Lula repete Dilma ao liberar emendas bilionárias antes de derrota no Congresso

Governo teve decreto que aumentava IOF derrubado pelo Legislativo por 383 votos a 98

Divulgação/Ricardo Stuckert
Dilma Rousseff tomou posse na presidência do Novo Banco de Desenvolvimento Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert

Na semana em que o Congresso impôs ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma das derrotas mais duras desde o início de seu mandato, o governo federal liberou R$ 1,15 bilhão em emendas parlamentares. O empenho foi registrado entre segunda-feira, 23, e quarta-feira, 25, conforme dados do Siop (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento).

Na quarta, Câmara e Senado derrubaram o decreto que aumentava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), iniciativa do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação pública e garantir o cumprimento da meta fiscal. Foi o primeiro decreto presidencial derrubado pelo Legislativo desde 1992, quando Fernando Collor chefiava o Executivo.

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Lula cobrado

A liberação ocorreu num contexto em que o Palácio do Planalto é cobrado pela destinação de verba, considerada baixa por parlamentares — até essa semana, R$ 776 milhões haviam sido liberados desde o início de 2025 –, e acusado de atuar em conjunto com o ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que foi ministro de Lula e faz uma espécie de “blitz” na corte para garantir transparência na distribuição dos recursos.

Os dois fatos são mencionados entre as razões que moveram os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), à jogada conjunta que derrubou o decreto do IOF. Mas as queixas incluem ainda a articulação do governo e ministros-chave — como o próprio Fernando Haddad, da Fazenda.

Diante do acúmulo de problemas e da fragilização política de Lula e seus comandados, o bilhão foi insuficiente para reverter o expressivo placar da derrota no Parlamento: 383 a 98.

Dilma ‘abriu a carteira’ antes do impeachment

Em março de 2016, a então presidente Dilma Rousseff (PT) comandou a liberação de R$ 70 milhões em emendas parlamentares — na ocasião, o dispositivo representava uma fatia menor do Orçamento — e, mais do que isso, não incluiu os R$ 6,6 bilhões destinados ao Congresso no ano em um corte de R$ 21,2 bilhões em despesas que incluiu áreas como a Educação e a Saúde.

Mas a petista havia caído em desgraça com deputados e senadores. Com uma aprovação popular na casa dos 10%, protestos contrários a seu trabalho nas ruas, recessão econômica, derrotas sucessivas no Legislativo e denunciada por crime de responsabilidade fiscal, Dilma viu, após o empenho, seis ministros deixarem seus cargos e seus partidos romperem com o governo — quatro eram do então PMDB, um do PP e, do PSD, Gilberto Kassab.

Com o desembarque, suas numerosas bancadas ficaram livres para, em abril, votar e aprovar o impeachment da mandatária. Em 31 de agosto de 2016, Michel Temer (MDB) assumiu a Presidência em definitivo.

E agora?

Desguarnecido de base legislativa efetiva, o Planalto solicitou que a AGU (Advocacia-Geral da União) analise se a decisão do Congresso fere ou não a autonomia entre os Poderes, em uma estratégia para embasar uma contestação no STF (Supremo Tribunal Federal) e “judicializar” a discussão.

Lula não enfrentou o mesmo desgaste na relação com as forças políticas em seus mandatos anteriores [de 2003 a 2010]. O PT era um partido mais forte em termos de expressão social, e as alianças com PL e o então PMDB eram sólidas, o que não se reproduz agora”, disse o professor Carlos Melo, do Insper, à IstoÉ.

Para o cientista político, o maior ponto de distância entre as crises políticas enfrentadas por Lula e Dilma é a rota de colisão em que a petista entrou com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (então no PMDB), a ponto de fazê-lo pautar a votação que interrompeu seu mandato.

Mesmo em alta, a rejeição popular a Lula está distante da registrada por sua colega de partido — e lideranças do “centrão” admitiram levar isso em conta. Mas a votação desta semana foi interpretada por analistas como o primeiro sinal efetivo de distanciamento entre os atuais presidentes da Câmara e da República.