28/10/2022 - 8:43
Em entrevista à ISTOÉ desta semana, o ex-presidente Lula afirma que a reeleição de Bolsonaro traz riscos à democracia, mas adverte que ele terá de aceitar o resultado das urnas. “Simples assim!”, lembra o ex-presidente, que vê também ameaças ao futuro do País: “Hoje, mais de 30 milhões de pessoas passam fome. Imagina o que esse cidadão fará se esse comportamento absurdo for recompensado com um segundo mandato”. Confira a seguir a entrevista exclusiva.
A reeleição de Bolsonaro traria risco para a democracia?
Sim. O atual presidente deu, ao longo da sua carreira política e no cargo, repetidas demonstrações de pouco apreço pelas regras democráticas, pela independência dos Poderes da República e autonomia das instituições. Ele, infelizmente, alimenta conflitos e a divisão no País, em vez de trabalhar pela paz e para que busquemos os objetivos comuns do desenvolvimento, da redução da pobreza, da melhora da Saúde e da Educação.
O episódio de Roberto Jefferson mostra que Bolsonaro pode não aceitar pacificamente o resultado das urnas, repetindo o que aconteceu no Capitólio em 2021?
Bolsonaro terá de aceitar o resultado das urnas. Simples assim! O que o episódio do Roberto Jefferson mostra é o grau de insanidade que o país alcançou com Bolsonaro. Um sujeito, aliado de Bolsonaro, incentivado por declarações dele, que também disse que resistiria à prisão com tiros, que arremessa granadas e atira com fuzil contra policiais federais, é de uma gravidade sem tamanho.
O pior é que ele tenta agora se desvincular de Jefferson, né?
A primeira reação de Bolsonaro inclui justificar as ações desse cidadão com mentiras. E ele tem a cara de pau de dizer que não tem fotos dele com Roberto Jefferson, seu aliado até ontem, inclusive na dobradinha do padre Kelmon no debate. Como ele pode mentir de forma tão descarada? Há dezenas de fotos e vídeos dos dois juntos, de juras de amor de Jefferson para Bolsonaro.
Quais foram os maiores erros do atual presidente?
O comportamento que ele teve na pandemia foi criminoso, irresponsável. Negou a ciência, atrasou a vacina, desprezou as medidas de proteção, incitando as pessoas, em especial aquelas que acreditavam nele, a correr mais riscos de vida. Estudos mostram que mais de 400 mil pessoas morreram por causa da negligência do governo federal na condução da pandemia. São mais de 30 milhões de pessoas passando fome. Imagina o que esse cidadão fará se esse comportamento absurdo for recompensado com um segundo mandato.
O sr. pretende mudar a composição do STF, para aumentar o número de ministros, como propõe Bolsonaro?
Não pretendo. Eu não quero perder tempo em brigas institucionais. Não fiz isso nos meus oito anos de mandato e não farei agora. Eu pretendo me concentrar na recuperação do Brasil. No combate à fome, na geração de empregos, na educação e recuperação das universidades, institutos de pesquisa e demais órgãos que foram atacados pelo bolsonarismo.
O sr. propõe aumento real do salário mínimo, mas não há recursos no Orçamento para isso. O mesmo ocorre com o Auxilio Brasil. Como será essa negociação com o Congresso?
Será com diálogo e respeito, porque o Congresso também foi eleito. O orçamento que o Bolsonaro enviou prevê cortes na Saúde, na Educação, na Farmácia Popular, muita coisa que terá que ser revista. O Auxílio Brasil que Bolsonaro enviou no orçamento dele para o ano que vem prevê só R$ 405, então teremos que corrigir essa questão. Isso é muito melhor que os planos que o Guedes tem para enviar ao Congresso em um segundo governo Bolsonaro, onde eles estudam não corrigir mais o salário mínimo e aposentadorias pela inflação do ano, e desvincular, reduzindo, os recursos com Saúde e Educação.
O teto de gastos vai acabar?
Ele já acabou. O governo Bolsonaro nunca respeitou o teto de gastos. Eu acho a responsabilidade fiscal importante. Eu pratiquei a responsabilidade fiscal nos meus governos, reduzimos a relação dívida e PIB e promovemos o crescimento, E fiz tudo isso porque sou responsável, coisa que aprendi de pequeno, com minha mãe. Não é um teto que gera responsabilidade. A pandemia foi um exemplo de como o teto de gastos não funciona. O País tem necessidades sociais urgentes, precisa investir para construir ativos e se desenvolver. Teremos que cuidar de tudo isso ao mesmo tempo, sem loucura. Buscando investimentos produtivos no exterior, conversando com governadores e prefeitos.
O orçamento secreto será extinto?
Se fosse bom não precisaria ser secreto. Eu pretendo construir um orçamento participativo pela internet, com a população podendo participar e entender as definições dos gastos do governo.
Haverá alguma âncora fiscal para manter a responsabilidade sobre as contas públicas?
Eu pretendo governar com responsabilidade sobre as contas públicas, diante da situação que o governo Bolsonaro vai entregar, que será, tanto do ponto de vista social, quanto econômico, pior do que a que eu peguei em 2003. O que o Brasil ainda tem, diferente daquela época, são as reservas de mais de US$ 300 bilhões deixadas pelos governos do PT. Isso nos dá alguma estabilidade e segurança. E hoje eu sou mais experiente. Sei que terei que trabalhar muito, e conversar muito com a sociedade para o país voltar a crescer de verdade, acima da média mundial. Você pode ver pelos meus governos que melhoramos todos os indicadores de contas públicas.
Henrique Meirelles será seu ministro da Economia?
Eu não defino equipe antes de ganhar eleição. Uma coisa que eu sei que o Brasil não aguenta são mais quatro anos de Bolsonaro e Paulo Guedes.
Vai ter reforma tributária com criação do IVA?
A reforma tributária será debatida com a sociedade, para construirmos um sistema de tributos mais justo, mais simples. Eu quero incluir o pobre no orçamento e os muito pobres no imposto de renda. Uma discussão que respeite as partes para que a gente consiga construir um modelo mais eficiente para a produção e financiamento da Educação, da Saúde, do desenvolvimento do País.
O sr. vai tirar os sigilos de 100 anos que Bolsonaro decretou em vários casos?
No primeiro dia de governo.
Bolsonaro abusou da máquina pública, inclusive nas eleições. Como impedir que isso volte a acontecer no futuro?
Elegendo pessoas comprometidas com a democracia. Eu, quando fui candidato à reeleição, só fazia campanha depois do horário de expediente. Bolsonaro, que nunca trabalhou ou governou de verdade, abandonou de vez fingir que governa, e está em campanha em tempo integral há muito tempo. Eu estou me elegendo para um mandato só, para trabalhar muito em quatro anos. E espero que o Brasil volte a ter disputas políticas feitas entre democratas, que respeitam a democracia, como eu e o Alckmin.
O sr. se aproximará do Centrão pela governabilidade no seu governo?
O Centrão não existe como bloco político. É um agrupamento diverso de políticos muito diferentes, com questões regionais e pautas diferentes. Eu vou conversar com os deputados eleitos.
O sr. já defendeu o controle social da mídia. Há risco de censura sobre os meios de comunicação?
Ninguém está discutindo censura. Está se discutindo a atualização da lei dos meios eletrônicos, que é dos anos 1960 e que não dá conta do mundo da internet. Ninguém quer censurar conteúdo. Queremos mais diversidade de empresas e conteúdo atuando em comunicação e que o trabalho dos jornalistas seja respeitado.
Se ganhar, o sr. terá quase metade da população que optou pelo caminho da direita. Como o sr. pretende pacificar o País?
Depois da eleição o vencedor governa, quem perdeu se prepara para a próxima. É assim. Infelizmente Bolsonaro não é o caminho da direita. Tem gente honrada de direita, gente séria de quem eu posso discordar, mas que não merece estar no mesmo grupo de Bolsonaro. O presidente não é de direita, ele é um mentiroso compulsivo, um sujeito que despreza a vida humana, a ciência, a fraternidade. Muitas pessoas que votam nele talvez estejam iludidas pelas mentiras contadas pelas milícias digitais dele. Mas assumindo um governo que trabalhe pelo bem das pessoas, conversando, se comunicando, certamente o país voltará para o rumo da normalidade e do desenvolvimento com inclusão social.