PONTO FRACO Marine Le Pen perdeu eleitores, pelo apoio a Vladimir Putin (Crédito:Ludovic Marin)

Depois de enfrentar três crises durante seu mandato – “coletes amarelos”, pandemia e guerra na Ucrânia –, Emmanuel Macron está perto de se reeleger presidente da França em 10 de abril. Ou em 24 do mesmo mês, se tiver de enfrentar a rival Marine Le Pen em um segundo turno. Colocando-se no centro entre extremistas, o francês está na liderança das pesquisas, com pequena margem, mas praticamente dobraria seus votos sobre a candidata da direita radical se a eleição seguisse para o confronto direto.

A guerra na Ucrânia teve repercussões na reta final de campanha, de acordo com as pesquisas. A invasão programada por Vladimir Putin, apoiada ainda que discretamente pelos representantes da extrema direita, fez derreter as intenções de voto nos seus candidatos: Le Pen e Éric Zemmour, que se lançou após o sucesso de suas aparições em um canal conservador de TV. Ambos sempre elogiaram o russo. Le Pen, inclusive, foi financiada por ele. Isso abriu espaço para uma discreta ascensão de Jean-Luc Mélenchon, radical de esquerda. Os outros ficaram pelo caminho.

Desde a primeira eleição de Macron, em 2017, o campo conservador se fortaleceu. Mas a guerra mudou o cenário, pelas ligações hoje repudiadas de Le Pen e Zemmour com o presidente russo. Macron, ao contrário, adotou no conflito da Ucrânia a postura de líder da União Europeia (a França assumiu em janeiro a presidência do bloco, onde ficará até o fim de junho). Ele colocou-se como um dos principais mediadores pelo cessar-fogo e, com isso, chegou ao topo na preferência dos eleitores franceses.

“COLETES AMARELOS” Em 2018, Macron enfrentou sua primeira crise na presidência (Crédito:Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto)

Equilíbrio nas crises

François Weigel, professor de Literatura e Língua Francesas na UFRN, além de estudioso da política de seu país, observa que desde o primeiro mandato Macron se despiu do rótulo de socialista (havia sido ministro da Economia do governo de François Hollande), para se candidatar à presidência. “Ele foi eleito ao reunir votos de eleitores cansados dos tradicionais partidos franceses da direita e da esquerda. Era uma novidade. Colocou-se como representante do campo progressista e essa é sua estratégia até hoje”, observa.

Um primeiro momento crucial na gestão de Macron foi a aprovação da taxa ambiental sobre o preço da gasolina – estopim para o movimento dos “coletes amarelos”. Mesmo sob a justificativa ecológica, cada vez mais presente entre os europeus, protestos se estenderam a todo país e abrangeram outras medidas propostas, como a redução de idade da aposentadoria. A França pegou fogo e a ira de outubro de 2018 se prolongou até 2019. Então veio a Covid-19, com o lockdown mundial em 2020, o que acabou favorecendo as pretensões de reeleição do presidente francês. “Macron cresceu principalmente na pandemia, porque conseguiu equilibrar a proteção sanitária e o giro na economia, mantendo o poder de compra da população, mesmo à custa do endividamento do Estado”, observa Weigel.

Ainda assim, a extrema direita estava à frente nas pesquisas. Mas ocorreu uma divisão com a chegada de um novo partido radical de direita, comandado por Zemmour, que acabou “roubando” votos de Le Pen. “Ele tem um discurso abertamente agressivo, xenófobo, e a Marine, como dizemos, ‘botou água no vinho’. Simpáticos ao autoritarismo de Putin e ao menos ambíguos com relação à invasão da Ucrânia, os dois se enfraqueceram para as eleições”, diz o professor.

PANDEMIA Proteção sanitária e manutenção do poder de compra foram trunfos de Macron (Crédito: Thomas SAMSON / AFP)

Do lado da esquerda, houve uma grande fragmentação, enquanto discursos eram considerados fracos. Daí a chance relativa de Jean-Luc Mélenchon, da esquerda radical, passar ao segundo turno, na opinião de Weigel. “Além de conhecido (foi terceiro colocado na última eleição, atrás de Macron e Le Pen), ele tem um discurso mais voluntarioso, que pode servir de apelo mais popular.”

Para as eleições de abril, mesmo visto muitas vezes como arrogante, Macron conseguiu os 500 parrainages (espécie de ok que os prefeitos de todo o país são chamados a dar a um candidato, condição exigida desde 1958 – e que não foi alcançado, por exemplo, por Christiane Taubira, que havia vencido a primária popular das esquerdas). O presidente vem crescendo em seu papel de estadista aos olhos dos franceses ao dialogar com os vizinhos, como o alemão Olaf Scholz, e se dispondo a contornar a guerra, afirma Weigel. “O ponto forte do programa de Macron é colocar os interesses europeus em destaque, o que pode ser o diferencial para vencer no primeiro turno – ou ajudar no segundo. Ele é bem inteligente, estrategista, e joga com isso: ser a voz da União Europeia.”