Já está em volume recorde, de mais de R$ 46 bilhões, o valor das emendas concedidas a parlamentares em troca de um apoio que se mostra ainda frágil, remoto e movido a chantagem. O presidente da Câmara, Arthur Lira, decerto tem a força, a caneta e o controle do Congresso nas mãos e lança o Executivo à condição de refém. Era previsível. Com a quantidade de opositores eleitos para a Casa, o governo não poderia esperar nada de melhor pela frente. Fruto de um sistema corroído por vícios e desequilíbrios. O presidencialismo está decerto em xeque e o demiurgo Lula vai tendo de se submeter às vontades, artimanhas e aos caprichos dos congressistas, sob pena da inviabilidade de sua gestão. Repete, assim, a saga do antecessor Bolsonaro, que entregou-se ao Centrão e acabou por se misturar à lambança. O petista, por sua vez, cede e vai assinando também as famigeradas emendas do relator, no objetivo de formar uma base de sustentação mínima. Escorrega em erros em meio às articulações. Os políticos fazem a farra com a bufunfa e executam obras nos redutos eleitorais para angariarem ainda mais votos e poder — em alguns casos, até lucro em comissões de projetos superfaturados. O Brasil como um todo acaba arrolado nessa espiral das negociatas e paga a conta. Muito embora o Supremo Tribunal Federal tenha apontado a inconstitucionalidade desse tipo de despesa, ela avança mais revigorada do que nunca. Há de se dar um basta definitivo na prática. É só verificar o caso da estatal Codevasf para perceber o grau de contaminação perniciosa que o modelo do tradicional toma lá dá cá produz. A companhia foi entregue aqueles antes chamados de “anões do orçamento”. E eles fazem o que querem por ali. Montaram um balcão de negócios e saques na boca do caixa, onde até laranjas já atuaram e seguem frequentando. A direção da Codevasf, nomeada pelo grupo anterior de Bolsonaro, foi mantida como estava. E ai do governo Lula se ousar mexer no vespeiro. A resposta dos congressistas pode ser – como lhe foi avisado – implacável. Na base de uma paralisação total das aprovações de seus projetos e pedidos no Legislativo. Coisa de bandidagem pura. O mandatário foi impelido a assinar contratos ali de mais de R$ 650 milhões, também herdados de negociatas do bloco de Bolsonaro. Não teve outro jeito. Por acaso e porventura dos acordos mais do que previsíveis, parte da bolada serviu ao pagamento de empreiteiras suspeitas de práticas irregulares, com indícios de um “cartel do asfalto”. Não pairam dúvidas, a festa na Codevasf vai a todo vapor. Apesar das reiteradas fiscalizações do TCU e da CGU, nada muda. Até porque os pilotos e provedores do Congresso não querem e não deixam. O todo poderoso presidente da Câmara tem abertamente enquadrado Lula. Manda recados e ordens. Acumula um festival de conquistas já nesses primeiros meses do novo mandato, capazes de lhe conceder a condição típica de um faraó soberano da Nação. Lira, com a esmagadora vitória que obteve na saga da reeleição que lhe assegurou mais dois anos no cargo, sacramentou o feudo político.

Tal é a dimensão e a influência acumuladas hoje, que lhe foi possível garantir na presidência da CBTU mais um dos seus apadrinhados. A companhia, vale lembrar, é suporte dessa influencia longeva de Lira e já lhe rendeu um processo por corrupção. Mas nada que arranhe a sua hegemonia patrimonialista ou lhe cause embaraços no trato dos negócios da empresa. Lira parece pontificar acima das bisbilhotices e eventuais investigações terrenas. Manda muito e ninguém mexe com ele. Lula, por sua vez, não tem nenhuma gordura de ascendência para queimar. Precisa regatear aliados. Do contrário, nem o orçamento federal, em vias de discussão, sai. O que dizer então das pretendidas reformas. Esquece! Sem Lira, nada feito. O próprio tutor da Câmara já decretou, em forma de aviso ameaçador: “Lula ainda não conta com base de apoio suficiente no momento para passar a reforma”. Diante dos holofotes e falando à plateia, Lira posa de bonzinho. Diz que irá empreender os maiores esforços possíveis e levar adiante ideias como essa que modernizem o País. Balela! Sem a jogatina na forma de mais “pagamentos” oficiais pelas eventuais bondades, sem chance. Vai se construindo dessa maneira no Brasil um presidencialismo caricato, de gaveta, apenas para inglês ver. Essencialmente, como governo, a tropa lulista teme o risco de rotundas derrotas no parlamento, com a insurgência partidária daqueles que querem mais e mais contrapartidas. Lula sem Lira não libera nada ali.