VIOLÊNCIA Gestantes detidas: um terço das presas é algemada na internação para o parto (Crédito:Renata Caldeira/TJMG)

Durante uma visita do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ao presídio feminino do Distrito Federal, uma detenta se desesperou: “Me tirem daqui com essa criança”. O apelo escancara a situação vivida por mães e seus filhos em penitenciárias brasileiras. Alijadas de cuidados básicos de saúde e de condições mínimas para exercer a maternidade, algumas chegam a ser algemadas no parto. O impacto dessa situação recai sobre as mulheres e subordina crianças recém-nascidas a condições lamentáveis. Com a explosão da população carcerária feminina — foi registrado um aumento de 700% em 16 anos, chegando a 45 mil em 2016 — o número de presas que são mães também aumentou. A estimativa é que 74% delas tenham pelo menos um filho, sem idade especificada. Pensando nisso, e principalmente na situação precária de gestantes e mães de recém-nascidos detidas, o STF decidiu, em fevereiro, conceder habeas corpus coletivo a todas as mulheres presas provisoriamente que estejam grávidas ou tenham crianças de até 12 anos. Porém, a falta de um banco de dados adequado, a alta burocracia e a resistência de juízes têm dificultado o cumprimento da medida, que deveria ter sido aplicada integralmente até abril.

Luiz Silveira/Agência CNJ

Uma das razões que explicam a demora no cumprimento da decisão do STF, segundo o juiz criminal e de execuções criminais Luiz Augusto Barrichello Neto, está justamente na falta de um levantamento de quantas mulheres são mães. “Quando a mulher é presa, nem sempre temos a informação de que ela tem filhos, ou, se tem, se são menores de 12 anos”, afirma. “Logo após a decisão do STF, cada presídio precisou fazer um levantamento para colher essas informações e então encaminhar a relação para os juízes analisarem os casos novamente.” Depois disso, é preciso de uma nova análise para que o caso se adeque à decisão do STF — só vale para presas provisórias que não tenham cometidos crimes com violência ou ameaça à pessoa, como homicídio. Porém, no momento da análise, o entrave para a execução da medida se dá, principalmente, por questões morais dos próprios juízes.

Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Fábio Tofic Simantob afirma que dos casos acompanhados pela entidade, metade das mulheres ainda não foram soltas. “A decisão do STF é cartesiana, não há o que não entender, mesmo assim, seu cumprimento tem sido parcial”, diz. “Há um parecer em que o habeas corpus foi negado porque, quando a mulher foi presa, estava no bar, e concluiu-se que não estava preocupada com a criança. Falariam isso de um pai? Não. Mas da mãe, sim.”

Brasileirinhos

A posição do STF foi tomada levando em consideração a falta de estrutura para garantir o bem-estar da relação entre mães e crianças, chamadas pelo ministro Ricardo Lewandowski de “brasileirinhos”. “Temos mais de 2.000 pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere”, disse, durante a votação. Para ter mais precisão sobre esse cenário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes. Desde janeiro, tem vistoriado presídios brasileiros para levantar quem são e como vivem as mulheres nessas condições. A juíza auxiliar da presidência do CNJ, Andremara dos Santos, que realiza o trabalho, salienta a necessidade de criar uma padronização para os serviços de assistência. Nas vistorias, os quadros são os mais diversos. Em um presídio de São Paulo, havia 14 bebês sem registro de nascimento. No Distrito Federal, quatro bebês não tinham tomado as vacinas necessárias após o parto. Segundo Santos, a função do levantamento é, também, a de combater a violência contra a mulher. O estudo “Nascer nas Prisões”, da Fundação Oswaldo Cruz, mostra que essa violência é real e recorrente: mais de um terço das presas grávidas usa algemas na internação para o parto. Negar acesso à saúde também é um tipo de violência: 55% tiveram menos consultas de pré-natal do que o recomendado, 32% não foram testadas para sífilis e 4,6% das crianças nasceram com sífilis congênita.

Esterilizada à força

O mesmo poder público incapaz de garantir o direito à vida de crianças filhas de mães presas se mostra ainda mais perverso ao esterilizar mulheres compulsoriamente. Mesmo a prática sendo vetada pela Constituição, uma mulher de 36 anos foi submetida a uma laqueadura depois de dar à luz, em fevereiro, sem nem saber que iria passar pelo procedimento. Moradora de rua da cidade de Mococa (SP), ela está presa desde novembro passado, acusada de tráfico de drogas. O pedido de esterilização partiu do promotor Frederico Barruffini, para quem a cirurgia seria “eficaz para salvaguardar a sua vida”, e foi aceito pelo juiz Djalma Moreira Gomes Junior. O argumento do promotor não tem amparo legal, já que a laqueadura só pode ocorrer se a decisão partir da própria pessoa. No âmbito da saúde, caso a preocupação fosse a vida da mulher, ela deveria ser encaminhada a um tratamento de dependência química, não passar por uma mutilação.