Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) protagonizaram em 2022 a eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização, o que consolidou seus grupos à frente dos espectros da esquerda e da direita a nível nacional. Dois anos depois, candidatos competitivos às prefeituras de todo o país têm usado presidente e ex-presidente como cabos eleitorais na campanha.

No campo lulista, uma das principais destoantes dessa postura é Adriana Accorsi (PT), candidata à prefeitura de Goiânia. Com 22% das intenções de voto na pesquisa Quaest — atrás apenas de Sandro Mabel (União), que teve 24% –, a deputada federal aposta no distanciamento público em relação ao presidente e às principais marcas do partido para chegar ao cargo.

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Pouco Lula, menos PT

Em um programa no horário eleitoral gratuito, Accorsi apareceu na televisão de camisa azul clara e perfilou carências de Goiânia. Depois de prometer um novo hospital para a cidade, a deputada assegura “conversar com o governo federal” para viabilizar a obra, sem mencionar Lula. No trecho final da propaganda, o presidente aparece em um frame, abraçando sua colega de partido. Não pede votos.

Nas redes sociais, a última publicação em que o petista apareceu nas redes da candidata foi em 6 de setembro. Desde então, foram 82 conteúdos no Instagram sem menção direta, imagens ou declarações do principal líder da legenda.

Em meio à opacidade do padrinho político, Accorsi se desvencilhou dos tons vermelhos e adota o lilás como coloração dos materiais gráficos de campanha. “A cor representa a defesa dos direitos das mulheres”, disse em uma entrevista. Habitualmente trajada de azul claro, também não ostenta broches ou adesivos com a tradicional estrela vermelha do partido.

Em vídeos publicados nas redes sociais, a candidata afirmou ter “boa relação com o governo estadual”, comandado por Ronaldo Caiado (União Brasil) — que se disse pré-candidato a presidente em 2026 na condição de opositor do governo federal, mas é popular na capital — e destacou o depoimento de um apoiador que diz que “o partido não manda na cidade”.

Em agendas de campanha, tem visitado templos e firmado compromissos com lideranças evangélicas, onde recebeu apoios importantes na eleição para a Câmara dos Deputados, em 2022 — outra raridade no petismo. Tem na vereadora Aava Santiago (PSDB) uma importante aliada nesse setor da população.

Quando uma publicação falsa circulou acusando-a de ter votado contra o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), algoz de parte relevante da direita, Accorsi registrou um boletim de ocorrência, mas evitou se manifestar em oposição à proposta.

Condições do território

A estratégia tem o objetivo principal de consolidar Accorsi entre um eleitorado que não abraça o petismo. Em Goiânia, Jair Bolsonaro teve 63,95% dos votos no segundo turno em 2022, contra 36,95% de Lula.

Além de almejar a fatia majoritária desses votos, a própria imagem prévia da candidata não está associada às bandeiras tradicionais da legenda. “Ela é delegada, ela a gente respeita”, diz seu jingle de campanha, mencionando sua atuação à frente da Polícia Civil de Goiás — entre 2012 e 2013, ela foi delegada geral da corporação. Na condição, esteve à frente de investigações contra grupos de extermínio e abuso infantil.

Pauta que gera grande identificação com o eleitorado conservador, a segurança pública encontra pouca ressonância nos quadros da esquerda. Nas eleições municipais, há 140 candidaturas ligadas às forças de segurança no PT, ante 1.015 no PL de Bolsonaro, líder na estatística, de acordo com levantamento do jornal Folha de S. Paulo.

Accorsi ainda mira nas discussões locais para se colocar como alternativa de oposição à impopular gestão de Rogério Cruz (Solidariedade) — o prefeito teve apenas 4% das intenções de voto na pesquisa Quaest mais recente.

A petista molda sua campanha aos ventos políticos de Goiânia, que mudam: a cidade já foi quatro vezes governada pelo PT desde a redemocratização, com Paulo Garcia, de 2010 a 2016, Pedro Wilson Guimarães, de 2001 a 2004, e Darci Accorsi, pai de Adriana, de 1993 a 1997.

Quem mostra Lula

No geral, candidatos a prefeito que têm o apoio do presidente em cidades onde ele teve maioria dos votos em 2022, e enfrentam adversários associados a Bolsonaro.

Em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) “tomou café” com Lula no primeiro dia da propaganda eleitoral e chegou a ter uma peça publicitária suspensa pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral) por exagerar no espaço dado ao padrinho político — a Justiça Eleitoral limita a 25% o tempo que apoiadores de um candidato podem ocupar de suas propagandas. Na cidade, o petista venceu com 53,54% no segundo turno presidencial, e Boulos insiste na associação diante da dificuldade em herdar esses votos.

Em Fortaleza, Evandro Leitão (PT) reserva fatia relevante de seu tempo de rádio e televisão a falas do presidente e se apresenta como o “candidato do Lula” na capital cearense, onde o chefe do Executivo teve 58,18% dos votos há dois anos. Leitão ainda busca desgarrar em uma disputa que tem quatro candidatos se alternando nas primeiras posições nas pesquisas de intenção de voto.