O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou, nesta quinta-feira (28), 14 pontos-chave de uma polêmica lei que flexibiliza as regras sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, uma potência agrícola e principal consumidor desses produtos no mundo.

“Ouvidas as pastas ministeriais competentes, o presidente decidiu vetar alguns dispositivos, movido pelo propósito de garantir a adequada integração entre as necessidades produtivas, a tutela da saúde e o equilíbrio ambiental”, declarou o Planalto em uma nota.

Lula decidiu vetar 14 trechos de uma dezena de artigos da lei que facilita a aprovação de novos agrotóxicos no país, na qual buscava conceder maiores poderes de decisão ao Ministério da Agricultura.

Com apenas um voto contra, o texto foi aprovado no Senado em 28 de novembro, após mais de duas décadas de divergências.

O agronegócio, um dos principais motores da economia brasileira, tem como pilar o uso intensivo de agrotóxicos.

Em 2021, o Brasil consumiu 719.507 toneladas de pesticidas, 20% do total comercializado no mundo, segundo a organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Com o veto nesta quinta-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), principal agência ambiental, continuarão desempenhando um papel decisivo na análise dos agrotóxicos antes de sua liberação – poder que, sob a legislação, estava reservado apenas ao Ministério da Agricultura.

Uma regra que permitia ao Ministério da Agricultura conceder autorizações para agrotóxicos antes da conclusão da análise de risco do produto também foi invalidada.

Além disso, foi excluída uma parte que isentava as empresas de incluir informações nas embalagens, o que poderia levar ao reaproveitamento de agrotóxicos e incentivar a “desinformação” sobre os produtos.

Na agenda da Câmara dos Deputados desde 1999, o projeto foi atualizado em 2022 pelos legisladores da bancada ruralista, a mais poderosa no Congresso, com o apoio do então presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (2019-2022), defensor fervoroso do agronegócio.

Rotulado como “lei do veneno” por seus opositores, o texto foi alvo de intensas negociações entre os senadores e a gestão de Lula.

O governo manteve o termo “agrotóxico”, que os deputados haviam substituído pelos mais neutros “pesticida” e “produto fitossanitário”.

Entretanto, não conseguiu impedir uma mudança significativa: alguns agrotóxicos, especialmente os comprovadamente cancerígenos ou capazes de causar mutações, ou que causem danos ambientais, não serão automaticamente proibidos.

A partir de agora, a proibição abrangerá os produtos que apresentarem um “risco inaceitável” para o ser humano ou o ambiente, um critério considerado muito vago pelos detratores do texto.

“O que vai valer agora é uma análise de riscos, sem explicitar quem fará isso e de que forma”, disse à AFP a ex-presidente do Ibama Suely Araújo.

Com a nova lei, os agrotóxicos destinados exclusivamente para exportação poderão ser fabricados no país mesmo sem autorização.

Previamente, após a aprovação no congresso, o representante da Confederação de Agricultura e Pecuária, Maciel Silva, afirmou que a lei “resolve o problema da grande burocracia e do tempo longo” na aprovação de pesticidas e permite o acesso mais rápido a produtos “mais modernos, com maior eficiência”.

Essa lei “traz pontos que facilitam o registro de produtos mais tóxicos”, argumenta Karen Friedrich, toxicologista e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

O tema também tem consequências internacionais.

O uso abundante de agrotóxicos pelos produtores brasileiros dá argumentos aos que, na Europa, se opõem a um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul, o bloco sul-americano liderado pelo Brasil.

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