Prefeito de Araraquara (SP) e ex-ministro das Comunicações de Dilma, o sociólogo Edinho Silva é um dos coordenadores da comunicação da campanha petista à presidência da República, junto com o deputado Rui Falcão, e é um dos dirigentes mais próximos do ex-presidente.

Em entrevista à ISTOÉ, Edinho diz que após a eventual vitória de Lula neste domingo, 30, o ex-presidente deverá anunciar uma série de medidas que recolocam o Brasil no caminho do desenvolvimento. Garante que o futuro governo vai acabar com o Orçamento Secreto para dar transparência à liberação dos recursos públicos para Estados e Municípios; vai dar reajuste real para o salário-mínimo para recuperar a renda dos mais pobres; e deve adotar uma política transparente de metas anuais de redução do déficit público, até chegar à estabilidade total das contas. “Muitos falam que vamos acabar com o teto de gastos, mas a verdade é que não existe mais teto de gastos”, afirma.

Para ele, antes de Lula dizer o qual será a âncora fiscal para o lugar do teto de gastos, é preciso que o novo governo “pactue” com a sociedade uma política de desenvolvimento sustentável. Edinho diz também que, além da economia, o que mais aflige o ex-presidente é o que poderia vir por aí caso Bolsonaro se reeleja, o que parece cada vez mais distante da realidade. “Bolsonaro quer deixar o Judiciário de joelhos”, diz o prefeito.

Há riscos de Lula não se eleger presidente neste domingo?
Em uma eleição polarizada como essa que estamos enfrentando, risco sempre existe. É uma eleição que já vem polarizada no primeiro turno e continua agora no segundo, com uma margem de indecisos e de votos de candidatos com votações menores, uma margem muito pequena.

Estamos disputando o voto mais volátil e os votos dos outros candidatos, o que acredito ser 10% dos votos que são sendo disputado pelas duas candidaturas. É uma eleição muito disputada e difícil, mas temos a convicção da força da nossa candidatura. O presidente Lula é a maior liderança política da história do Brasil, ele tem uma empatia com o brasileiro que é algo impressionante, isso é uma rocha, impenetrável, diante dos ataques que temos sofrido.

Qual é a diferença de uma campanha e outra?
Temos duas campanhas com propostas de dois países distintos. Um é o Brasil que o povo brasileiro já conhece, que foi governado pelo presidente Lula e que tinha um projeto de desenvolvimento econômico, com repercussão internacional, tinha uma proposta de relações exteriores, priorizava que o País tivesse abertura para o comércio mundial, porque isso era importante para nossas exportações, para abertura de novos mercados.

Um País, portanto, que tinha um norte econômico e o mais importante disso, esse norte tinha uma proposta clara de inclusão social. O seja, o Brasil cresceu distribuindo riquezas e criando condições de equidade. A nossa juventude tinha possibilidade de sonhar com um futuro melhor, as famílias tinham mais estabilidade, mais perspectivas, as indústrias e investidores mais presivibilidade para investimentos.

Esse é o País que o povo brasileiro conheceu. Em contraponto a isso, vivemos hoje uma outra realidade, que afronta a nossa democracia, gera a instabilidade sistêmica, que desorganizou a economia, excluiu os mais vulneráveis, trouxe a fome como cenário do nosso cotidiano.

Com Bolsonaro podemos ter um retrocesso democrático?
O presidente Lula, o tempo todo, valorizou as nossas instituições e a democracia, tanto que se submeteu a uma prisão injusta, mas se submeteu, e não tem prova de maior respeito às instituições do que isso. Hoje, temos um presidente que afronta a democracia, que gera instabilidade institucional e que não é respeitado internacionalmente.

Um País que vai enfrentar graves problemas para suas exportações devido ao desrespeito ambiental que estamos vivendo. Nossa imagem no mundo está destruída.

Se Bolsonaro ganhar um novo mandato, ele pode dar um golpe institucional, como vem ameaçando?
É imprevisível. Bolsonaro sinaliza poder fazer as maiores loucuras o tempo todo. Como vamos saber o que Bolsonaro vai fazer, sobretudo se for legitimado pelas urnas novamente, numa disputa contra a maior liderança política da história brasileira, que é o Lula?

Ele está dando pistas de que vai desenvolver uma sociedade autoritária, que passa por uma instabilidade institucional, inclusive pela manipulação do Supremo. O que ele está dizendo é que se o Supremo não se ajoelhar para ele, ele muda as regras de formação do Supremo e essas são as características de um governo autoritário, que flerta com o autoritarismo e flerta com o fascismo.

Ou o STF se ajoelha para o presidente – e a Suprema Corte é a guardiã da Constituição – ou o presidente muda as regras de composição do Supremo, essa será a imposição de uma ditadura. Ou seja, vai jogar a democracia no lixo.

Como a máquina pública está sendo usada por Bolsonaro?
É grave o que está acontecendo no País. Acho que o bolsonarismo coloca em xeque as nossas instituições e várias das nossas cláusulas pétreas, afrontando a Constituição. A reeleição está destruindo algo que o Brasil aprendeu a fazer, que era garantir a sucessão com a utilização de condições de equidade. Virou uma bandalheira.

O presidente cometeu algum crime quando disse em uma entrevista que “pintou um clima” com meninas de 14 anos?
Nós brasileiros sabemos o que quer dizer pintou um clima: é a atração sexual. Quando o maior líder da Nação faz esse tipo de manifestação é de uma gravidade enorme. Não estou aqui fazendo uma crítica gratuita, mas estamos vendo muitas vezes um Judiciário muito acuado e também uma parcela do MP.

Então, deveríamos ter o MP agindo de uma forma muito dura e o Judiciário com coragem histórica. Se nada for feito para coibir isso que o presidente falou, vamos ter um aumento da violência sexual contra adolescentes.

O senhor acha que a sociedade brasileira suportaria ter mais quatro anos de Bolsonaro?
A reeleição de Bolsonaro pode colocar em xeque nossa credibilidade institucional, e, consequentemente, questionar tudo o que construímos dentro dos parâmetros democráticos.

Aprofundaria a desorganização das políticas públicas, o que significa dizer que haveria aumento da pobreza, da miséria, da falta de perspectivas para os jovens e desestruturaria nossa política de Saúde. Vivemos em um País em que por volta de 40% dos usuários que utilizam o SUS não têm acesso a medicamentos.

Estamos vivendo em um País que corta verba de universidades públicas, que não reajusta o valor da merenda escolar: não damos garantia de alimentos para as nossas crianças! Um País que estimula os atos de pedofilia e estimula a violência contra mulher, não tem futuro.

Então, é claro que a reeleição de Bolsonaro legitimaria a construção de um Brasil em que os brasileiros viverão em uma situação muito difícil. Penso que será um retrocesso no nosso processo civilizatório, vamos paralisar a nossa construção como nação. É claro que com a reeleição a democracia será testada, as instituições estarão em xeque o tempo todo e a chance da nossa democracia ser derrotada é imensa.

Lula vai acabar com o orçamento secreto?
Não tem como não acabar. Tem que acabar. Lula está falando uma coisa que é importante e que inclusive enriquece o trabalho do parlamento. Deve se fazer uma consulta nos estados e municípios sobre qual é a prioridade. Vamos elaborar o orçamento ouvindo a sociedade. Nesse caso, o deputado mobiliza sua base aliada, disputa os rumos do orçamento, e isso é legítimo, fortalece a democracia.

A previsão do FMI é que o Brasil não cresça nem 1% em 2023, independentemente de quem governará. O PT vai acabar com o teto de gastos a partir do ano que vem?
Não existe mais teto de gastos no Brasil. A gente fica em um debate de indicador econômico muito rasteiro. Exemplo: no primeiro ano do governo Lula, vamos fazer a previsão de trabalhar com o déficit racional para recuperar os parâmetros de desenvolvimento econômico.

Por isso, por exemplo, vamos trabalhar no primeiro ano com um déficit X; no segundo com um déficit X menos 2; e no terceiro vamos equilibrar o déficit público, enquanto que no quarto equilibraremos todas as contas públicas. É absurdo fazer isso? Claro que não. Tem que fazer às claras, pactuando com a sociedade, com os agentes econômicos. O déficit só não pode ser estrutural, permanente.

Como o atual governo desestruturou a economia?
Bolsonaro mostra não ter preparo com a forma que ele lida com a política econômica, pois Paulo Guedes está desmantelando tudo aquilo que levamos décadas para construir. Desculpem-me os economistas de plantão, mas política econômica não é quando se tem subsidio, não é indicador de conjuntura, indicador de conjuntura oscila, ele está oscilando na Europa, nos EUA, na Ásia.

A política econômica é ter um projeto em que você sinalize que a economia seja sustentável. É ter uma política que enfrente a inflação, porque ela corrói o salário do trabalhador, ter uma política de desenvolvimento que estimule o crescimento para os setores que são estruturantes e puxam os demais.

Tem que se ter uma política de exportação que seja sustentável, que tenha capacidade de produzir commodities e transformá-las em riquezas, em agregar valor. Hoje, o Brasil não tem nenhuma política econômica que seja sustentável.

Quais os reflexos disso?
Saímos da estabilidade gerada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, para um projeto de desenvolvimento organizado pelo governo do presidente Lula, para algo que está sendo desmantelado agora por Bolsonaro.

Por mais que ele atribua boa parte da inflação à guerra, a verdade é que a guerra impactou no preço do petróleo, e outras commodities, mas boa parte da inflação tem origem doméstica. Ele diz que o problema é a pandemia, mas onde é que a pandemia não impactou a economia? No mundo todo, mas nosso sofrimento se deve à falta de um norte.

Qual a âncora que o PT estuda adotar para evitar o descontrole fiscal?
Acho que isso é simples de pactuar com a sociedade e com o mercado. Zero de problema. Temos que debater é se é preciso trabalhar com déficit decrescente, que começa com X e vai decrescendo até o 4º ano do mandato do presidente Lula, quando então equilibraremos as contas e desenvolveremos um projeto econômico sustentável.

O debate hoje tem que ser se o nosso modelo econômico de desenvolvimento é sustentável ou não! Estamos desorganizando tudo o que foi construído no Brasil desde o governo de Fernando Henrique com a estabilidade da moeda, e isso precisa ser reconstruído.

O senhor tem dito que o novo governo será de transição. Lula vai governar mais com o centro do que com os petistas, considerados à esquerda no espectro da política?
Será um governo de construção da unidade. O PT é o partido do presidente Lula e tem sua importância, mas será um governo de transição, muito maior que o PT. Lula vai pegar o País destruído, na situação que estamos vivendo hoje, e vai entregar um País melhor, dentro das regras do regime democrático. Para que a nossa democracia nunca mais seja afrontada, ele vai governar para todos.

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