Machado de Assis é o melhor escritor brasileiro e um dos principais em todo o mundo. Para além da escrita, Machado (ao lado de Dostoiévski, Joyce, Sterne, Shakespeare) vem sendo considerado por analistas como grande perscrutador dos mais secretos e complexos (nem sempre louváveis) desejos e impulsos da alma humana. Machado de Assis nasceu em 1839, no Rio de Janeiro, em pleno Morro do Livramento. Pobre, preto, epiléptico e sofria de dores abdominais em decorrência de irritação crônica do intestino. Tartamudeava. Foi autodidata e acabou absorvendo descomunal cultura. Criou a ABL. Amou por trinta e cinco anos a sua esposa, Carolina Augusta Xavier de Novais. Caiu em profunda depressão quando morreu a sua cachorrinha Tenerife, chamada Graziella em homenagem à personagem heroína de Alphonse de Lamartine.

Era demais para a elite intelectual brasileira do século 19 e início do 20 que alguém não nascido de família branca e tradicional escrevesse com tamanha lucidez e estilo original em sua fase realista, dispondo as palavras no texto feito tessitura – e, assim, apontando com ironia a hipocrisia da pirâmide social brasileira daquela época (será que mudou?).

Machado foi criticado por todos os lados. Finalmente, porém, o Brasil parece se pacificar com seu gênio literário e, para tanto, têm contribuído diversas editoras. É o caso, agora, do relançamento (editora Cobogó), do conto Pai contra mãe, que conquista um livro somente para si, acrescido de fundamentados estudos críticos e analíticos. Esse conto coloca fim ao discurso daqueles que acusam Machado de nunca se posicionar claramente contra a escravatura. Pode-se dizer, de fato, que não foi a servidão imposta ao negro pelo branco o enredo de sua obra. Mas, nas vezes em que abordou o tema, como no conto citado, Machado puxou para o avesso a alma humana: um homem, desesperado por estar desempregado e com a esposa grávida, decide capturar uma preta escravizada foragida, que, igualmente, gestava. Ela sofre aborto, o homem a entrega ao antigo feitor pensando em recompensa. A respeito de Pai contra mãe, disse certa vez Carlos Drummond de Andrade: “vale por três manifestos abolicionistas”.

O conto foi escrito em 1906, após a abolição, e é de se elogiar o fato de Machado seguir criticando a escravatura em um Brasil já republicano. Há textos inesquecíveis devido às suas primeiras palavras: “nada a fazer”, diz Estragon na abertura de Esperando Godot; “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, assim começa Anna Kariênina. Em Pai contra mãe, Machado deixou para ser a última a frase consagrada. Assim que a preta aborta, o seu algoz diz: “nem toda criança vinga”.