Prefeito de Araraquara, no interior de São Paulo, e ex-ministro das Comunicações de Dilma Rousseff, o sociólogo Edinho Silva é um dos coordenadores da comunicação da campanha petista à presidência da República, junto com o deputado federal Rui Falcão,  e é um dos dirigentes mais próximo do ex-presidente na atualidade. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Edinho diz que após a eventual vitória de Lula neste domingo, 3, o ex-presidente deverá anunciar uma série de medidas que recolocam o Brasil no caminho do desenvolvimento, com a geração de empregos para milhões de brasileiros que estão desassistidos pela política econômica nefasta tocada por Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes. Garante que o futuro governo vai acabar, de imediato, com o Orçamento Secreto, para dar transparência à liberação dos recursos públicos para Estados e Municípios; vai dar reajuste real para o salário-mínimo  para recuperar a renda dos mais pobres; e deve adotar uma política transparente de metas anuais de redução do déficit público, até chegar à estabilidade total das contas. “Muitos falam que vamos acabar com o teto de gastos, mas a verdade é que não existe mais teto de gastos”, afirma Edinho. Para ele, antes de Lula dizer o qual será a âncora fiscal para o lugar do teto de gastos, é preciso que o novo governo “pactue” com a sociedade uma política de desenvolvimento econômico que seja sustentável. “Quanto ao novo ministro da Economia, isso não importa agora. Quando chegar a hora, Lula nomeia um nome comprometido com o desenvolvimento sustentado e pronto”. O coordenador da comunicação de Lula também diz que, além da economia, o que mais aflige o ex-presidente é o que poderia vir por aí caso Bolsonaro se reeleja, o que parece cada vez mais distante da realidade. “Bolsonaro quer deixar o Judiciário de joelhos”, diz o prefeito, sugerindo que parte do MPF e alguns ministros do próprio STF estão ajoelhados  para o capitão. Afirma que certamente o mandatário tentará arroubos autoritários caso sinta como inevitável uma derrota nas urnas neste domingo. Mesmo com uma diferença de 7% à frente em todas as pesquisas eleitorais divulgadas nos últimos dias, o PT ainda está contido na decisão de marcar a “festa da vitória” para a noite deste domingo na Avenida Paulista. “Festa na Paulista só depois das 20h de domingo e depois que o ministro Alexandre de Moraes, do TSE, anunciar o resultado final, com a vitória de Lula”, explicou Edinho. Eis a íntegra:

O ex-presidente Lula alcançou um total de 48,43% dos votos e por pouco não foi eleito no primeiro turno, mas Bolsonaro reagiu na véspera da eleição, chegando a 43,20%. Há riscos de o PT não eleger o novo presidente neste domingo?

Olha primeiro numa eleição polarizada como essa que estamos enfrentando, risco sempre existe. É uma eleição que já vem polarizada no primeiro turno e continua agora no segundo, com uma margem de indecisos e de votos de candidatos com votações menores, uma margem muito pequena. Acredito que estamos disputando  o voto mais volátil e os votos dos outros candidatos, o que acredito ser 10% dos votos que são sendo disputado pelas duas candidaturas. É uma eleição muito disputada e difícil, mas temos a convicção da força da nossa candidatura. O presidente Lula é a maior liderança política da história do Brasil, ele tem uma empatia com o brasileiro que é algo impressionante, isso é uma rocha, impenetrável, diante dos ataques que temos sofrido. Faz muita diferença.

 

O que achou da pesquisa do Ipec desta segunda-feira, 24, em que Lula estaria com 54% dos votos válidos e Bolsonaro com apenas 46%. Um quadro de vitória neste domingo, 3, ficou mais claro após o episódio das agressões de Jefferson à PF?

As pesquisas têm mostrado a mesma tendência. Pesquisa não é número, é tendência, é curva. Não creio que no momento que falamos as pesquisas já tenham registrado o total impacto do fato envolvendo o bolsonarista Roberto Jefferson e sua estúpida reação. Penso que no decorrer dessa semana saberemos como a população vinculará o episódio à cultura da violência e da instabilidade institucional, que é propagada pelo bolsonarismo.

 

Acredita que o episódio da prisão de Jefferson e as ofensas à ministra Cármen Lúcia fazem parte de uma reação do dirigente do PTB como estratégia bolsonarista de desafiar as decisões do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, entre as quais a de anunciar neste domingo a vitória de Lula, dando início a um processo de questionar o resultado das eleições, como o capitão sempre defendeu?

É lamentável que um homem diga tudo aquilo que disse para uma mulher. Nenhuma mulher merece ouvir aquilo, mas ali, além de desrespeitar as mulheres brasileiras, ele desrespeitou todo Judiciário, agrediu um Poder da República. Uma das características do bolsonarismo é atacar às instituições, gerar instabilidade, e propagar o medo. Roberto Jefferson, como legítimo representante do bolsonarismo raiz, seguiu a cartilha, tentou gerar o medo na instabilidade e acuar os poderes que zelam pelo processo eleitoral. Creio  que o TSE e o STF tem agido com coerência nesses episódios, quando a força prevalecer diante da lei estaremos na barbárie.

Qual é a diferença de uma campanha e outra?

Temos duas campanhas com propostas de dois países distintos. Um é o Brasil que o povo brasileiro já conhece, que foi governado pelo presidente Lula e que tinha um projeto de desenvolvimento econômico, com repercussão internacional, tinha uma proposta de relações exteriores, priorizava que o País tivesse abertura para o comércio mundial, porque isso era importante para nossas exportações, para abertura de novos mercados, um País, portanto, que tinha um norte econômico e o mais importante disso, esse norte tinha uma proposta clara de inclusão social. O seja, o Brasil cresceu distribuindo riquezas e criando condições de equidade. A nossa juventude tinha possibilidade de sonhar com um futuro melhor, as famílias tinham mais estabilidade, mais perspectivas, as indústrias e investidores mais presivibilidade para investimentos, então esse é o País que o povo brasileiro conheceu e, em contraponto a isso, vivemos uma outra realidade que afronta a nossa democracia, gera uma instabilidade sistêmica, que desorganizou a economia, excluiu os mais vulneráveis, trouxe a fome como cenário do nosso cotidiano.

 

Com Bolsonaro podemos ter um retrocesso democrático?

O presidente Lula, o tempo todo, valorizou as nossas instituições e a democracia, tanto que se submeteu a uma prisão injusta, mas se submeteu, e não tem prova de maior respeito às instituições do que isso. Hoje, temos um presidente que afronta a democracia, que gera instabilidade institucional e que não é respeitado internacionalmente. Um País que vai enfrentar graves problemas com sua exportações devido ao desrespeito ambiental que estamos vivendo, nossa imagem no mundo está destruída.

 

Qual é o principal problema aí?

Temos um governo que desorganizou totalmente as políticas públicas. Em contraponto ao Orçamento Secreto nós, por exemplo, quando eu fui prefeito pela primeira vez, ainda durante a gestão do presidente Lula, tinhamos programas para Estados e Municípios, mas em cima de critérios, em que cada recurso que era liberado você tinha metas para cumprir, havia contrapartidas dos Estados e Municípios. Ou seja, a liberação de recursos era feita em cima de programas em que se respeitava os índices de desenvolvimento de cada região. Hoje, não se tem mais isso, é um critério nitidamente político. Por exemplo, às vezes você tem uma cidade menor, com uma demanda menor de prestação de serviços, que requer menos dinheiro, orçamento, comparativamente a uma cidade com demanda muito maior, mas isso é ignorado no orçamento secreto. Então, o que estamos vivendo é a total desorganização das políticas publicas. Por isso, acreditamos na vitória do presidente Lula, porque essa é uma das comparações nítidas que podem ser feitas agora. O presidente Lula sempre foi republicano, era um construtor das relações federativas. O Bolsonaro nem sabe o que é isso, não sabe o dano estrutural que o orçamento secreto provoca.

É bem verdade que Lula fez uma diferença de 7 milhões de votos a mais no primeiro turno, o que representa quase todo o eleitorado do Rio. O PT vê algum fator que possa vir a ser determinante para permitir uma virada por parte de Bolsonaro?

Eu sempre digo o seguinte: o que determina a eleição é a conjuntura. Eu já vi, por exemplo, muitos prefeitos extremamente bem avaliados perderem a eleição porque se posicionaram mal politicamente, por exemplo em 2020, com a pandemia. Então, o que vai definir o processo eleitoral do próximo período é a conjuntura política que se vive no País. Eu confio muito no crescimento da nossa vantagem, porque nós devemos crescer no Nordeste, não tenho nenhuma dúvida disso. Devemos diminuir a diferença no Sul e também devemos diminuir no Sudeste. Essa é a expectativa e, mesmo nas regiões Norte e Centro-Oeste, penso que temos lideranças fortes que certamente farão diferença nesse processo. Então, eu não acredito na redução da margem de vantagem, pelo contrário, acredito na ampliação dessa margem de votos. A realidade brasileira vai dar o tom na reta final.

 

Ao contrário do que a campanha de Bolsonaro propaga, os números das pesquisas eleitorais de sua campanha mostram que ele tem ficado em torno dos 43% obtidos no dia 2 de outubro. Números indicando Lula com 50% e Bolsonaro com 43%, segundo o Ipec do dia 17, são valores que vocês imaginam mais próximos da realidade?

Nosso monitoramente diário que é o Tracking, também dá uma margem bem parecida com essa. O que nós entendemos é que será preciso entrar com uma margem maior nessa reta final da campanha, porque o uso da máquina pública é uma coisa escandalosa no Brasil hoje. Penso que o instituto da reeleição está sendo colocado em xeque. Eu não sei o que o Poder Judiciário, MP, o legislador, vão fazer quando terminar as eleições, mas o que eu posso assegurar é que vamos ter problemas sérios com a reeleição. Em 2024, com tudo isso que está sendo feito com a máquina pública, da liberação de recursos num movimento típico de compras de votos, liberação de recursos na reta final de campanha, antecipação e liberação de pagamentos, é uma coisa absurda. Penso que em 2024 qualquer vendaval que acontecer em alguma cidade o prefeito vai decretar estado de calamidade pública e poderá usar a máquina também, porque com o exemplo que está sendo dado na campanha de 2022 quero ver como o Judiciário vai frear a utilização de máquina em eleições municipais, que é ainda mais pulverizada Brasil afora, diminui o controle e a unicidade na interpretação da jurisprudência gerada em 22.

 

Como a máquina pública está sendo usada por Bolsonaro?

É grave o que está acontecendo no País. Acho que o bolsonarismo coloca em xeque várias das nossas instituições e várias das nossas cláusulas pétreas, afronta as nossas cláusulas pétreas da nossa Constituição. A reeleição está destruindo algo que o Brasil aprendeu a fazer, que era garantir a sucessão com a utilização de condições de equidades. Virou uma bandalheira. Temos que estar preparados na reta final das eleições para o impacto que vai ter com tudo isso que está acontecendo se o Judiciário não tomar uma medida mais dura e eficaz, será um escândalo histórico, acho que já está desenhado em boa parte.

 

Já dá para contar com a vitória e reservar a Avenida Paulista para a festa do domingo a noite ou isso só será feito depois que o TSE divulgar os números finais, por volta das 20h?

Não, nós não vamos celebrar nenhuma vitória antes do tempo, antes que ela ocorra e o TSE reconheça a vitória do presidente Lula, em hipótese alguma faremos isso. A nossa postura é de respeito ao processo mesmo sendo o adversário quem é e da forma que ele tem se portado nesse processo. Da nossa parte a posição será de respeito ao processo democrático.

Como os senhores vêm as denúncias do bolsonarismo de que os institutos de pesquisa manipulariam os resultados a favor de Lula e que alguns parlamentares governistas preparam projetos para acabar com as pesquisas dez dias antes das eleições, inclusive punindo com cadeia os diretores dos institutos?

Falo isso do ponto de vista até da minha profissão, sou sociólogo com mestrado em engenharia. Sou professor e minha vida inteira trabalhei com interpretação de dados. Pesquisa não é número, pesquisa é tendência. Então, o número pouco importa. Você tem que ler é a curva e a pesquisa é a fotografia do momento. Você fotografa o momento, para poder entender o cenário. Então, não é uma ciência exata, porque você está interpretando a opinião das pessoas. Tem uma parte do eleitorado que define voto no dia da eleição. Muitas vezes é um eleitor suscetível à pressão externa, suscetível à intervenção de liderança. E quando digo liderança não é Lula ou Bolsonaro, mas é sim um parente que tem uma opinião mais forte, às vezes é um amigo do local de trabalho. No caso dos jovens, é um amigo da escola, da faculdade, então se tem uma parcela do eleitorado que é muito volátil. A volatilidade é uma característica da juventude, um jovem que está saindo da adolescência e entrando na juventude, com 16 anos, esse voto geralmente é volátil, é um eleitor que fica fazendo onda na opinião captada pela pesquisa e a última onda dele só se vai ficar sabendo quando ele for para urna. Então resumindo: o que você tem que saber é interpretar a tendência, sabendo que uma parte desse eleitorado é volátil e pode mudar o seu voto no dia da eleição. Então, você criminalizar o instituto de pesquisa, acho de uma burrice absurda. O que não se pode ter é manipulação da amostragem, agora o acerto, ou erro dela é muito relativo, porque você tem uma série de interferências que podem fazer essa fotografia feita há dois, três dias das eleições, mudar no dia.Penso que nós estamos politizando o que é metodológico e é estatística, sabendo que toda ciência que trabalha com o ser humano, seja a psicologia, a sociologia, antropologia, a psiquiatria, ou seja, todas as ciências que lidam com as reações humanas são muito relativas. Repito, pesquisa é tendência e a fotografia do momento.

 

Ao contrário, no entanto, o presidente cometeu uma série de equívocos, mas o mais grave foi a entrevista gravada para o blog Paparazzo Rubro-Negro em que ele diz que “pintou um clima” com meninas de 14 anos num bairro do DF, levando-o a afirmar que elas, falsamente, estavam se arrumando para “ganhar a vida”. Afinal, foi um mero equívoco ou tem algo de criminoso aí?

Acho que essa entrevista do Bolsonaro tem dois aspectos que precisam ser interpretados, primeiro o presidente da República, que é uma figura que tem que dar exemplo, ele é a liderança que simboliza o Estado brasileiro, por mais que o Estado não seja ele, aos olhos da população ele simboliza isso. Então quando ele fala do Judiciário é importante, o que ele fala do Legislativo também é importante, porque ele é uma liderança. Assim, como é que pode um líder dizer que pintou o clima com uma menina de 14 anos, ou seja, ele está sinalizando para a sociedade – e a mesma coisa acontece quando ele estimula a compra de armas, e há uma parte da sociedade que segue o que ele fala e o que ele prega – estamos normalizando o uso de armas e, no caso das meninas venezuelanas, ele está estimulando homens a se sentirem no direito de abordar meninas menores de idade. Não pode! Nós brasileiros sabemos o que quer dizer pintou o clima: é a atração sexual. Quando o maior líder da Nação faz esse tipo de manifestação é de uma gravidade enorme. Não estou aqui fazendo uma crítica gratuita, mas estamos vendo muitas vezes  um Judiciário muito acuado, também uma parcela do MP. Então, deveríamos ter o Ministério Público agindo de uma forma muito dura, o judiciário com coragem histórica…Se nada for feito para coibir isso que o presidente da República falou, vamos ter um aumento da violência sexual contra adolescentes. ISTO É registre a minha frase: Se nada for feito teremos um aumento da violência sexual contra adolescentes porque o presidente sinalizou e disse que pode criar clima com adolescente, o Bolsonaro está autorizando. Tem outra coisa grave na fala dele, que não é de hoje que ele faz, que  é o preconceito contra as comunidades. Estar visitando uma comunidade pobre no Distrito Federal, ele acha que porque as  meninas são pobres elas são prostitutas, essa simbologia é muito forte. Uma menina pobre então é prostituta? Morador de comunidade do Rio de Janeiro é igual a bandido? Então, isso  é de um preconceito atroz. É de um preconceito inaceitável para uma sociedade que pretende ser civilizada. Essas duas vertentes são explicitamente graves nas entrevistas do presidente.

Lula disse na entrevista para o Flow nesta terça, 18, que Bolsonaro se comporta como pedófilo. Foi um erro ele não ter usado isso no debate na Band? O PT acha que Bolsonaro estimula a pedofilia?

A frase dele é a frase típica de um pedófilo. Ninguém está acusando ele de ser, espero que ele não tenha esse sentimento dentro dele. Se ele como presidente da República notou que essas meninas estavam em vulnerabilidade ele deveria entrar em contato com o governador do Distrito Federal e pedir para o governo ir até o local e gerar todas as condições que cabem dentro da legislação brasileira para que uma adolescente em situação de vulnerabilidade possa ser atendida. Ao não fazer isso, ele está cometendo o crime de prevaricação. É triste ver o quanto que o Brasil está perdendo as suas referências, que nós havíamos construído  com tanta luta, que é o de o Direito da criança e do adolescente, o papel do Estado proteger a infância, proteger o adolescente. Estamos regredindo de uma forma absurda nos valores.

 

O senhor entende que esse episódio mostrou, de forma cabal, que Bolsonaro não tem estatura para continuar sendo presidente?

Que ele não tinha estatura para ser presidente eu tinha certeza desde 2018, pela postura que ele tinha quando deputado. Acho que ele não tem estatura, desculpe, para ser prefeito do Rio de Janeiro, por mais respeito que eu tenho pelo Rio, quanto mais ser presidente. Ele não tem preparo para isso. Ele mostra todos os dias que não tem preparo, mostrou quando estimulou as armas, da forma que enfrentou a pandemia, quando deixou o povo brasileiro a deriva, sem ar até para respirar em Manaus, foi passivo, negligente, desumano, diante do caos. Não tem o mínimo de preparo para lidar com a nossa questão ambiental, somos o maior símbolo do planeta, na economia não sabe o básico…

 

Aliado a isso, a ex-ministra Damares também cometeu mais uma depravação eleitoral ao falar, num púlpito de igreja em Goiânia, sem provas, que crianças de 3 a 4 anos eram exploradas sexualmente na Ilha de Marajó. Ela deveria ter o mandato cassado quando assumir ou ela e Bolsonaro deveriam ser processados por prevaricação?

O bolsonarismo produziu alguns ícones, a Damares é um deles. O que seria ícone do bolsonarismo: um despreparo para o cargo, o destilo do ódio, da intolerância, a agressividade, ela significa a politização de temas que não podem ser politizados. Ela era a defensora ideológica de políticas públicas que não podiam ser norteada de forma ideológica. São políticas que não são de governo, são de Estado. A proteção da criança e do adolescente é uma política de Estado, não é de governo. A Damares como ícone do bolsonarismo desmantela o que o Brasil construiu desde a década de 80. Os parâmetros das políticas para a criança e o adolescente vem da nossa reforma constitucional feita na década de 80, quando construímos uma legislação que estava em sintonia com a reforma constitucional, que foi o Estatuto da Criança e do Adolescente. Então, como é que uma pessoa como a ex-ministra, que acaba de ser eleita senadora, banaliza e politíza isso? Então a Damares como ícone do bolsonarismo expressa a face mais cruel e anticivilizatória que o bolsonarismo traz.

Acha que ela e Bolsonaro deveriam ser punidos?

Penso que o Ministério Público, como zelador dos direitos difusos, dos parâmetros da democracia e dos parâmetros de uma sociedade que se dispõe a ser civilizada, tem que agir para o fim que foi criado, que é o de ser o defensor dos mais setores mais fragilizados da sociedade. E ali nessa ação dela há uma afronta ao Direito Difuso, ao ECA, gritante. E o Judiciário tem que ser a vanguarda no zelo da democracia, dos parâmetros de uma sociedade civilizada desenhada pela nossa Constituição. Acho que o Ministério Público, pelo menos parte dele, está cooptado pelo bolsonarismo e o Judiciário, também em parte,  está acuado. Não conseguimos ver uma ação consistente no enfrentamento aos desmandos do bolsonarismo. A Damares é a expressão nua e crua do que representa o bolsonarismo hoje.

 

Como o senhor vê as fake news nas eleições? Bolsonaro abusa das notícias falsas, mas o PT também está abusando, sobretudo por meio do deputado André Janones. Tem que haver um freio para evitar essa baixaria na eleição de 2026, por exemplo?

As redes sociais são algo novo do ponto de vista histórico, algo muito recente e nós ainda não aprendemos a lidar e normatizar as redes sociais. O limite entre a liberdade de produção de conteúdo, e a agressão , a violência, os ataques ao indivíduo, tem uma diferença imensa.  Isso fica mais explícito ainda quando se ataca o sistema democrático. Quando o ataque é institucional, como o caso da Justiça Eleitoral. Tem  que ser encontrado um ponto de equilíbrio, o que é produzir conteúdo pelas redes e o que agressão. Uma coisa é produção de conteúdo, todo mundo pode produzir e esse é um direito, mas esse direito tem que ser limitado quando você agride pessoas , ofende a honra de alguém, agride um Poder, um sistema. No caso do sistema eleitoral, tem que ser algo muito bem regulamentado porque as redes e os instrumentos de tecnologia se desenvolveram a partir da Internet. Não pode ser utilizada para desestabilizar a opinião pública. Hoje as fake news são usadas para desestabilizar a opinião pública diante de um processo eleitoral. Isso tem que ser proibido. Temos que melhorar a nossa legislação urgentemente.

 

O senhor acha necessário o controle da mídia no futuro governo do PT, como propõe Lula?

Eu não sou a favor do controle da mídia. Penso que avançarmos com uma sociedade que tem acesso à Educação, que tem acesso à informação, uma sociedade que consegue, ou vai, interpretar o que é verdade e o que é mentira nas novas mídias. Então, não precisamos de controle. Precisamos sim é de uma legislação que proteja o indivíduo, que não pode sair atacando impunemente e que, no caso da disputa eleitoral, seja uma legislação que preserve o direito da pessoa formar opinião por meio de um debate vinculado à verdade e que a opinião pública não seja atingida por uma inundação de mentiras e notícias falsas.

 

A economia está desestruturada?

Bolsonaro mostra não ter preparo com a forma que ele lida com a política econômica, pois Paulo Guedes está desmantelando tudo aquilo que levamos décadas para construir. Desculpe-me os economistas de plantão, a política econômica não é quando se tem subsidio, não é indicador de conjuntura, indicador de conjuntura oscila, ele está oscilando na Europa, nos EUA, na Ásia. A política econômica é você ter um projeto que você sinalize que a economia seja sustentável. O que é uma política econômica sustentável: é ter uma política que enfrente a inflação, porque ela corróe o salário do trabalhador, você tem que ter uma política de desenvolvimento econômico que estimule o crescimento econômico para os setores que são estruturantes, setores que puxam os demais. Tem que se ter uma política de exportação que seja sustentável, que tenha capacidade de produzir commodities e transformá-las em riquezas, em agregar valor. Hoje, o Brasil não tem nenhuma política econômica que seja sustentável. Nós saímos da estabilidade gerada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, para um projeto de desenvolvimento organizado pelo governo do presidente Lula, para algo que está sendo desmantelado agora por Bolsonaro. Por mais que ele atribua boa parte da inflação à guerra, a verdade é que a guerra impactou no preço do petróleo, e outras commodities, mas boa parte da inflação tem origem doméstica. Então tem um fator aí que pode ser equalizado. Ele diz que o problema é a pandemia, mas onde é que a pandemia não impactou a economia? No mundo todo, mas nosso sofrimento se deve à falta de um norte. Ao contrário, nós deveríamos estar numa curva de crescimento, porque toda vez que você reprime a economia por algum motivo, ela entra num ciclo de crescimento no período posterior . Estamos desmantelando a pouca sustentabilidade da política econômica que levamos décadas para construir.

 

Lula vai acabar com o Orçamento Secreto?

Vou te dizer que a emenda impositiva sempre existiu no Congresso e isso não é problema. O problema do chamado Orçamento Secreto hoje, vou repetir, é que ele desorganiza as políticas públicas. O deputado vai lá na região e indica programas e projetos, e isso não tem problema nenhum, desde que os programas tenham critérios e metas a ser alcançadas e os recursos sejam monitorados e liberados de acordo com os indicadores sociais e econômicos da região. Tendo critério, com o deputado dizendo que vai aplicar X em dinheiro do Orçamento na região, onde tem criança em condições de vulnerabilidade, e que serão liberados recursos para enfrentar a exclusão  social, qual é o problema? Nenhum. O problema está no fato de o deputado liberar recursos pelo critério político, não respeitando a realidade social e econômica dos municípios brasileiros.

 

Lula vai acabar com o Orçamento Secreto?

Não tem como não acabar. Tem que acabar. Ele está falando uma coisa que é importante e que inclusive enriquece o trabalho do parlamento. Deve se fazer uma consulta nos estados e municípios sobre qual é a prioridade. Vamos elaborar o orçamento ouvindo a sociedade. Nesse caso, o deputado mobiliza sua base aliada, disputa os rumos do orçamento, e isso é legítimo, fortalece a democracia.

 

O governo Bolsonaro passou os quatro anos praticando uma política nefasta de na área de costumes, que fez o Brasil retroceder no campo dos Direitos Humanos. O senhor acredita que essa guerra ideológica pode acabar a partir de 2023 com a eleição de Lula ou esse clima antagônico entre o petismo e o bolsonarismo deve continuar na medida em que a direita elegeu mais parlamentares do que a esquerda?

Se nós ganharmos as eleições deste domingo, dia 30, e é o que esperamos que aconteça, o presidente Lula também tem esse sentimento, é que a gente inicie um processo em que possamos acabar com essa guerra entre amigos, familiares, que possamos trazer racionalidade para disputas de ideias e obtermos, assim, uma sociedade democrática, que conviva com pensamentos diferentes, conviva com sua diversidade cultural e religiosa. O Brasil se formou e se construiu como nação da diversidade, somos uma junção de raças e culturas. Então, não termos uma cultura que conviva com a diversidade é um absurdo. Não faz parte da nossa origem, inclusive dentro da perspectiva antropológica. Temos que reunificar o Brasil e essa tem que ser a posição do nosso governo e esse é o sentimento do presidente Lula.

Depois de um governo que afetou a imagem do Brasil no exterior, destruiu a Amazônia, deixou a Saúde e Educação em ruínas, além de tantos outros desatinos administrativos, o senhor acha que a sociedade brasileira suportaria ter mais quatro anos de Bolsonaro? O país iria à falência ética, moral e social?

O que penso sobre a reeleição de Bolsonaro  coloca em xeque nossa credibilidade institucional, e, consequentemente, questiona tudo o que construímos dentro dos parâmetros democráticos. Ela vai aprofundar a desorganização das políticas públicas, o que significa dizer que haverá aumento da pobreza, da miséria, da falta de perspectivas para os jovens, vai desestruturar as nossas políticas educacionais e nossa política de Saúde. Vivemos em um País em que por volta de 40% dos usuários que utilizam o SUS não têm acesso a medicamentos. Estamos vivendo em um País que corta verba de universidades públicas, que não reajusta o valor da merenda escolar: não damos garantia de alimentos para as nossas crianças! Um País que estimula os atos de pedofilia e estimula a violência contra mulher, não tem futuro. Então, é claro que a reeleição de Bolsonaro legitimaria a construção de um Brasil em que os brasileiros viverão em uma situação muito difícil. Penso que será um retrocesso no nosso processo civilizatório, vamos paralisar a nossa construção como nação. É claro que com a reeleição a democracia será testada, as instituições estarão em xeque o tempo todo e a chance da nossa democracia ser derrotada é imensa.

 

A previsão de economistas e do FMI é que o Brasil não cresça nem 1% no ano que vem, independentemente de quem governará, se Lula ou Bolsonaro. O PT vai acabar com o teto de gastos a partir do ano que vem?

Não existe mais teto de gastos no Brasil. O teto de gastos já acabou. Repito: a gente fica em um debate de indicador econômico muito rasteiro. Exemplo: no primeiro ano do governo Lula, vamos fazer  a previsão de trabalhar com o déficit racional para recuperar os parâmetros de desenvolvimento econômico. Por isso, por exemplo, vamos trabalhar no primeiro ano com um déficit X; no segundo com um déficit X menos 2; e no terceiro vamos equilibrar o déficit público, enquanto que no quarto equilibraremos todas as contas públicas. É absurdo fazer isso? Claro que não. Tem que fazer as claras, pactuando com a sociedade, com os agentes. Repito: economia sustentável se inicia com estabilidade e previsibilidade.

Se a gente trabalhar com transparência, não tem problema algum conviver com déficit no processo de recuperação da economia, de um projeto claro que todos se enxerguem nele. O déficit só não pode ser estrutural, permanente. É como se você pegasse o paciente e constatasse que ele tem febre, dor de cabeça ou se ele está com uma crise de coluna. Você tem que entender porque ele desenvolveu a crise de coluna e porque desenvolveu a febre e a dor de cabeça. Ou seja, o debate que tem que ser feito hoje no Brasil é sobre qual parâmetro para que a nossa economia seja sustentável, e não sobre os efeitos da falta de projeto.

Qual a âncora que o PT estuda adotar para evitar o descontrole fiscal, que traz mais inflação, juros altos, desemprego maior, etc.?

Acho que isso é simples de pactuar com a sociedade e com o mercado. Zero de problema. Temos que debater é se é preciso trabalhar com déficit decrescente, que começa com X e vai decrescendo até o 4º ano do mandato do presidente Lula, quando então equilibraremos as contas e desenvolveremos um projeto econômico sustentável. O debate hoje tem que ser se o nosso modelo econômico de desenvolvimento é sustentável ou não! Estamos desorganizando tudo o que foi construído no Brasil desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso com a estabilidade da moeda, e isso precisa ser reconstruído.

 

Então volto à pergunta que Bolsonaro fez a Lula no debate da Band: quem será o ministro da Economia de eventual governo petista?

O ministro da Economia será escolhido pelo presidente Lula antes de tomar posse. Isso é o de menos. Quem vai liderar o ministério tem que adotar um modelo de desenvolvimento pactuado com a sociedade. Se tivermos o caminho para a ação desse plano de desenvolvimento econômico, pactuado sob a liderança do presidente Lula, o ministro da Economia é o menor dos problemas. A gente tem que pactuar com a sociedade e reorganizar o nosso modelo de desenvolvimento, que está totalmente desestruturado, como já disse.

 

O senhor acha que o que está em jogo agora não é só a economia, mas, sim, o futuro da democracia no Brasil? O senhor acredita, por exemplo, que se Bolsonaro ganhar um novo mandato, ele pode dar um golpe institucional, como vem ameaçando?

É imprevisível. Ele sinaliza as maiores loucuras o tempo todo. Como vamos saber o que Bolsonaro vai fazer, sobretudo se for legitimado pelas urnas novamente, numa disputa contra a maior liderança política da história brasileira, que é o Lula? Você consegue dizer o que esse cara será capaz de fazer caso venha a se empoderar? Eu não! Acho que ninguém com racionalidade no Brasil consegue. Ele está dando pistas de que vai desenvolver uma sociedade autoritária, que passa por uma instabilidade institucional, inclusive pela manipulação do Supremo. O que ele está dizendo é que se o Supremo não se ajoelhar para ele, ele muda as regras de formação do Supremo e essas são as características de um governo autoritário, que flerta com o autoritarismo e flerta com o fascismo. Ou o STF se ajoelha para o presidente – e a Suprema Corte é a guardiã da Constituição – ou o presidente muda as regras de composição do Supremo, essa será a imposição de uma ditadura. Ou seja, vai jogar a democracia no lixo.

Acredita que uma vitória de Lula pode provocar uma reação bolsonarista de tentar impedir a posse, como Trump tentou fazer nos EUA com a invasão do Capitólio?

Eu acredito muito que as Forças Armadas têm mais juízo do que Bolsonaro. Acho que as Forças Armadas têm mais sentimento pela democracia do que o presidente. Não acredito em rebelião dos militares, inclusive porque eles conviveram com Lula durante mais de uma década. Nenhum governo investiu mais na estruturação das Forças Armadas do que o presidente Lula. Nunca um governo respeitou tanto os militares como Lula.

 

O senhor acredita que o bolsonarismo deve continuar forte mesmo que Bolsonaro venha a ser derrotado neste domingo, sobretudo pelo fato de o Centrão e a direita terem feito bancadas quase que majoritárias no Congresso?

Eu quero saber o que o Centrão fará um dia depois da vitória de Lula. Aí se você me garantir o que o Centrão fará, eu respondo essa pergunta. O que eu digo agora é que  um dia depois da eleição de Lula seremos procurados pelos partidos que compõem o chamado Centrão. Eles vão procurar o governo para garantir a governabilidade, isso eu não tenho dúvida. Estamos vivendo um período de acirramento crítico ao processo eleitoral, mas que não significa que as lideranças partidárias deste País manterão esse tom de agressividade. É impossível que mantenham. Basta conhecer o sistema político brasileiro. Um dia depois da eleição, a governabilidade será construída, liderada pelo Lula.

 

Lula poderá ficar tentado a construir um novo mensalão ou um novo petrolão para garantir a governabilidade?

Você constrói a governabilidade com as lideranças políticas do País. Lula é o político mais hábil que eu conheci na minha vida. Se tem alguém que construirá a maioria, respeitando a democracia, esse alguém é o presidente Lula. O terceiro governo Lula será de transição, sem reeleição, será da aventura pré fascismo, para a estabilidade democrática. Não será o governo de um partido, será de uma coalizão democrática. Será de muita composição, de muito diálogo.

 

O senhor acha que Lula e o PT deveriam fazer um meã-culpa sobre as acusações de corrupção a eles atribuídos pela Lava Jato?

O presidente Lula foi, talvez, a figura pública da história brasileira mais injustiçada. E a Justiça foi feita quando ele venceu 26 processos e o Supremo reconheceu a sua vitória. A ONU também reconheceu sua vitória, dizendo que os processos contra ele geravam uma imensa injustiça. Então, eu penso que Lula não pode responder por aquilo que o próprio Judiciário já reconheceu que foi resultado de um processo eivado de vícios, manipulado e que tinha o claro objetivo de tirar o presidente Lula da vida pública e das eleições de 2018. O Judiciário reconheceu esses equívocos. Quando a Suprema Corte reconhece esses equívocos e quando a ONU reconhece esses erros, Lula não tem que explicar mais nada para ninguém.

Lula disse que cumpriu 580 dias de prisão injustamente e que vai cobrar o Estado por isso. O senhor acha que ele vai fazer um governo com rancor ou procurará fazer uma gestão de pacificação nacional?

Lula vai tentar a pacificação nacional. Lula não é um homem rancoroso, ao contrário. Quem o conhece de perto, vê que ele é um homem que tem o coração maior do que ele próprio. Lula é bondoso. É um homem que eu nunca vi destilar mágoa contra  ninguém. Ao contrário, ele tem uma capacidade de perdão absurda e ele vai pacificar o Brasil, vai reunificar o País e vai virar essa página triste da história que estamos vivendo hoje.

 

O senhor tem dito que o novo governo será de transição. Lula vai governar mais com o centro, que mostrou sua força, do que com os petistas, considerados mais à esquerda no espectro da política?

Será um governo de construção da unidade. O PT é o partido do presidente Lula e tem sua importância, mas será um governo de transição, muito maior que o PT. Lula vai pegar o País destruído, na situação que estamos vivendo hoje, e vai entregar um País melhor, dentro das regras do regime democrático. Para que a nossa democracia nunca mais seja afrontada e ele vai governar para todos.

 

Qual será o papel de Alckmin no governo? Vai dar um tom moderado como deu José de Alencar nos dois governos anteriores de Lula? Pode virar ministro?

Alckmin terá um papel central no governo do presidente Lula. O presidente tem elogiado muito ele. Reconhece o papel da sua liderança e sabe da sua importância. Não tenho dúvida de que ele será um vice extremamente importante na construção do nosso governo.