Enfrentar a angústia do desemprego em uma fila de desocupados de madrugada diante do posto de serviços Comércio no Centro de Salvador, a poucas quadras do famoso Elevador Lacerda, o ícone turístico baiano, está virando rotina. Na região metropolitana de Salvador, o IBGE calcula em 18,4% a taxa regional de desocupação, a mais alta das seis áreas pesquisadas no primeiro trimestre do ano. Isolada, Salvador é a capital do desemprego, com taxa de 17,4% de desocupação. Estudos mostram ainda que a situação só piora desde fevereiro num mercado regional de trabalho que já teve dias de ouro ao registrar, em 2012, taxa de 5,7% (dezembro), colada na média nacional (4,6%), um paraíso que beirou o pleno emprego. Mas a moleza acabou.

Na última terça-feira, com o cartão postal da cidade iluminado pelas cores vermelho e verde logo ali adiante, o pintor Silvio Cesar Silva Carvalho, de 42 anos, e o irmão, o segurança ou cobrador de ônibus (se o empregador preferir), Luis Cláudio, de 40 anos, ambos desempregados, moradores da Lapinha, chegaram ao posto do Comércio para renovar a carteira de trabalho e pesquisar vagas – eram 22h. Dormindo na calçada sobre papelão, viram chegar, às 2h45, o terceiro da fila, o operador de tráfego de barcas Gilmar da Silva, de 46 anos, com os documentos para conseguir o seguro-desemprego.

Dispensado da empresa que faz as travessias do continente para a cantada Ilha de Itaparica, Silva teve a dispensa homologada na semana passada depois de 2 anos e 9 meses de serviço. “Mais ou menos uns 80 foram para a rua”, contou. Com 53 anos, sem emprego fixo desde os 50, Carlos da Conceição Marques era o seguinte na fila. Aguardava para tentar “fazer a pesquisa”. Depois dele estava Alessandro dos Santos, de 27 anos, ajudante de caminhão – que nem com três anos de dedicação à empresa de um parente escapou do corte. “A desculpa é sempre a crise”, atalhou Aline Mendonça Figueiredo, de 32 anos, engrossando a fila ainda no escuro, acompanhada do marido. Vendedora de equipamentos industriais em uma cadeia de três lojas, Aline chegou ao local por volta das 4h30 para pedir o seguro-desemprego.

Eram 5h, ainda noite na rua – e os primeiros ônibus começavam a descarregar passageiros na Avenida da França -, quando a luz da lateral do prédio do Instituto do Cacau, que abriga uma central de serviços tipo Poupatempo, foi apagada. Na calçada, crescia a fila dos sem-trabalho, de um lado, e dos que pretendiam fazer ou renovar o RG, do outro. Eles ainda aguardariam no breu da rua que as portas da repartição fossem abertas às 5h20. Lá dentro, no primeiro andar, enfileiraram-se de olho nos painéis de senhas torcendo para não serem vítimas dos temidos alertas dos funcionários, que frequentemente avisam aos presentes que “o sistema caiu”, falha que prolonga a espera por uma vaga.

Socorro. No bairro Periperi, aglomerado de favelas à beira-mar na periferia, outro centro de atendimento tem sala para os primeiros socorros para desempregados. O sol baiano do meio-dia queimava a moleira na praia e nas calçadas quando o gerente do posto explicou que a média de pesquisas de empregos chega a 70 pessoas por dia. É comum também eles atenderem ainda 45 a 50 pessoas, com senhas distribuídas às 6h na fila, em busca de autorização para receber o seguro-desemprego. “Tá todo mundo desempregado”, disse um homem de cerca de 50 anos, contando que foi demitido dias atrás e que aguardava no posto para pedir o dinheiro do seguro. “A firma mandou embora mais de 150.”

O desemprego que engasga o homem que não quer nem ser identificado assusta também o pedreiro Guaraci Vidal, de 38 anos. Na manhã da terça-feira, ele encaminhava a papelada para receber o seguro-desemprego no posto de atendimento do Sine no Shopping Liberdade, no bairro de igual nome, zona popular de Salvador. Tendo entrado na estatística dos desocupados havia dez dias, contou que mora com a mãe, aposentada, uma irmã e um sobrinho, Natan, de 29 anos, que também procura trabalho. “A gente só ouve falar que é a crise”, disse Vidal ao deixar a sala do segundo andar da galeria na Estrada da Liberdade, periferia de Salvador. O posto atende em média 45 pessoas por dia com hora marcada para consultas de emprego, emissão de carteiras e outros serviços públicos.

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De acordo com o coordenador estadual da Pnad Contínua do IBGE, Mateus Bastos, o destaque no caso da Bahia no primeiro trimestre é que “o número de ocupados teve uma queda de 381 mil pessoas em relação ao mesmo trimestre de 2015 (menos 5,7% do total de ocupados)”. Segundo o pesquisador, no mesmo período, o Estado de São Paulo perdeu 219 mil.

Bastos ressaltou que a queda se concentra na indústria (menos 215 mil) e na construção (menos 73 mil). Ele explicou que “a indústria da Bahia, em particular, é relativamente concentrada na região metropolitana de Salvador e que é possível que a diminuição de vagas tenha afetado pessoas que trabalham fora da capital, mas moram na cidade.

Habituado à tarefa de conferir informações de desemprego no setor privado, ele acrescentou que também no setor público há reflexos dos cortes. Bastos argumentou que nem o time do IBGE está imune e disse que vai perder quatro auxiliares que fazem as pesquisas de campo sobre desemprego. Os contratos do IBGE na Bahia não serão renovados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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