FUTURO Mesmo sem tanto carisma, Macri oferece uma perspectiva de ordem e organização para o país (Crédito:HO)

Quando venceu as eleições de 2015, Mauricio Macri foi o primeiro presidente sem inclinações peronistas ou radicais a ocupar a Casa Rosada em quase 100 anos. Se ainda havia dúvidas de que os tempos estão mudando no país, o resultado das eleições legislativas na semana passada confirmaram que Macri vem ganhando mais força, e o kirchnerismo, como representação hegemônica do peronismo, pode estar com os dias contados.

Agora, um terço do Senado e metade da Câmara dos Deputados foi renovada, e a coligação Cambiemos, liderada pelo presidente, aumentou sua representação em 21 deputados e nove senadores. Macri e seus aliados tomaram redutos peronistas, como Buenos Aires, e áreas mais pobres do país, como La Rioja, Corrientes, Salta e Chaco. O resultado dá indícios de que a reeleição em 2019 é uma grande probabilidade.

E mostra que Macri poderá dar continuidade a reformas estruturais, cujo objetivo é colocar a combalida economia argentina de volta nos eixos, prometidas desde que ele foi eleito. “Isso não significa carta branca para o governo”, afirma a cientista política argentina Ximena Perez Benasco. “O Cambiemos não obteve maiorias absolutas em nenhuma das câmaras. Por isso, essas reformas estruturais que Macri quer implantar precisarão ser negociadas com outros partidos”.

A ex-presidente Cristina Kirchner foi eleita senadora e é a principal voz da oposição, mas ela e seus aliados perderam 10 cadeiras na Câmara. Mesmo assim, muitos eleitores argentinos ainda optam pelo peronismo em suas mais diferentes formas, como o próprio kirchnerismo e o massismo, de Sergio Massa, corrente peronista de centro-direita. Somadas, elas representam 48% do eleitorado do país.

Ideologias diferentes, como partidos de esquerda não-peronistas, ou são virtualmente inexistentes ou tiveram um péssimo desempenho nas eleições. O que tem feito com que Macri ganhe espaço – e o voto de confiança do eleitor – não é o carisma tradicionalmente ligado a líderes de esquerda latino-americanos.

Para Maria Esperanza Casullo, professora da Universidad Nacional de Río Negro, na Argentina, seu apelo é diferente. “Ele é o agente da ideia da normalidade e ordem”, diz a especialista. “Deu retorno a uma sociedade bem organizada, sem os desafios de ordem social representados pelo populismo, e pode representar o fim do kirchnerismo”. O governo de Macri também facilitou a compra de dólares e reduziu impostos sobre as exportações agrícolas, medidas importantes para o setor agrícola, um forte aliado.

A própria presença constante de Cristina Kirchner dá força a Macri. Ela lembra os argentinos de um período de economia estagnada que só agora começa a reagir. “O peronismo precisa tirar um tempo para se reorganizar internamente, procurar por um líder e tentar criar uma forte oposição para ter chances em 2019”, diz a cientista política Ximena Perez. “E precisa definir qual será o papel de Cristina nesse projeto.”

PASSADO Eleita senadora, Cristina Kirchner ainda é a principal voz de oposição ao governo do presidente (Crédito:CARLOS BRIGO)

“O peronismo precisa tirar um tempo para se
reorganizar internamente e procurar por um líder”
Ximena Perez, cientista política

A vez da direita
A guinada à direita é uma tendência mundial. Na Europa, governos conservadores estão crescendo há quase uma década, e setores de extrema-direita têm conquistado espaços em parlamentos. Na América Latina, Ximena aponta a rejeição de Nicolás Maduro, na Venezuela, e o voto negativo dos bolivianos para que Evo Morales continue no poder para um quarto mandato como evidências dessa mudança.

No caso da Argentina, o kirchnerismo se aproveitou do populismo para chegar ao poder, dando soluções rápidas, e precárias, para problemas sociais sem oferecer uma reforma estrutural capaz de atacar as desigualdades de maneira eficiente. A América Latina é uma região em que esse tipo de medida costuma funcionar durante um bom tempo, principalmente por conta dos altos preços das commodities. “Mas o populismo tem uma data de validade. Quando as promessas não podem ser cumpridas e o dinheiro para os ‘remendos’ acaba, as pessoas começam a procurar por respostas e soluções”, afirma Ximena.

Em um contexto de crise mundial, a esquerda não tem conseguido se organizar de maneira eficiente. O caso argentino é emblemático justamente por conta das diversas vertentes do peronismo existentes, que pouco dialogam entre si. Se a direita avança, é um sinal de que seus líderes têm escutado as demandas da sociedade e oferecido soluções plausíveis. O voto de confiança que a população deu a Macri é um argumento difícil de refutar.