RESUMO

• Numa aliança discutida nos bastidores, governo avalia abrir mais espaço para Pacheco e Lira nos ministérios
• A ideia é, em 2025, ter uma relação mais suave com o Congresso depois da eleição para as mesas do Senado e Câmara
• Frágil, Planalto quer evitar mais derrotas

 

A liturgia do poder tem colocado em sintonia os chefes do Executivo e Legislativo nas questões nacionais, como mostrou a tragédia climática no Rio Grande do Sul, e pode evoluir para um acordo político inédito contrapondo a polarização ideológica cristalizada pela derrota do extremismo em 2022.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e o da Câmara, Arthur Maia, discutem nos bastidores uma aliança que estará na agenda da disputa pelo comando das duas Casas no início do ano que vem.

Abalado pelas sucessivas derrotas no Congresso, em vez de indicar nomes, o Palácio do Planalto reconhece a força dos dois para fazer os sucessores, mas quer um entendimento que facilite a pauta governista na próxima legislatura e, de quebra, diminua a agressividade contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem agido como aliado, mas apanha no Congresso.

Pacheco e Lira estão cotados para cargos no primeiro escalão na provável reforma ministerial que emergirá das eleições municipais e no rearranjo que Lula fará no meio do mandato, no ano que vem, para definir um horizonte para disputar um novo mandato presidencial em 2026.

● Lula tem entendimento fácil com Pacheco que, embora tenha demonstrado uma certa aderência às pautas da direita e reagido com firmeza contra a quebra do acordo que resultou na judicialização da reoneração, é visto por Lula como um político de fino trato e um determinado democrata. Há cerca de um mês, quando cogitou abandonar a política, o próprio presidente elogiou seu potencial político cujo horizonte inclui uma vaga na Esplanada dos Ministérios como trampolim para disputar o governo de Minas Gerais em 2026.

● Com o presidente da Câmara as relações oscilam entre a suavidade, quando atende os pleitos por cargos e verbas de emendas parlamentares, e a tensão da faca no pescoço, como se viu no recente conflito em que o presidente da Câmara chamou o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, de incompetente e de desafeto. Lula leva em conta, no entanto, a objetividade de Lira que, na terça-feira, antes da votação dos vetos na sessão do Congresso, se reuniu com o presidente e avisou que o governo só conseguiria manter o veto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Advertiu que o veto ao projeto que proibiu a saidinha de presos seria derrubado de lavada e poderia desgastar o governo em suas bases, já que a decisão deve influir na segurança pública com possíveis revoltas no sistema penitenciário, hoje controlado por facções que atuam com um braço no crime e outro na política.

“O menos esperto dos congressistas coloca a linha na agulha com luva de boxe.”
Presidente Lula, justificando respeito a acordos políticos

Disputa no Congresso

Na avaliação de fontes do governo, embora ainda seja cedo para mostrar as cartas, o jogo que envolve os três presidentes do Executivo e do Legislativo é de interesse recíproco e, embora sejam claras as rusgas entre os dois parlamentares, atenderia de diferentes maneiras tanto Pacheco quanto Lira nas eleições para as mesas do Congresso no ano que vem.

O problema ficará com os partidos: uma eventual eleição do senador Davi Alcolumbre (AP), como quer Pacheco, e do deputado Elmar Nascimento, candidato de Lira, quebraria a tradição de alternância nas duas casas, que passariam a ser comandadas por um único partido, o União Brasil, que saiu chamuscado da guerra interna entre o atual presidente, Antônio Rueda, e o deputado Luciano Bivar (PE).

Caso chame Lira para o Ministério, Lula terá de administrar um conflito alagoano: o senador Renan Calheiros, do MDB, não quer entendimento com o presidente da Câmara e já avisou que não abrirá mão das duas vagas para o Senado e do governo estadual em 2026.

Além disso, seu grupo está avançando sobre municípios que estiveram sob o controle de Lira.

O Palácio do Planalto já sondou Renan sobre um acordo e ouviu um rotundo não como resposta. Aliado e próximo a Lula, Renan faz sempre questão de lembrar que nas eleições de 2022, convencido da vitória da direita, Lira se apresentou em palanques como “o mais bolsonarista dos alagoanos” e na reta final da campanha chegou a especular que no dia da eleição promoveria um evento para atrair peregrinos ao túmulo do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, no Ceará.

Entrar na disputa de outro poder sem parecer que está interferindo é uma jogada ousada, mas própria do espírito de conciliação de Lula que, em nome da governabilidade, não moveu uma palha, por exemplo, para evitar que seu maior inimigo na política, o senador e ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, vencesse a batalha pelo mandato no TSE.

Pragmático, o presidente é visto como um político que honra compromissos, sabe contar os votos e, como disse em fevereiro, conhece intimamente a alma dos congressistas: “O menos esperto coloca a linha na agulha com luva de boxe”, disse Lula.

Na avaliação de um parlamentar governista, uma eventual aliança com Pacheco e Lira, mesmo que tenha de pedir de volta cargos de sua cota pessoal no primeiro escalão, é um prato que Lula deixará em banho-maria até a virada do ano.