Ao longo de mais de 40 anos, os mainframes se consolidaram como a espinha dorsal da infraestrutura de TI do setor financeiro e também têm papel importante em operadoras de saúde, seguradoras, varejistas e outras empresas com grande volume de dados para processar. Projetados especificamente para gerenciar milhares de transações por segundo, esses grandes sistemas computacionais se destacam principalmente pela velocidade e segurança nas transações.
“Quando um cliente usa um mainframe, o maior benefício para ele é ‘dormir melhor’, no sentido de saber que há ali uma plataforma estável, rápida e escalável”, explica Livio Sousa, CTO de Modernização de Mainframe da IBM, líder global do setor. Sousa observa que 70% das transações financeiras de todo o mundo passam por mainframes, o que exige que esses sistemas funcionem de forma praticamente instantânea. “Temos clientes aqui no Brasil que rodam 150 mil transações por segundo em mainframes, com várias unidades trabalhando em paralelo. Assim, mesmo se acontecer um imprevisto em algum datacenter, há a garantia de que a transação será feita”, afirma.
Na última década, o avanço da nuvem e de tecnologias abertas tirou um pouco do “brilho” do mainframe quando o assunto é infraestrutura de TI. Paradoxalmente, porém, a mesma nuvem, em conjunto com avanços em IA, tem sido responsável por revigorar o mercado de mainframes. Estudo da consultoria Data Bridge aponta que o mercado de mainframes movimentou US$ 30 bilhões no ano passado, e este valor deve crescer para US$ 41 bilhões em 2032.

Mercado de mainframes está em crescimento
Código antigo é obstáculo
Um dos principais desafios que as empresas enfrentam para modernizar seus mainframes está no código antigo. Grande parte das aplicações financeiras mais tradicionais foi escrita em Cobol, uma linguagem criada nos anos 1960 e que já ‘sumiu do mercado’ há alguns anos. Muitos profissionais com mais experiência nesta linguagem já se aposentaram e não há novos programadores sendo formados em grande quantidade, o que causa um problema de falta de mão de obra.
“Muitos clientes com quem conversamos me perguntam: ‘o que vai acontecer com o meu negócio quando o meu último programador Cobol se aposentar?’. Essa preocupação tem sido um dos fatores que vêm acelerando as iniciativas e modernização de mainframes”, explica Rafael D’ávila, líder de Setor Financeiro do Google Cloud no Brasil.
Para o executivo, um segundo fator que acelera a migração é de viés econômico. “Os mainframes são plataformas estáveis e realmente funcionam como o backbone do setor financeiro. Mas ao mesmo tempo representam um alto custo, pois há questões de licenciamento, custo do hardware em si e manutenção”, detalha.
Para contornar a falta de mão de obra, uma das soluções é usar outras linguagens para acessar as informações. “É possível usar APIs e outras soluções mais modernas para permitir que um desenvolvedor tenha acesso aos dados sem interagir diretamente com o código Cobol”, observa Sousa, da IBM. Ele enfatiza ainda que nem só de Cobol vive o mainframe. “Temos aplicações mais modernas que também rodam em mainframes, por questões de volume de dados e velocidade. Aqui na IBM temos o caso da Caixa Econômica, que optou por rodar toda a plataforma da Mega-Sena em Java, uma linguagem moderna e aberta, mas no ambiente de mainframe”, explica.
Outra forma de modernizar um mainframe sem lidar com o código é adotar uma solução em nuvem que sirva como intermediária entre as aplicações e dados mainframe e outras plataformas. A ServiceNow é uma das empresas que atuam neste mercado. “Do nosso ponto-de-vista, nunca pensamos em substituir o mainframe, mas sim de conectá-lo a uma camada de software e a partir daí integrar recursos de IA”, afirma Nirankush Panchbhai, VP sênior de plataformas da companhia.
Panchbhai observa ainda que atualmente muitas companhias optam por ambientes híbridos, mantendo alguns componentes, como mainframes, sob sua supervisão, e adotando a nuvem para outras aplicações. “Houve um tempo em que todo mundo dizia que tinha que ir com tudo para a nuvem, que todas as aplicações teriam que ser nativas em cloud. Mas creio que atualmente uma arquitetura híbrida pode ser igualmente interessante”, afirma.
Do on-premise para a nuvem
Além de fabricantes de mainframes, como a IBM, os grandes players de nuvem desempenham papel fundamental na modernização desses equipamentos. D´ávila, do Google Cloud, aponta que o maior obstáculo para esse processo não é técnico, mas sim comportamental. “Hoje, a maior barreira para empresas que querem migrar mainframes para a nuvem é o medo. Afinal, o mainframe é uma plataforma estável e que funciona, e há um certo receio de mexer nela. Por outro lado, há o medo de ficar tudo como está, e muitos CIOs se perguntam o que acontecerá daqui a 10 anos se nada for mudado’”, pondera.
Para realizar a migração dos mainframes para a nuvem, os provedores costumam trabalhar com a metodologia dos quatro Rs (em inglês, Rehost, Replatform, Refactor e Replace). “O Rehost é basicamente pegar a aplicação que está no mainframe e jogar na nuvem, sem modificações. É um processo mais rápido, mas não há nenhum ganho de performance ou funcionalidade, pois a aplicação continua com o mesmo código antigo. A partir daí, podemos evoluir para o Replatform, que acrescenta algumas melhorias à aplicação; Refactor, que envolve reescrever o código para uma linguagem mais moderna; e Replace, que substitui a aplicação por outra solução mais moderna e nativa da nuvem”, explica D´ávila.
IA ajuda no processo
As soluções de inteligência artificial são outro avanço que tem sido muito aplicado na modernização de mainframes. Na AWS, uma solução cada vez mais usada para esse fim é o AWS Transform, um agente de IA que analisa o código do mainframe, extrai a lógica de negócio e cria documentação técnica, reduzindo drasticamente o tempo de engenharia reversa.
“Como primeiro passo, carregamos o código do mainframe no AWS Transform. A ferramenta então analisa o código, verifica dependências e cria uma documentação técnica. A partir daí, a ferramenta abre um chat, no qual o desenvolvedor pode interagir com o código, pedir mais detalhes sobre alguma função, tirar dúvidas sobre documentação e passar instruções. E como última etapa ela ajuda a obter a regra de negócio que está por trás daquele código”, explica Luis Liguori, líder de arquitetura de soluções da AWS no Brasil. Ele observa que em um caso a ferramenta reduziu em 96% a produção da documentação técnica do código. Como muitas aplicações de mainframes são antigas, é comum casos em que não há documentação.
O executivo explica ainda que o processo de migração de mainframes muitas vezes não é abrupto, e acontece de forma prolongada. “Com a ajuda do AWS Transform, identificamos as aplicações que podem ser migradas mais facilmente primeiro, pois não têm dependências de outras. Assim, aos poucos o cliente vai ‘desidratando’ o mainframe, até que no fim a ‘caixa’ é completamente descartada e tudo passa a rodar em nuvem, nos casos de migrações completas”, detalha.
Além de ajudar na migração para a nuvem, a IA também está cada vez mais presente dentro do mainframe, como ferramenta para ajudar as aplicações a rodarem de forma mais rápida e eficiente. Sousa, da IBM, explica que a empresa vem incluindo placas de aceleração de IA integradas às máquinas das gerações mais recentes, a Z16 e a Z17.
“Quando falamos de transações financeiras, um componente importante é usar IA para detectar possíveis fraudes praticamente em tempo real. Atualmente, usando GPUs em sistemas de nuvem ou outras soluções externas, há um tempo de resposta deste tipo de análise de 50 ou 60 milissegundos. Parece pouco, mas em muitos casos a transação já foi feita nesse tempo, e aí precisa ser cancelada com um processo de rollback. Esse é um processo caro. Com a ajuda da IA, estamos conseguindo trazer essa análise de fraude para dentro do mainframe, com tempo de execução de 1 a 2 milissegundos, já evitando cancelamentos das transações”, explica.