RESUMO

• Início da contenda foi a MP que reonera os 17 setores da economia que mais empregam, considerada desrespeitosa
• Para manter equilíbrio das contas públicas, governo terá de negociar muito para evitar derrubada dos vetos presidenciais
• Manutenção do projeto de desoneração da folha virou questão de honra para Arthur Lira
• Legislativo e Executivo podem travar guerra de vetos em 2024


 A sequência de notícias positivas nos campos administrativo e econômico, como a queda das taxas de desemprego e o crescimento das reservas internacionais, pode não ser suficiente para que o governo federal tenha um pouco de paz na área política. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus articuladores terão de atravessar um campo minado no início dos trabalhos legislativos do Congresso para evitar a derrubada de vetos presidenciais em áreas sensíveis que podem comprometer o equilíbrio das contas públicas.

Por mais que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esteja recebendo elogios do empresariado e de nomes importantes da oposição, pela disposição ao diálogo e negociações em vários quesitos, a situação azedou depois que o Palácio do Planalto editou uma medida provisória que aplica uma revisão nas áreas fiscal e tributária, anulando em parte os efeitos da desoneração sobre a folha de pagamento em 17 setores da economia que mais empregam, um projeto aprovado no Congresso.

Lula vetou vários artigos, mas o veto foi derrubado no fim de 2023. A MP 202/2023, que muda as regras da desoneração da folha de pagamento, foi considerada um desrespeito por alguns parlamentares, principalmente pelos líderes do Centrão.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) considerou a edição da MP uma afronta aos parlamentares e está decidido a fazer valer a decisão do Congresso de prorrogar a desoneração fiscal sobre a folha de pagamento até 2027.

O mal-estar ficou evidente com sua ausência na cerimônia que marcou o aniversário de um ano dos atos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes golpistas invadiram e depredaram os prédios da Câmara, do Senado, do Palácio do Planalto e do STF (Supremo Tribunal Federal). O alerta foi ligado e a tropa de choque de “bombeiros” do governo entrou em cena para apaziguar os ânimos.

O problema é que a manutenção do projeto de desoneração da folha é uma questão de honra para Lira e boa parte dos parlamentares. Eles temem que as mudanças de regra pretendidas pelo governo com a nova MP tenham impacto eleitoral em suas bases em pleno ano de eleição municipal.

Prometem endurecer na queda de braço com Lula e sinalizam o que o Planalto quer evitar a todo custo: uma guerra de vetos em 2024, que tornariam ainda mais delicadas as relações entre Legislativo e Executivo. Parlamentares próximos a Lira dizem que a devolução da MP ao Planalto é plausível e que a ideia segue em debate, o que poderia aprofundar a crise com o governo.

Pontos de atrito

Outros assuntos que podem jogar mais gasolina na fogueira são os outros dois vetos presidenciais que incomodaram o Congresso:
a destinação de R$ 5,6 bilhões do Orçamento de 2024 para emendas parlamentares,
o dispositivo que proíbe o governo de cortar recursos arrecadados pelo Ministério do Esporte com apostas esportivas.

Quem conhece os bastidores da política administrativa de Brasília avalia que deputados e senadores não tolerarão os vetos, principalmente os destinados às emendas.

Para evitar as iniciativas propostas pelo Planalto, os parlamentares, principalmente aqueles ligados ao Centrão, prometem dificultar bastante a vida de Lula em 2024.

Creditam os entraves a “falhas de comunicação” do governo e aos problemas na articulação política do Planalto — e é aí que surgem as queixas contra Alexandre Padilha, ministro da Secretaria de Relações Institucionais.

Para eles, Padilha teria descumprido uma série de acordos, entre os quais acelerar a liberação de verbas em alguns ministérios, especialmente o da Saúde. Aqui, as reclamações não são apenas contra a ministra Nísia Trindade, mas da própria concepção de gestão, que, segundo os queixosos, privilegiaria parlamentares e áreas de influência dos partidos de esquerda e MDB, relegando o restante ao segundo plano.

O governo reconhece que pode enfrentar problemas, mas oficialmente trata as demandas dos congressistas como “parte natural do jogo político e das negociações como Parlamento”.

Nos bastidores, há a queixa de que o Centrão teria se tornado “insaciável”, querendo espaço ampliado no Orçamento e mais influência na administração Lula.

Integrantes da base governista na Câmara descartam mudanças na articulação política do Planalto e amenizam as ameaças de bloqueio da agenda do governo, torcendo por um entendimento a respeito dos vetos e da questão da desoneração fiscal nas próximas semanas.

A questão real é que praticamente ninguém sabe exatamente qual será a estratégia para reverter o mal-estar e convencer os parlamentares a relativizar os vetos e serem mais “compreensíveis” com as necessidades do Planalto.

Alguns interlocutores do governo até admitem que isso possa ocorrer, ainda que com muitas dificuldades, mas uma coisa já sabem: a fatura será bem cara — e o preço tende a subir ainda mais.