Não será um começo fácil. Longe disso. Bombas, físicas e figurativas, em forma de artefatos pelas ruas e de pautas espinhosas a tratar, estão pela frente. Lula, o presidente em início de mandato busca driblar como pode. Focou nas articulações. Com o Congresso, com o Supremo, com a Polícia. Tem promovido constantes interlocuções para arregimentar aliados. Aos magistrados pede o cumprimento da Lei na punição aos responsáveis pela algazarra criminosa com nuances de terrorismo. No Congresso, apela à conscientização do momento vivido para, de saída, levar adiante seu plano de resgate do País. Na Polícia, turbina as ações investigativas e reforça o moral da tropa contra a libertinagem de desmandos imposta pelo capitão, seu antecessor. A tática é milimetricamente calculada.

Lula, no início, tenta não errar no básico. Sabe das críticas, das resistências ao que vier a fazer – especialmente por parte das elites –, mas possui um plano. Acredita piamente que a ênfase ao campo social vai livrá-lo de maiores dissabores e garantir-lhe um lugar de projeção como estadista, longe da imagem arranhada que deixou após os desvios mensaleiros. O governo Lula 3 deseja errar excedendo-se no zelo pelas camadas mais pobres, pelos desassistidos de baixíssima ou nenhuma renda, os nordestinos que lhe deram esteio, pela camada menos influente da Nação e sabe, por experiência própria, que é aí que construirá o bom legado. Em feito inédito, Lula começou, na verdade, a governar antes da oficialização em 1 de janeiro. Estava pagando calotes e apagando desacertos de um certo Messias, que deixou o cargo e uma notória vacância do poder logo após a derrota nas urnas. A transição, que servia aos levantamentos dos estragos deixados, acabou por se converter em gestão de fato. Aliviados, parceiros internacionais, organismos multilaterais – da ONU à OMS, do FMI ao Banco Mundial –, todos aplaudiram a virada, como sendo a volta do “Brazil” a uma certa normalidade democrática. O maior dos desafios desse mandato Lula 3 é religar as certeiras práticas do passado às carências abertas no presente.

Em meio à má vontade e impaciência dos setores dominantes, o demiurgo de Garanhuns precisa correr em soluções práticas, eficazes e que não deixem dúvidas sobre seus propósitos. Antes mesmo da posse, o pensamento mais tacanho de certos representantes do PIB e daqueles que militam pelo ultraconservadorismo mais obscuro passou a dar recados de descrença na retomada econômica. Reclamaram que uma certa “imprudência” orçamentária colocaria tudo a perder.

Miraram como cerne das queixas a tal PEC, que batizaram de gastança, toda como eixo do mal de uma administração ainda não testada. Esqueceram-se, porém, do elementar: é do buraco monstro deixado por um irresponsável no poder que emana a necessidade dos gastos futuros. Sem cobrir o rombo, nada feito para o avanço a uma nova etapa. Por que queixas silenciaram quando as traquinices e barbeiragens evidentes daquele “mito” Messias avançavam sem controle? Qual o motivo de tratamento e de impressão tão desiguais? Está aí, nesse enigma, o muro de problemas desenhado para a Lula, ainda na sua gestação. De certo, o petista não terá vida fácil. Não serão dias pacíficos. Ao contrário. A cada tropeço ou falha, os algozes estarão ali a cobrá-lo. Talvez como a nenhum outro em outros tempos. Muitos não querem Lula lá e não vão aceitar pacificamente seu sucesso. Repudiam-no naquela cadeira do Planalto não apenas pelo seu passado acidentado de contas a prestar com a Justiça. Não suportam, mesmo, é esse seu pendor a atender com vantagens às camadas mais ribeirinhas de renda. Entendem que isso tira o foco do que anseiam — no plano dos incentivos fiscais, das regalias e badulaques para seus respectivos negócios.

Por conseguinte, temem ranhuras e riscos ao crescimento de suas fortunas. Reiteram a inescapável luta de classes que perdura há séculos por essas bandas, com diferenças abissais, agudas, da pirâmide social, a se aguçar desde o Descobrimento. Chega a ser vergonhoso. Um contingente de 33 milhões de pessoas passando fome, outras milhões na chamada insegurança alimentar, e o que importa para essa gente é como seguir garantindo o seu. Até adotam o discurso cínico de alegar que medidas de socorro a tais contigentes – o gasto efetivo nesse sentido – contribuem para o agravamento da pobreza.

Desfaçatez ganhou morada fixa nas análises pseudocientíficas e macroeconômicas da conjuntura. Lula tem uma visão dessas regras distributivas. Sabe que seu governo vai começar e seguir sobre o signo da má vontade, da desconfiança e da resistência sistemática aos seus desígnios. Não está se importando muito. Até tripudia sobre “humores do mercado”. Não liga para a barreira de contenção posta à frente para segurar seus avanços. Abraçou a cruzada e atravessará o Rubicão, mesmo que o Parlamento, tradicional reduto dos conchavos e tramoias pronto a amarrar ideias e projetos de qualquer governante, mostre sua fuça mais carrancuda — e ataque. Embora encontre basicamente desprezo e intolerância nas elites empresariais, sociais e políticas que circundam o poder – massa infecta dos segmentos que compõem a oligarquia brasileira –, Lula dá início à jornada com a certeza de que novos tempos virão.