Dono de um currículo invejável, tanto pela importância como pela diversidade das tarefas que exerceu, o engenheiro e economista Luiz Carlos Mendonça de Barros segue ativo e de olho em tudo o que diz respeito à nova gestão do governo Lula — na condição que ele mesmo define como ‘aposentado, pero no muerto’ -, e segue com seus comentários ácidos e pertinentes nas redes sociais. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, e foi nesse posto que comandou a privatização do sistema Telebras, um de seus maiores orgulhos, mas uma das maiores dores de cabeça da sua vida devido à acusação de improbidade administrativa por conta da desestatização, num escândalo conhecido como ‘escutas telefônicas’, processo do qual foi absolvido onze anos mais tarde. Acredita que Lula pode perder a chance de ouro de fazer uma economia diferente e, com isso, perder a credibilidade total junto ao mercado financeiro por suas declarações e posicionamentos radicais, especialmente com ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O presidente Lula tem feito várias declarações contra os juros altos, inclusive criticando o presidente do Banco Central. Ele não estimula a própria alta dos juros com essas declarações?
A imagem que me vem à mente é a do corredor brasileiro na maratona de Athenas, que um imbecil o segurou na última milha antes de cruzar a linha final. Pois Lula está fazendo o mesmo ato imbecil, quando o Copom está na última milha para entregar a meta de inflação em 2023. Entendeu a ilustração? Porque nós terminamos o ano com a inflação que teve aquele pico e depois voltou e está indo normalmente. Agora, quando ele começa com isso, tensiona o mercado, gera efeitos contrários na economia e termina atrapalhando o País, aumentando a taxa de juros e correndo risco de elevar também a inflação. Isso não ajuda em nada.

O presidente vai conseguir entregar o crescimento econômico que prometeu no primeiro ano de mandato?
É óbvio que não. Esquece! Aí tem uma outra coisa, a economia como a do Brasil tem um ciclo, tem hora que sobe, mas quando chega no pico, ela acomoda um pouco naturalmente porque tem muita pressão de demanda e depois, à medida que a inflação vai caindo, o ciclo volta. Eu sempre brinco que nesse ciclo aqui para você administrar como governo, você tem que aprender a pular corda. Quando você vai entrar para pular corda, tem que esperar ela bater no chão, porque quando entra com a corda no chão, você tem tempo de subir com ela. Com o ciclo da economia é a mesma coisa. Então, por azar, o governo do Bolsonaro, apesar de tudo que ele fez na economia, chegou nesse ciclo aqui de crescimento de 3,2% e está indo para fechar 2023 em 1%. Se o Lula não administrar bem, isso não tem volta. O melhor gestor de ciclo foi ele com o Meirelles, isso porque herdou do Fernando Henrique um País em recessão.

O que o presidente deveria estar fazendo agora o que fez no início do primeiro mandato?
Podia adiar a meta de juros para este ano e deixar esse ano ficar um pouco acima do orçamento, mas isso teria que negociar. Agora, na hora que ele desmoraliza o Banco Central e começa a agredi-lo não tem diálogo e então o BC vai até o fim com esse jogo e vai ferrar o crescimento mesmo. Resultado: no final do ano, o Lula vai entregar talvez até menos de 1%. E aí, dado a todo esse radicalismo que você tem hoje, ele vai estar estrepado, porque mudar o Congresso de lado também é muito rápido.

Esse governo será parecido com a primeira gestão de Lula (2003-2004) ou mais parecido com a gestão Dilma? Ou seja, mais ‘liberal’ na economia ou mais intervencionista?
É diferente, porque ele herdou uma economia em recessão, o que quer dizer que tinha espaço para crescer. E outra. Ele ouviu o Meirelles e o Palocci. O que assusta, e por outro lado explica, é que o Lula deve estar com Alzheimer, porque ele só sabe enxergar uma parte do passado e tem a memória curta, pois consegue enxergar só o passado e não o presente. Ao invés de raciocinar — ‘olha eu tive uma chance que poucos tiveram’ —. O Lula está querendo refazer tudo aquilo que deu errado.

O presidente é contra novas privatizações e há petistas que tentam reverter a independência das agências reguladoras. Isso não é um retrocesso?
Em relação à privatização, a minha posição é a seguinte. Hoje não tem mais a importância que teve no passado, como na época que começou o governo do Itamar Franco e depois nos dois mandatos do Fernando Henrique, porque o objetivo das privatizações era enterrar o que se pode chamar de política econômica do Getúlio Vargas dos anos 30, 40 e 50. Foi contra esse Estado que já não fazia mais sentido que se teve o programa de privatização desenvolvido no governo do Itamar e depois levado em frente pelo Fernando Henrique, de maneira que quando o Lula assume em 2003, grande parte do setor público já tinha sido privatizado. A partir daí começou a privatização do setor elétrico e depois no governo do Temer se completou isso, de maneira que hoje, do setor público que a gente chama de herança do Getúlio Vargas, sobrou apenas a Petrobras. Mas, do ponto de vista objetivo da economia brasileira, é um capítulo encerrado, o arcabouço estatal desenvolvido pelo Getúlio, e depois afundado pelos militares, não existe mais, o que deixa Lula sem discurso.

Após reunião com banqueiros, Haddad disse que a questão da oferta de crédito barato entrou na ‘ordem do dia’. Ele afirmou que o crédito caro trava os negócios. Qual é sua opinião?
Quando se está no governo, você vê que os problemas que aparecem são praticamente os mesmos. Evidente que o juro no Brasil está muito alto e o BNDES, que trabalha com empréstimos de 5 a 10 anos, tem um problema. Todo presidente do BNDES tenta fazer isso certo, só que não tem mecanismos para fazer. O que aconteceu na época do Lula, foi que ele criou uma TJLP que não tinha nada que ver com a inflação, era subsídio na veia. E aí o que acontece? Vem um cara esperto como o da JBS, amigo do presidente e ganha uma fortuna emprestando dinheiro do BNDES a juros subsidiados, comprou com o juro muito barato empresas no mundo todo e virou uma potência.

Como ex-presidente do BNDES, como o senhor vê Aloizio Mercadante como presidente do banco?
Não se pode esquecer que o Mercadante foi o chefe da Casa Civil da Dilma. Ele falou recentemente que o BNDES não vai deixar o Brasil virar uma fazenda do mundo, isso quer dizer o quê? Eu vou olhar para a reindustrialização, que é outra coisa que ele tem falado, só que isso é muito difícil, porque hoje o que manda é o serviço. A indústria já foi 30% do PIB e hoje é 10%. Então, como percebeu que não vai dar para reindustrializar, acho que ele é mais inteligente que outros e já percebeu que não dá para replicar. E ele não está com Alzheimer como o Lula, e, evidentemente, deve ter mudado em alguma coisa. Meu pessoal está reportando que o mercado está gostando do que ele tem dito e também da postura dele.

Para o senhor qual seria o melhor caminho para o BNDES nesse cenário econômico?
O BNDES é uma coisa única nos países na América Latina, não tem outro igual. Ele é maior do que o BID e maior do que o Banco Mundial. Agora, precisa aproveitar o momento, trabalhando direito e aproveitar a estrutura dele corretamente. Em 1995, o que o BNDES fez foi o seguinte: pegou o pessoal que cuidava de análise de crédito e levou para fazer um curso de análise de crédito de países desenvolvidos, que é diferente de análise de crédito de uma empresa. O pessoal de lá é treinado, é um banco muito bem organizado, um pessoal muito sério, profissional. É preciso respeitar os padrões de riscos e não deixar ter mais a influência que o Lula teve logo quando ganhou já no segundo mandato. O risco de voltar esse tipo de coisa é você voltar a ter essa influência do presidente no banco.

O que o senhor acha da declaração do Mercadante durante encontro na Febraban de que o banco de fomento deve alterar a TLP? Os subsídios embutidos em juros podem voltar, como no governo Dilma?
Eles vão quebrar a cabeça com essa tal de TLP. O que o BC no governo Temer fez? Aproveitou que o Temer era do lado bem liberal e acabou com TJLP subsidiada e colocou uma que não tem subsídio. Logo, essa que não tem subsídio fica realmente mais fácil para o BDNES emprestar no momento que estamos com taxa de juros muito alta. Eles vão acabar fazendo uma besteira. Como eles têm poder vão recriar uma TJLP com subsídio e aí o mercado vai reagir e isso vai ser contabilizado no déficit público. E como isso deu errado na Dilma, todo mundo vai dizer que vai dar errado do mesmo jeito agora. E o sujeito que vai tomar o dinheiro emprestado, vai ficar com medo de, no meio do caminho, mudar a regra e ele ter que honrar tudo.

O que o senhor acha do BNDES adotar o o sistema do ‘Eximbank’?
Esse programa de financiar obras de engenharia lá fora começou comigo no governo Fernando Henrique. Nós começamos primeiro aqui na América do Sul e depois foi evoluindo. A mais importante delas foi um financiamento para a China, que tinha uma empresa que estava construindo a maior hidrelétrica do mundo. É até uma coisa engraçada, porque naquela época a China não tinha dinheiro e não tinha turbinas. Ela não conseguia fabricar. E aí ela fez um consórcio Internacional e o BNDES entrou como Eximbank, financiando as empresas brasileiras de turbinas, só que a China pagou tudo. Esse programa de financiamento de obra pública no exterior funcionou e o exemplo mais claro disso foi a hidrelétrica chinesa.

O problema é que Lula emprestou para Cuba e Venezuela e eles não pagaram nada?
E é isso que um Eximbank deve fazer, mas emprestar para alguém que tenha crédito para pagar. O BNDES tem a função de separar o joio do trigo. Já no caso do metrô da Venezuela e do porto de Mariel, em Cuba, o BNDES vetou por falta de crédito e o presidente FH não se meteu. Mas, assim que o Lula tomou posse na época, no segundo ano, isso foi feito. O Lula pressionou para fazer e deu no que deu.