O presidente Emmanuel Macron oficializou a nova “Realpolitik” francesa sobre a Síria, decretando o fim de uma diplomacia que estabelecia como prioridade a saída do presidente Bashar al-Assad.

Em entrevista publicada nesta quinta-feira (22) em oito jornais europeus, o recém-empossado presidente definiu em duas frases seu “aggiornamento”: “não declarei que a destituição de Bashar al-Assad seja condição prévia para tudo, porque ninguém me apresentou seu sucessor legítimo!”.

Essa declaração oficializa e reforça um giro dado após os atentados de novembro 2015 em Paris. A mudança foi recebida como um balde de água fria pela oposição síria, que durante muito tempo contou com o apoio da França.

“Essas declarações são surpreendentes, levando-se em conta que a França faz parte dos quatro principais países que exigiam a saída de ‘Bashar, o químico'”, publicou no Twitter Khaled Khoja, uma figura da oposição síria.

“Vergonha para a França, cujo líder Emmanuel Macron não considera Bashar como seu inimigo, ou o inimigo da humanidade”, tuitou Ahmed Ramadan, que também é da oposição.

Em Paris, o “embaixador” da oposição se negou a comentar essas declarações antes de “compreender” seu significado exato.

Durante anos, a França foi um dos países mais rigorosos com Assad, considerado o principal responsável pelo massacre sírio.

“Assad e o Daesh [acrônimo do Estado Islâmico em árabe] são os dois lados da mesma moeda”: essa era uma frase recorrente da diplomacia do ex-presidente francês François Hollande, cuja posição podia ser resumida como “nem Assad, nem Estado Islâmico”.

Essa doutrina perdeu força após os atentados que abalaram a França em 2015 – e que foram planejados na Síria. A luta contra o terrorismo passou a ser a nova prioridade para Hollande.

Ainda assim, em paralelo, o então presidente insistia em que Assad não podia “representar o futuro” de um país devastado por seis anos de um conflito que deixou mais de 320.000 mortos e milhões de refugiados.

– Macron, ‘um pragmático’

Outra mudança: a resolução política do conflito já não aparece no centro da posição francesa.

Na entrevista, Macron afirma que “precisa de um mapa de rota diplomático e político”. Em nenhum momento a ONU é citada.

Apesar do fracasso das negociações intersírias em Genebra, a ONU e a resolução 2254 do Conselho de Segurança em 2015 eram até agora a referência para uma resolução do conflito.

“A mudança de linha é evidente”, opinou uma fonte diplomática que pediu para não ser identificada.

“Há anos que estamos exigindo a saída de Assad, sem resultados. No terreno diplomático, nada avança. Genebra não serve de muita coisa. Não podemos continuar assim”, acrescentou a mesma fonte consultada pela AFP.

Sobre a Síria, disse Macron, “minhas linhas são claras”.

“Um: a luta absoluta contra os grupos terroristas. São eles nossos inimigos. Precisamos da cooperação de todos para erradicá-los, em particular da Rússia”, frisou.

Depois de acusar Moscou – há apenas alguns meses – de cumplicidade em “crimes de guerra” durante a reconquista de Aleppo, no norte do país, a França agora se aproxima dos russos, aliados de Damasco.

No final de maio, Macron se reuniu com Putin e, ainda que o tom tenha sido duro, propôs a ele uma nova colaboração com base na luta antiterrorista.

O atual ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, viajou para Moscou na última terça-feira, para estabelecer as bases dessa nova relação em um “clima de confiança”.

O presidente também reiterou suas linhas vermelhas: “as armas químicas e o acesso humanitário”. Sobre ambos, disse que não haverá discussão. Se armas químicas forem usadas, a França não deixará passar em branco. Já no tema humanitário, Macron não antecipou as possíveis reações de Paris.

“Macron é um pragmático. Não tem escrúpulos e administra as prioridades. Não é indulgente nem com Putin, nem com Assad. Digamos que está a meio caminho entre o realismo e o cinismo”, comentou o diretor de pesquisa do Institut de Relations Internationales et Stratégiques (IRIS), Karim Bitar, um especialista nessa região.