SOBERANIA A função da mulher nas comunidades era de extrema importância: coragem (Crédito:Divulgação)

A ideia errônea de que a mulher é inferior ao homem e menos apta para atividades braçais está presente na sociedade há milênios e o machismo está longe de ser uma construção social contemporânea. Porém, ainda que a diferença física entre os gêneros seja justificada pela ciência, novas evidências históricas comprovam a participação da mulheres em atividades de plantio, caça e fabricação de lanças e outros objetos num passado longínquo.

Arqueólogos da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, publicaram, recentemente, um curioso estudo na revista Science Advances no qual contrariam a ideia de inferioridade feminina apoiados na descoberta inédita do túmulo de uma mulher caçadora no Peru. Graças a uma nova técnica que analisou proteínas presentes no esmalte dos dentes recuperados, os especialistas concluíram que o fóssil tem cerca de nove mil anos e foi enterrado junto com dezenas de instrumentos de caça, como pontas de lança e pedras afiadas. A mulher encontrada era jovem e tinha entre 17 e 19 anos quando foi sepultada.

“O pensamento dos cientistas é carregado de machismo, mesmo que eles não percebam. É uma herança cultural de outros tempos” Edison Oliveira, Geólogo da UFP (Crédito:Divulgação)

Para Randy Haas, antropólogo e chefe da expedição, os indícios históricos que conhecemos retratam a divisão do trabalho de forma extremamente sexista, onde o homem é responsável pela caça e a mulher por coletar comida e cuidar das crianças. “Acreditamos que essa descoberta é particularmente oportuna porque se relaciona com as conversas atuais sobre igualdade de gênero”, disse Haas, via comunicado. “A leitura das práticas de trabalho em sociedades antigas são baseadas em gênero, o que pode levar algumas pessoas a acreditar que desigualdades sexistas ou salariais em vigor na sociedade atual são coisas naturais”, destaca Haas.

Tomados pela curiosidade, a equipe aprofundou as buscas para saber se encontravam mais “tesouros” na região e chegou a consultar informações de sepultamentos realizados no final do período Pleistoceno e início do Holoceno – entre 2 e 11 milhões de anos atrás – tanto na América do Norte como na do Sul. Dos quase 429 esqueletos analisados, apenas 27 apresentavam relação com ferramentas de caça: 15 homens e 11 mulheres. O fato desmistifica a participação feminina na caça e pode mudar os rumos das pesquisas arqueológicas. “O pensamento dos próprios especialistas que trabalham com escavações é tendencioso. Sempre acham que os equipamentos de caça são de homens e nem cogitam as mulheres”, diz Edison Oliveira, professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Pernambuco. “Esse estudo pode mudar a maneira de tratar as descobertas científicas de um modo geral”.

Sistema patriarcal

O século XIX é tido como o ponto de partida para a “ciência moderna”, pois sistematizou diversas áreas do conhecimento, como sociologia, antropologia e história. Para Diego Amaro, historiador do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, o período é importante porque marcou a construção de estruturas sociais que combatemos hoje, como o próprio machismo. “A maioria das teses sobre descobertas são sexistas porque nossa ciência nasceu durante o patriarcado, com o homem sendo a referência, e isso influencia no pensamento”, diz.

O patriarcado é apontado como principal responsável pela ideia de superioridade masculina, pois estava em vigor durante o desenvolvimento científico no século XIX. As mentes pensantes da época eram homens e não cogitavam que uma mulher pudesse ter sido uma governante ou até liderado uma tribo porque faziam parte de sociedade em que o homem era o centro de tudo. “O nosso olhar sobre o passado é baseado naquilo que vivenciamos no presente”, destaca Diego Amaro. Agora, o objetivo da equipe de arqueólogos é continuar as escavações para entender como as divisões de trabalho por gênero mudaram tanto em diferentes épocas.

No tempo dos neandertais

Embora a ciência tenha feito descobertas significativas acerca de como viviam os povos pré-históricos, os mistérios parecem não ter fim. Uma pesquisa da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos revela uma enorme semelhança entre alguns hábitos da sociedade atual e os dos grupos neandertais que povoaram a Terra milênios atrás. Descobriu-se que eles forneciam, por exemplo, alimentos sólidos aos bebês apenas depois de 6 meses de vida, como fazemos hoje. As mães sabiam que as crianças não poderiam consumir nada além de leite materno. Arqueólogos afirmam que nossos parentes neandertais também se preocupavam com questões básicas para montar suas comunidades, como locais que tivessem água, comida e boas condições climáticas.