BRASILEIROS DO ANO – CIÊNCIA

Nunca a ciência foi tão importante nem tão atacada como durante a pandemia de 2020. E, mesmo nadando contra a maré, a microbiologista Natalia Pasternak defendeu com todo afinco a ciência, colocada em xeque por fake news ou ações do governo federal. Mas ao fim do ano, a fundadora e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) — primeira instituição brasileira para promoção do pensamento crítico e políticas públicas baseadas em evidências científicas — teve seu trabalho reconhecido. Foi a primeira brasileira convidada a fazer parte do Comitê para Investigação Cética (Committee for Skeptical Inquire, ou CSI, na sigla em inglês), criado nos EUA pelo físico e astrônomo Carl Sagan, e recebeu o Prêmio Ativismo Cético 2019, no âmbito do Ockham Awards, promovido pela revista The Skeptic, do Reino Unido. “Agora, com o prêmio da ISTOÉ fico muito honrada porque tudo isso só mostra que o meu trabalho valeu a pena e fez a diferença para a sociedade”, comemora.

Para a cientista, nunca um ano foi tão desafiador como esse que chega ao fim, especialmente para quem optou por informar as pessoas. “Mostrar, para quem nunca acompanhou, que a ciência é um processo e não algo que já vem pronto deixou tudo mais complicado”, explica. Mas nada foi tão difícil quanto lidar com o negacionismo, especialmente aquele promovido por instituições nacionais, que deveriam se balizar pela ciência. Ela cita o exemplo do Ministério da Saúde falando para a população tomar cloroquina, mesmo sem a comprovação científica, e o do Ministério da Ciência e Tecnologia investindo em testes clínicos para medicamentos que não fazem sentido para Covid-19. “As pessoas acreditam nestas instituições, que ofereceram informação recheada de negação da ciência. Isso é extremamente deletério para a sociedade”, declara. E o resultado, segundo ela, fica claro na quantidade de pessoas que acredita que é só uma “gripezinha” e que cientistas e jornalistas estão exagerando.

Mas acima de tudo o que mais preocupa a cientista brasileira é a politização das vacinas, que pode colocar medo nas pessoas para se imunizar. De acordo com Natalia, o Brasil tem um dos melhores programas de saúde e imunização do mundo, com agentes capacitados e com salas de vacinação espalhadas pelo País inteiro, o que confere uma grande capacidade para fazer campanhas eficientes de vacinação. “Se tem uma lição que ficou dessa pandemia é o quanto o SUS é importante e foi essencial para que a situação não fosse muito pior”, diz Natalia, que agora já faz planos para 2021. Além de continuar trabalhando pela conscientização sobre a vacina, ela também quer buscar mais investimentos privados para a ciência. “Há interesse de algumas empresas e até de pessoas físicas em doar e incentivar a ciência, mas ainda não temos caminhos institucionais nem jurídicos para facilitar essa interação. E precisamos disso”, afirma. Com a ajuda da filantropia, o IQC deve começar a financiar um pequeno projeto de bolsas de mestrado. “Não somos agência de fomento e nem pretendemos ser, mas gostaríamos de incentivar jovens cientistas com dinheiro doado”, afirma.

Natalia Pasternak
Referência nacional

Ao longo de 2020, Natalia Pasternak se tornou uma referência nacional para a opinião pública quando o assunto é ciência. Formada em ciências biológicas pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), com
PhD e pós-doutorado em Microbiologia, na área de Genética Molecular de Bactérias pelo Instituto de Ciências Biomédicas  da Universidade de São Paulo (ICB-USP), ela conseguiu decifrar as informações científicas e falar de forma clara e direta para leigos. Sua capacidade de tornar coisas difíceis mais palatáveis acabou levando Natália a ser escolhida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para participar de uma ação global que vai revelar o dia a dia dos cientistas através da popular rede social TikTok. Incansável na luta pela ciência, ela edita uma revista do Instituto Questão de Ciência (www.iqc.org.br), a primeira entidade brasileira para promoção de pensamento crítico e políticas públicas baseadas em evidências científicas, que ela ajudou a criar.

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