR por R$ 24 milhões – maior valor pago a um jogador na história da equipe do Paraná – com um contrato de cinco anos, após rescindir com o Cruzeiro. Desde então, o clube mineiro busca, junto à Justiça, receber mais do que esta quantia. Segundo a diretoria, o montante pago pelo atacante não condiz com a Lei Pelé, que leva em conta o salário do jogador para o valor da transferência.

No mês seguinte, representantes dos dois clubes participaram de uma audiência junto à Justiça, sem alcançarem um acordo quanto aos valores. Quando a quantia for liberada, o Cruzeiro terá direito a 50% do montante, o América-MG a 35% e o jogador aos 15% restantes da negociação.

MOMENTO NO ATHLETICO

As atuações de Vitor Roque explicam o motivo de o Cruzeiro seguir brigando pelos valores sobre o atacante, e por tentar segurá-lo, no começo do ano, na Toca da Raposa. Na vitória do Athletico sobre o Libertad pela Libertadores, o jovem fez sua estreia, atuando na vaga de Pablo, lesionado, e marcou seu primeiro gol. Com 17 anos e 120 dias, Vitor Roque se tornou o jogador mais jovem do clube a anotar um gol na competição continental.

No jogo seguinte contra o Palmeiras, em mais uma boa atuação como titular, o atacante marcou o primeiro da vitória do Athletico, que colocou a equipe na vice-liderança do Campeonato Brasileiro. As atuações de Vitor Roque renderam elogios de Felipão. “Ele não sentiu o jogo (contra o Libertad), é um jogador de 17 anos, mas com estrutura de atleta de 22, 23 anos. Ele já tem qualidades físicas, técnicas e mentais para enfrentar um jogo desses”, afirmou o treinador.

Felipão também ressaltou a necessidade de paciência com o jovem, que precisa de uma evolução normal no futebol. “É um pouco inexperiente, o gol ele fez porque errou, resvalou na bola, mas também vale assim. É um jogador diferente, como o Brasil já teve antes, e que precisa de uma evolução normal para que fiquemos preenchidos como foi muitos anos atrás”. Em 12 jogos, marcou três gols.

De longe, Luciano Schuai enxerga essa caminhada de sua “criação” com carinho e orgulho. “Hoje ele tem uma qualidade de vida diferente, mas sempre que posso mando mensagens para ele, de sabedoria ou edificantes. Eu mantenho um laço de amizade com a família”, afirmou. “Para quem conhece a sua origem, ver o Felipão elogiando-o é de uma felicidade sem tamanho, porque ele enxerga o mesmo valor que eu via no Vitor quando estava no América.”

Mas o treinador garante que, mesmo crescendo no futebol, Vitor ainda mantém sua essência humilde, de um jovem de 17 anos. “Onde ele chega, o ambiente se torna agradável. Semana passada, ele dispôs do seu tempo para gravar um vídeo para um garoto que perdeu um ente querido. O Vítor é isso, apesar de profissional, segue sendo o mesmo jovem, com tantas coisas ainda a viver e conquistar. A estrada até aqui não foi fácil. Teve momentos que eu o vi chorando, mas esse é só o começo.”