No início do ano 2000, Madonna já havia dominado o mundo como a mais influente artista da música pop. Mesmo assim, temia perder seu reinado para uma nova geração de artistas, em um mercado movido pela renovação permanente. “Eu tenho que me manter atual. Deus me ajude, mas acho que vou ter que dividir espaço nas estações de rádio com Britney Spears e Christina Aguilera”, disse a cantora a amigos. A preocupação em se manter no topo era tão forte que a levaria a adotar uma estratégia altamente competitiva, nos moldes das grandes corporações. Com seu álbum de estreia, cujas vendas globais somaram 27 milhões de cópias, Britney era a garota sensação do momento. Madonna não deixou por menos. Em 2003, na festa de premiação do MTV Video Music Awards, ela deu um monumental e explícito beijo de língua em Britney. A cena praticamente ofuscou a novata — e consolidou o reinado mais longevo, influente e bem remunerado da história da música pop. A “era Madonna” estava bem longe do fim. Britney? Nunca mais chegou perto do auge que conhecera até então.

A maneira como Madonna vampirizou sua maior ameaça para permanecer imortal na preferência do público é uma demonstração clara de como ela lida com a carreira. “Sou uma mulher de negócios. A indústria musical mudou bastante. Há muita competição, e o mercado está saturado de novos lançamentos, e novos ‘fulanos e beltranos’. É preciso unir forças com outras marcas e corporações. Se você não faz isso, está sendo um idiota”, disse, em 2005, ao fechar com a Motorola um acordo para que a música “Hung up” virasse toque de chamada de celulares. A faixa foi a mais tocada em 41 países.

Boas decisões empresariais, somadas à energia inesgotável para se reinventar e ao desejo transcendente de manter uma profunda conexão com o público são algumas das características que transformaram a ambiciosa Madonna Louise Veronica Ciccone, nascida no subúrbio de Detroit, a Madonna absoluta. É essa a história que a jornalista britânica Lucy O’Brien conta em “Madonna 60 anos”, lançamento da editora Agir. A obra de 538 páginas analisa em detalhe cada acontecimento da vida da cantora para demonstrar o que o produtor Steve Bray, antigo namorado de Madonna, resumiu ao afirmar que a característica mais impressionante dela é “dominar você por completo, e, de alguma forma, você gostar da experiência”.
“As pessoas dizem que sou controversa. Mas acho que a coisa mais controversa que fiz foi ficar aqui”, afirmou Madonna, ao citar as mortes de Michael Jackson, Prince, Amy Winehouse, Whitney Houston e David Bowie. “Aos que duvidam e aos que se opõem, e a todos que me apresentaram ao inferno: sua resistência me tornou mais forte, me impulsionou mais, me transformou na lutadora que sou hoje”. A frase, de 2016, revela o espírito combativo que parece ter guiado seu desejo de se manter não apenas viva, mas em evidência. Ela subverteu, à base de provocações, erotismo e autoconfiança, as regras da outrora machista indústria cultural.
Cabala
A artista que vendeu 300 milhões de discos, ganhou 37 Grammy e estrelou sucessos nas telas como o musical “Evita” (1994) é um caso único de talento para lidar com a fama e o dinheiro. Não surpreende que ela tenha acumulado US$ 1,5 bilhão. Segundo a autora Lucy O’Brein, até mesmo a fixação de Madonna com a cabala tem um aspecto monetário, já que o desenvolvimento espiritual e a compaixão não são prioridades da “material girl”. O centro de cabala que ela frequenta costuma celebrar o lucro. “Antes, Madonna costumava rir da coisa absurda que é ser uma celebridade. Depois, passou a querer estar cercada apenas por celebridades e por gente rica”, afirma, no livro, a bailarina e cantora Niki Haris, que trabalhou com Madonna por 14 anos. Quando se está no topo, não é nenhum pecado viver assim.

“Esse negócio de celebridade é uma grande mentira. E quem sabe mais do que eu?” Madonna