Fachada da Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus (Agência Lusa/Direitos Reservados)

Fachada da Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus (Agência Lusa/Direitos Reservados)Agência Lusa/EPA/Nathalie Brasil/Direitos Reservados

A tarde dessa quarta-feira (11) em Manaus foi de chuva forte, o que não impediu que um grupo de mães e mulheres de presos na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, no centro de Manaus, se mantivesse em frente ao local à espera de notícias. O grupo, formado por sete mulheres, está há quase duas semanas em uma espécie de vigília.

“A gente não está conseguindo visitá-los. Eles [funcionários da cadeia] só falam que está tudo bem. Se estivesse tudo bem, não tinha entrado ambulância aí, não tinha preso ferido”, diz uma delas. Com medo de represálias, elas pedem para não ser identificadas. Relatam a entrada de homens do Batalhão de Choque e de um batalhão com cães. “A notícia que eles dão para todas é 'está bem'. E por que entra cachorro aí dentro?”, disse dona Augusta*.

As mulheres se instalaram do outro lado da rua, em frente à cadeia. Se revezam nas poucas cadeiras de plástico disponíveis na calçada para descansar. Vez ou outra, atravessam a rua e gritam por notícias, agarradas à grade do local. Lá dentro, na porta da cadeia, policiais militares apenas observam o movimento. Maria Tereza* é outra que espera notícias. Agitada, anda de um lado para outro, grita em direção à cadeia pedindo informações.

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Com telefones celulares nas mãos, são alimentadas de informações por grupos de WhatsApp de outros parentes de presos. Cada mensagem é recebida com indignação. Um dos grupos foi batizado de “As Guerreiras”. São informadas de que seus parentes, apesar de receberem roupas que as famílias entregam, estão apenas de cuecas lá dentro. Então, Maria Tereza vai até o portão da cadeia pública e grita: “onde estão as roupas que trouxemos para eles?”

A rotina, que está perto de chegar a duas semanas, deixa dona Augusta angustiada e cansada. Enquanto conversava com a reportagem, tinha crises de choro. Se recompunha e minutos depois, chorava novamente, principalmente quando falava do filho, preso por porte de drogas. “Meu filho é viciado, ele é. Mas eu sei que meu filho vai sair daí vivo, eu sei! E meu filho nunca mais vai fazer besteira”, diz, em uma nova crise de choro. “Eu já tô revoltada, cansada. Eu não aguento mais isso não”.

Ela conta que desde a rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), nos dias 1º e 2 de janeiro, não vai para casa. “Meu marido já ligou e disse que nem me quer mais, porque 'não tem mais mulher'. Eu sei que aqui fora a gente não faz nada, mas só de estar aqui sinto que estou salvando meu filho”.

Na espera por notícias, as mães e esposas se ajudam. São senhoras e jovens grávidas, esperando pelos pais dos seus filhos. Compartilham comida e carinho. “A gente não sabe mais o que é dormir. Quando uma vai para casa, as outras ficam aqui. Às vezes, a gente tem pena umas das outras e fala 'vai, mana, vai para casa tomar um banho'. Tem que estar aqui direto”, diz Maria Tereza, sob os olhares de aprovação de outra mãe, Nilza*, uma senhora de cabelos brancos e olhar cansado.

O filho de Nilza está preso há um ano e dois meses. Já existe um alvará de soltura, mas o recesso do Judiciário, segundo ela, atrasa a libertação do rapaz. “A gente chega de manhã e não tem hora para sair. Na última terça-feira [10], eu saí daqui quase à meia-noite. É muito difícil a gente, como mãe, passar por isso”.

Em frente à cadeia, outro grupo reza. Com bíblias, parentes e amigos de presos cantam louvores e estendem as mãos em direção à porta do local. Algumas choram, enquanto cantam pedindo proteção aos detentos, na torcida para que não haja mais mortes, a exemplo do que ocorreu no início da semana, quando quatro presos morreram .

“Liberdade!”

Minutos após a conversa com o grupo de mulheres, uma movimentação discreta chama a atenção delas. Um preso é libertado e muitas comemoram, com grito de “liberdade!”. Outra abraça o rapaz, que estampa um sorriso tímido e, ao mesmo tempo, aliviado. Acompanhado por um funcionário da cadeia, ele deixa o local rapidamente.

Em seguida, outro é liberado. Entra em um carro do governo do estado do Amazonas e, acompanhado pela mãe, também ganha liberdade. Logo, os ânimos cessam. As pessoas que rezavam em frente à cadeia vão embora, mas dona Augusta, Maria Tereza, Nilza e as outras continuam lá, vigilantes e angustiadas.

Suspensão de visitas

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou, em nota, que as visitas aos presos estão suspensas por período indeterminado. A justificativa é a segurança deles e dos familiares.


“[…] está temporariamente suspensa a entrega de alimentos e materiais em todas as unidades prisionais e a visita de familiares aos internos durante o fim da semana. A medida visa a garantir a segurança e a integridade física dos familiares, funcionários e internos do sistema prisional”, diz a secretaria.

O órgão também confirma que os alimentos entregues por parentes não estão sendo repassados aos presos, mas não explicou o motivo. “A Seap reforça que as refeições diárias dentro das unidades prisionais permanecem como programadas, e que os internos não estão recebendo apenas os alimentos trazidos pelos familiares. A Seap esclarece que assim que a situação no sistema for estabilizada, os procedimentos voltados para os familiares serão retomados”.

* Nome fictício, para preservar o anonimato das entrevistadas


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