Luto persistente afeta a saúde mental e eleva o risco de mortalidade

A morte de uma pessoa querida é uma das experiências mais dolorosas que alguém pode enfrentar. A tendência é de que a dor vá diminuindo com o tempo, mas nem sempre é assim: para uma parcela dos enlutados, o sofrimento intenso se instala e se mantém, podendo afetar a saúde física e mental.

Durante dez anos, pesquisadores da Dinamarca acompanharam 1.735 pessoas enlutadas e concluíram que familiares que apresentam níveis elevados e persistentes de sintomas de luto (como tristeza intensa, dificuldade de aceitar a perda e sensação de vazio) usam mais os serviços de saúde e têm risco de morte aumentado por até uma década após a perda do familiar. Os resultados foram publicados no último dia 30 de outubro na revista Frontiers in Public Health

Os pesquisadores avaliaram os participantes em três momentos: antes da perda, seis meses depois e três anos após o falecimento. Com base nas respostas, identificaram cinco “roteiros” de luto. O mais preocupante, chamado de trajetória de alto luto, reuniu 6% dos familiares, um grupo pequeno dentro do total, mas considerado clinicamente vulnerável, pois manteve níveis elevados de sofrimento por todo o período analisado. Já o grupo de baixo luto, usado como referência, apresentou sintomas leves e estáveis.

Os pesquisadores também analisaram quatro desfechos principais: contatos com a atenção primária, uso de serviços de saúde mental, prescrição de medicamentos psicotrópicos (como antidepressivos e ansiolíticos) e mortalidade. Os resultados apontam que quanto mais intenso e duradouro o luto, maior o impacto sobre a saúde dos familiares.

Embora esse seja um processo natural, pode se tornar patológico quando há sofrimento intenso e duradouro. “Situações mais graves de luto podem elevar o risco para o adoecimento mental, como depressão e transtornos ansiosos”, explica o psiquiatra Elton Kanomata, do Einstein Hospital Israelita. Quadros de luto patológico estão associados a alterações de estilo de vida, como sedentarismo, aumento do uso de álcool e tabaco, distúrbios do sono e menor adesão a tratamentos médicos. 

Mas nem todo caso exige tratamento. Segundo Kanomata, o transtorno de luto prolongado é caracterizado por sofrimento que persiste por mais de um ano após a perda, comprometendo a funcionalidade e a qualidade de vida. “Esse diagnóstico foi incluído na revisão mais recente do manual psiquiátrico americano, o DSM-5. Ele descreve um conjunto de sintomas emocionais e comportamentais clinicamente significativos, que diferem do luto esperado e exigem acompanhamento profissional”, diz o psiquiatra.

Luto persistente e uso maior do sistema de saúde

O estudo aponta que os familiares com luto persistente tiveram até 17% mais consultas anuais com clínicos gerais e usaram mais medicamentos antidepressivos, sedativos e ansiolíticos do que os enlutados com sintomas leves. Eles também buscaram mais atendimento psicológico e psiquiátrico ao longo dos anos.

Além disso, a mortalidade foi mais alta entre os familiares com luto persistente. No total, cerca de 11% dos participantes morreram entre três e dez anos após a perda, sendo que os familiares do grupo de alto luto concentrou o maior risco de morrer no período. “De fato, pessoas com transtornos mentais acabam utilizando mais o sistema de saúde. Isso ocorre porque elas têm maior risco para o adoecimento físico e menor expectativa de vida. É um ciclo que precisa ser quebrado com acompanhamento adequado”, analisa Kanomata.

Os pesquisadores sugerem que o impacto do luto persistente na saúde pode estar ligado a mecanismos biológicos, como o estresse crônico e a inflamação. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, responsável por regular a resposta ao estresse, desempenha papel importante nesse processo. “Esse eixo ajuda o corpo a reagir a situações estressoras. Mas quando o estresse se torna crônico, o organismo mantém níveis elevados de cortisol, gerando um estado pró-inflamatório que pode afetar diversos sistemas, inclusive o cardiovascular e o imunológico”, ressalta o psiquiatra.

A pesquisa também mostra que alguns familiares já apresentavam maior uso de serviços de saúde e medicamentos antes da morte vivenciada, indicando vulnerabilidade pré-existente e possibilidade de intervir antes de o problema se instalar. “A impossibilidade de realizar rituais funerários, algo que se tornou comum durante a pandemia de Covid-19, por exemplo, também pode aumentar o risco do luto patológico. E embora alguns estudos indiquem prevalência um pouco maior em mulheres, a diferença entre os sexos nem sempre é estatisticamente significativa”, observa o especialista. 

Daí a importância de identificar precocemente esses fatores de risco. Para os autores, profissionais de saúde que acompanham pacientes com doenças graves, por exemplo, poderiam avaliar o nível de sofrimento dos familiares e oferecer suporte psicológico antes mesmo da perda. Além disso, quando o luto se transforma em uma condição crônica, o tratamento deve ser contínuo e multidisciplinar. 

“O uso de antidepressivos e ansiolíticos pode ser indicado, mas a melhora não é imediata. É um processo que pode levar meses ou anos, dependendo da gravidade e complexidade de cada caso”, relata Kanomata. A psicoterapia também tem papel central nesse cuidado e, em alguns casos, pode ser considerada o tratamento de primeira escolha.

Fonte: Agência Einstein

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