A jornalista Thaís Oyama, que tem ótimas fontes no governo e no Exército, publicou hoje em sua coluna que um comboio de tanques de guerra e carros blindados deve percorrer amanhã a Esplanada dos Ministérios, estacionando em frente ao Palácio da Alvorada. O comandante do comboio entregará então a Jair Bolsonaro um convite para assistir a um grande treinamento militar, marcado para a próxima semana.

Paradas desse tipo costumam acontecer em feriados militares. Nunca em dias comuns, e muito menos rasgando a artéria que leva às sedes dos Três Poderes.

Mesmo se o país vivesse o mais tranquilo dos tempos, seria um despropósito o simbolismo dos tanques de guerra parados diante do prédio que abriga o Executivo, na vizinhança do Congresso e do STF.

Como o Brasil não passa por tempos normais, tendo no Alvorada um presidente que dias atrás sugeriu que poderia jogar “fora das linhas da Constituição”, não existe como tornar tolerável essa iniciativa.

Qualquer tentativa de torná-la inocente ou inofensiva não será mais do que cinismo. Pois aqueles que orbitam Bolsonaro, sonhando desde o primeiro dia de seu governo com um golpe militar ou um novo AI-5, interpretarão a passagem do comboio de uma única maneira: se o momento se apresentar, teremos armas e blindados para bancar nossa intentona.

O passeio dos tanques de guerra por Brasília, sob o pretexto “singelo” de levar um convite a Jair Bolsonaro, serve apenas para manter acesa a chama do golpismo.

Diante disso, torna-se ainda mais ridícula e imperdoável a manifestação de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, neste fim de semana.

Nas suas redes sociais, Lira fez o elogio da separação dos poderes, comparando-a a um bailado: “É como dançar junto, quem sabe até separado, mas sem pisar no pé de ninguém. Assim é um baile bom, assim é a vida, assim deve ser a nossa convivência civilizada e sempre democrática, sempre harmônica, sempre independente.”

Lira sabe que suas palavras são vazias. Sabe que enquanto ele brinca de Madame Poças Leitão – pseudônimo da suíça Louise Reynold, pioneira do ensino das danças de salão no Brasil -, Bolsonaro procura maneiras de pisotear a harmonia entre os poderes e a democracia, juntamente com os pés e a garganta de quem estiver no caminho.

Ainda que a PEC do voto impresso seja derrotada de forma acachapante no plenário da Câmara, nesta semana, Bolsonaro continuará usando pretextos para pôr em dúvida a legitimidade das eleições de 2002, confrontar as instituições e insuflar a raiva de seus seguidores.

Lira sabe que cada instante que 150 pedidos de impeachment bem fundamentados passam trancados numa gaveta que só ele pode abrir, é um instante que Bolsonaro utiliza não para governar, mas para tentar instaurar um estado de exceção no Brasil – se não neste, então num segundo mandato, que ocupa todos os seus pensamentos desde o dia 1 de janeiro de 2019.

Lira sabe. Mas como é um cínico, acima de tudo, ele também está ciente que dificilmente chegaria à presidência da Câmara em qualquer outro governo que não o de Bolsonaro. Por isso ele deixa estar. Fará o que for possível para aproveitar até o último milésimo de segundo o poder, a influência e os recursos que seu cargo tem para oferecer. E que se dane o mundo.

Bolsonaro não vai parar, a menos que Lira deixe de fazer de conta que participa de uma valsa, em vez de uma briga de foices.

Mas Lira também não vai mudar, a menos que a sociedade e a parcela do Congresso que não suportam mais a estúpida polarização entre bolsonarismo e lulismo, tornem o seu descontentamento tão evidente para ele quanto um tanque de guerra estacionado na porta.