O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será o terceiro entrevistado nas sabatinas do Jornal Nacional com os principais candidatos à Presidência, nesta quinta-feira (25). Na segunda (22), o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), foi o primeiro. Ciro Gomes (PDT)  foi entrevistado na terça (23), e nesta sexta (26), Simone Tebet (MDB) será a última, fechando as sabatinas do JN.

A relação entre Lula e Globo passa por altos e baixos desde a primeira vez em que o petista se candidatou à Presidência, na primeira eleição direta ao cargo máximo da nação após a Ditadura Militar, em 1989.

 

Edição do debate com Collor

Um dos casos mais emblemáticos envolvendo Lula e a Globo ocorreu no debate do segundo turno do pleito de 1989, entre Fernando Collor de Mello (PRN) e Lula (PT), formado por um pool das quatro principais emissoras do país na época (Globo, SBT, Manchete e Bandeirantes).

No dia seguinte, a Globo exibiu duas matérias com edições dos melhores momentos do debate da noite anterior, uma no Jornal Hoje e outra no Jornal Nacional. Essa última, em específico, causou polêmica por conta de uma edição que privilegiou Collor, selecionando os melhores momentos do candidato do PRN e os piores do petista, e dando mais tempo de tela para Collor do que para Lula.

À época, o PT moveu uma ação contra a emissora no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O partido queria que novos trechos do debate fossem apresentados no JN antes das eleições, como direito de resposta, mas o recurso foi negado. 

A partir desse episódio, a Globo decidiu não mais editar debates políticos, limitando a apresentá-los na íntegra, ao vivo, para evitar que qualquer candidato seja favorecido ou prejudicado pela escolha de um editor ou grupo de editores.

 

Mea-culpa da Globo

Só depois de muito tempo, já nos anos 2000, a Rede Globo e profissionais que trabalhavam na emissora à época passaram a falar mais abertamente sobre o caso e a reconhecer que a edição do debate foi um erro.

Em 2001, em entrevista ao Memória Globo, o então diretor de jornalismo da emissora, Armando Nogueira, comentou o caso e disse que, de fato, a edição exibida no Jornal Nacional deturpou o debate e “marcou um gol contra à TV Globo”, “um desserviço” à emissora, que foi realizada por profissionais hierarquicamente abaixo dele, e que ele só tomou conhecimento quando viu o material no ar durante a exibição do jornal.

Em 2015, durante o especial em comemoração aos 50 anos da Globo, William Bonner também comentou sobre o caso e reforçou que a edição do debate do segundo turno da eleição de 1989 foi um erro da emissora. 

“Esse trabalho todo que a gente [Globo] fez acabou, no fim, ficando eclipsado por uma polêmica que surgiu, que era a edição do debate de segundo turno entre Fernando Collor e Lula. Um debate entre candidatos é um confronto de ideias, de argumentos, que precisa ser visto no todo, por inteiro. Resumir o debate como se faz, por exemplo, em um jogo de futebol, com os melhores momentos da partida, que foi a ideia na época, é um risco enorme, porque qualquer seleção de trechos sempre vai poder ser questionada. E foi isso que aconteceu. Além do quê, a edição acabou deixando o tempo total de fala de Collor maior que o tempo de Lula. E foi um aprendizado importante para a Globo, para o jornalismo da Globo. A Globo reconheceu o erro de tentar editar um debate político”, disse Bonner.

Em 2016, em entrevista ao programa “Morning Show”, da rádio Jovem Pan, José Bonifácio Sobrinho, o Boni, diretor da TV Globo, revelou que ele em pessoa preparou Collor para o debate, a pedido do então presidente da empresa, Roberto Marinho.

“O Collor foi preparado para aquele debate, e eu fui o responsável por essa preparação. Havia um confronto do bom moço, bonito, bonitão o nosso Collor, e ali eu dei um jeito na gravata dele, despenteei o Collor, joguei umas gotinhas de glicerina para ele ficar um pouquinho suado, para fazer aquele enfrentamento com o Lula, que era na verdade o ‘sapo popular’. Essa ajuda que foi dada ao Collor foi um pedido do doutor Roberto Marinho, e ele era defensor do Collor não por uma questão de ideologia, ele realmente acreditava no Collor”, disse Boni.

Segundo Boni, o pedido de Roberto Marinho em relação à edição do debate a ser exibida nos telejornais da casa no dia posterior à sua realização, era para que fosse feita uma “edição correta”, que não favorecesse nem Collor, nem Lula, que ele não ficou satisfeito com a versão exibida no Jornal Hoje, e pediu para que novas alterações fossem feitas para o Jornal Nacional.

“Alguém lá da redação fez uma edição favorecendo o Lula. O doutor Roberto, quando assistiu aquela primeira exibição no ar [no Jornal Hoje], se irritou violentamente com isso, e pediu para que fosse reeditado. E aí aconteceu exatamente o oposto, foi uma coisa realmente terrível. Eu não acredito que essa edição tenha tido algum efeito no resultado da eleição, porque o debate ao vivo tinha dado 67% de audiência e depois, quando foi para o Jornal Nacional, tinha dado 42% de audiência. O debate ao vivo foi assistido por mais pessoas do que a edição que foi posteriormente. Mas de qualquer maneira não é um procedimento correto. Foi um acidente de percurso”, explicou Boni.

 

Entrevista em meio ao Mensalão e embate com Bonner

Durante a campanha para sua reeleição, em 2006, Lula foi entrevistado por William Bonner e Fátima Bernardes no Palácio do Planalto, em uma rodada de sabatinas semelhante à que acontece agora, em 2022, e a maior parte do tempo da entrevista, que foi de 11 minutos e 30 segundos,  tratou do escândalo do Mensalão, que envolvia a compra de votos de parlamentares para aprovar emendas do governo no Congresso.

Na entrevista, Bonner diz que “antes de se tornar presidente, a memória que o Brasil tem, era de alguém que veementemente cobrava punição para quem quer que aparecesse diante de uma câmera de televisão suspeito de alguma coisa, mesmo que as culpas não tivessem sido provadas ainda”.

Lula rebate o âncora do Jornal Nacional, afirmando que nunca cobrou condenação de ninguém injustamente, sem que se provasse qualquer culpa.

“Você deve estar falando de outra pessoa, eu nunca pedi para que ninguém fosse condenado antes que se provasse uma culpa”, diz Lula. Nesse momento, Bonner se corrige e fala em “afastamentos e punições”, e o então presidente diz que fez o que lhe cabia, e que afastou todas as pessoas que podia que estavam acusadas no escândalo do Mensalão. 

“Eu afastei todos. Todos os que estavam dentro do Governo Federal foram afastados. Sem distinção. Todos os funcionários públicos, seja de primeiro, segundo ou terceiro escalão foram afastados”, diz Lula. E Bonner insiste: “O senhor afastou o ex-ministro da Casa Civil [José Dirceu]?”. E Lula responde: “Foi afastado. Eu o afastei. Afastei o José Dirceu, afastei o [ministro da Fazenda Antônio] Palocci, afastei outros funcionários que estavam envolvidos e vou continuar afastando. Agora, quando se trata de punir, punir significa respeitar o Estado de Direito. Eu quero pra todo mundo o que eu quero pra mim: o direito de provar que eu sou inocente, e o meu acusador provar que eu sou culpado”, disse Lula.

 

Lula e a Lava Jato

Durante o período em que a Lava Jato esteve em vigor, a operação teve bastante repercussão na imprensa, e na Globo não foi diferente. Diariamente, o Jornal Nacional fazia sua cobertura e em muitos momentos reportou o envolvimento do ex-presidente Lula com a Operação, que inicialmente acabou colhendo seu depoimento, posteriormente o prendendo e, por fim, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) o libertando da prisão após 580 dias.

Por conta da cobertura da imprensa e especialmente do JN sobre o caso, Lula acusou diversas vezes a emissora, assim como outros veículos de imprensa, de favorecer o então juiz Sergio Moro, chefe da operação, e de fazer uma campanha para manchar sua imagem, e de acusá-lo sem provas de ter cometido crimes que, posteriormente, não conseguiram provar que ele teria cometido.

A própria equipe do presidente publicou um vídeo em seu canal no YouTube com o título “A Rede Globo contra Lula”, no qual afirma que a emissora gastou centenas de horas em cinco anos de acusações contra o ex-presidente, mas apenas 36 segundos para reportar sua inocência.

 

Grampo de Lula e Dilma

Em março de 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) quis nomear Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil em seu segundo mandato, o então juiz Moro divulgou áudios de ligações telefônicas de Lula com partidários que foram reproduzidas ao vivo no Jornal Nacional, com leitura de Renata Vasconcellos e William Bonner, que nessa quinta entrevistam o ex-presidente.

O telefonema de maior repercussão foi uma ligação grampeada entre Lula e Dilma, que tratava do termo de posse que presidente enviaria ao petista por um assessor, que acabou agravando a crise política que impediu que o ex-presidente assumisse o ministério, e que culminaria no processo de impeachment de Dilma, ainda no mesmo ano.

 

Entrevista na prisão: ‘Globo é a grande mentora’

Durante uma entrevista aos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano enquanto esteve preso em Curitiba, Lula chegou a afirmar que a “Globo é a grande mentora dessa panaceia”, se referindo ao processo da Operação Lava Jato que acabou levando ele à prisão.

“O que eu espero é que se faça grande justiça nesse país. A Globo é, na verdade, a grande mentora dessa panaceia toda. Aliás, a Globo podia fazer um debate entre eu, o Moro e o [ex-procurador do Ministério Público Deltan] Dallagnol, eu sozinho contra os dois. Poderiam fazer um debate comigo em qualquer horário que eles quisessem, pra gente ver quem é que está mentindo nesse país”, disse Lula.

 

“Sergio Moro é um ídolo de barro que a Globo criou”

Depois de já ter saído da prisão, o ex-presidente Lula disse, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar que o ex-juiz Sergio Moro era “um ídolo de barro que a Globo criou”.

“Foi uma arquitetura de comunicação, porque quando o Moro pegou a Lava Jato, ele arquitetou com os meios de comunicação que, só era possível, se os meios de comunicação dessem a cobertura total para ele. Aí era 100% de matérias favoráveis ao Moro. Porque ele era endeusado 24 horas por dia”, disse Lula.