Parece existir mesmo uma diferença abissal entre um chefe de Estado que não tinha o que falar lá fora e ficava conversando com garçons e lanchando no boteco da esquina em reuniões de cúpula – como fazia Bolsonaro – e aquele que vai com objetivo traçado, passa o recado e estabelece as pontes que o País está buscando e necessitando. Lula rearrumou o sentido dessas missões e costurou o modelo em sua última passagem pelos EUA, onde foi conversar com o presidente norte-americano, Joe Biden, durante agenda especial marcada de última hora — até isso sinaliza o prestígio do petista. Recebido na porta por Biden, em uma deferência poucas vezes vista, Lula aproveitou a ocasião para ir além dos assuntos bilaterais e posicionou-se inclusive como agente para soluções dos problemas globais. Politicamente, um gol de placa. A grande bandeira da governança internacional para o clima esteve em pauta, a tal ponto de os EUA se disporem a anunciar um “apoio inicial”, da ordem de US$ 50 milhões ao Fundo Amazônia. Menos pelo valor e mais pela atitude ali implícita, a decisão representou uma virada de chave. Os norte-americanos, por princípio e decisão de Estado, não vinham se envolvendo em mobilizações como essa, mas Lula, praticamente, conseguiu reverter a postura do parceiro. Animado após a reunião, chegou a festejar o que considerou “a volta do Brasil ao cenário mundial”. Não é para menos, nem gratuita, a percepção. Decerto, o País passou a ser visto com outros olhos e melhor ânimo pela comunidade mundial. Governantes demonstram fazer fila para encontros reservados com o demiurgo de Garanhuns. Dezenas vieram a sua posse e, em pouco mais de um mês no cargo, inúmeros outros, não apenas os latinos, estiveram com ele. Há poucas semanas, o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, veio pessoalmente ao Brasil para discutir aspectos ligados ao meio ambiente e à defesa da democracia. O presidente da França, Emmanuel Macron, prepara visita oficial para breve com o mesmo intuito. O tema democracia está na agenda pelo óbvio motivo da tentativa recente e fracassada de golpe por aqui, no já infame 8 de janeiro. Os líderes do mundo livre querem dar o respaldo necessário, espécie de aval, a um governo legitimamente eleito nas urnas, fortalecendo assim os fundamentos democráticos. O fator meio ambiente galvaniza, por sua vez, as atenções e segue em linha com uma estratégia do próprio Lula de projetar o protagonismo global do Brasil a partir da marca Amazônia como grande ativo. No todo e sob qualquer ângulo que se observe, o saldo dos entendimentos de Lula com Biden foi promissor. À época de Bolsonaro, com o então “chapa” Donald Trump, somente o norte-americano tirou vantagens, não entregando nada em troca. O Brasil teve de ceder posições na OMC e conceder sinais aos apelos do colega fanfarrão, sem sequer conquistar dele o pretendido apoio a causas como a de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Agora, ao que tudo indica, o País e os EUA passaram a falar a mesma língua em muitas áreas de interesse. E a cruzada internacional de Lula para fixar essa nova projeção está apenas começando. O presidente planeja agora visitar três países africanos – Angola, África do Sul e Moçambique – para reatar laços há tempos abandonados. Lula ainda deve ir à China, em março e novamente a Portugal, em abril. Mas o grande marco desse posicionamento nacional no concerto das nações talvez seja o esperado convite para que ele participe da reunião do G-7, o grupo das maiores economias do mundo, que ocorrerá em Tóquio, no Japão, em maio. A ida do Brasil, como membro convidado, não ocorre desde 2008. O antecessor Bolsonaro, por exemplo, jamais foi cogitado para tal honraria. Lula, nessa espécie de reparação histórica, deve voltar às rodadas do G-7 para as quais apenas países de relevo e governantes idem são chamados. De uma forma ou de outra, o importante é notar como o presidente está sabendo usar habilmente a causa ambiental e o riquíssimo bioma brasileiro como instrumentos geopolíticos para reposicionar o Brasil – algo que vinha sendo absurdamente desprezado e até destruído, sistematicamente, há bem pouco tempo. O País na ordem mundial agora escreve um novo capítulo.