Ninguém está entendendo essa sanha alucinada de ataques de Lula. Primeiro contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Depois contra o ex-juiz e atual senador, Sergio Moro. Soa como algo mal calculado, padrão ingênuo, não à altura de um político experiente e calejado de sua estirpe. Cristaliza, sem dúvida, uma mácula inesperada, falha grave de percurso na trajetória até então fulgurante do mandatário. Muitos atribuem à tática do “bateu por bater” um certo desejo do demiurgo de voltar às origens, aos padrões do radicalismo ideológico típico, esperado e previsível dos tempos em que ensaiava projeção, ainda no papel de um metalúrgico de palanque a vociferar ante a ganância de algozes patrões. Outros delimitam o movimento no campo da vingança pura e simples. Lula estaria magoado, ressentido, e, ao que tudo indica, não gostaria de esconder isso de ninguém. Os dias na cadeia podem tê-lo deixado rancoroso, não seria surpresa. É sabido, Lula identifica no ex-juiz Moro, por exemplo, não apenas aquela pessoa que o condenou a uma longa e (pelo visto) indevida fase atrás das grades, como também a figura que o impediu de realizar a última e digna despedida do neto no leito de morte. Isso, definitivamente, Lula não perdoa. E falou inclusive em desforra, durante entrevista recente. Pode ter razões até mesmo pessoais, mas a opção do revide não lhe cai bem no momento. Em nenhuma das hipóteses. Além de fora de contexto é, inapelavelmente, prejudicial aos resultados de um governo que está apenas começando. No caso da ofensiva sistemática em relação a Campos haveria formas melhores de conduzir o assunto. Ele até está absolutamente correto ao trovejar contra a prática de juros escorchantes e abusivos. A bandeira encontra eco e reflete de forma adequada os anseios do eleitorado que o recolocou na cadeira de presidente. De mais a mais, configura uma luta justa, sensata, essencialmente legítima. O erro estaria em focar os rompantes diretamente na figura de Campos Neto e a estabilidade de cargos no BC. Equívoco tremendo, até por induzir desconhecimento sobre os meandros das escolhas do BC. Na política monetária não é o titular do Banco quem manda. As análises e decisões decorrem do consenso de um colegiado do COPOM. A recente autonomia legada aos membros da instituição é, indiscutivelmente, uma vitória da boa governança, da transparência. Representa avanço operacional, em sintonia com a prática corrente nas grandes economias do mundo. A insurgência de Lula, visando derrubar essa conquista, pode, ao fim e ao cabo, significar um retrocesso incalculável no País e não é bem quista nem pelo empresariado, muito menos pelo mercado de investidores. Por mais inexplicável que possa parecer, Lula mirou justamente nos tais grupos para disparar armas de ataque. Desde o início do novo ciclo no Planalto, mostra-se possesso com as queixas do capital. O sentimento que acalenta é de injustiça e desprezo para com aqueles que poderiam lhe ajudar na retomada do desenvolvimento. O grave é que o cabo de força armado com os senhores da Faria Lima não deve resultar em coisa boa. Ao contrário. Parte considerável do PIB indica, abertamente, ter mesmo virado-lhe as costas. Pesquisa recente da Quaest com representantes da produção mostra descrença, desconfiança e baixa expectativa nos resultados da gestão do demiurgo. É uma saia justa. Sem recursos privados, qualquer estratégia governamental fica comprometida. Lula terá de encarar uma sinuca de bico. A ideia de montar um ambiente elegendo claramente inimigos desvirtua as prioridades, colocando em segundo plano a atenção necessária a demandas urgentes. É hora de unir forças, não de confrontá-las ou de dissipá-las. Claro que a boa vontade precisa surgir de ambos os lados e, fazendo justiça, não é o que ocorre hoje. A politização de escolhas e movimentos do BC, bem como de parte do empresariado, é uma realidade. Há muitas evidências desse rumo sem sentido. Nem é preciso lembrar o pendor bolsonarista e de oposição que o ex-juiz Sergio Moro nutre, por sua vez, na atual empreitada que abraçou como senador. Na hipótese em questão é uma mera escolha de lado. Basicamente assim a banda toca. Lula é quem deveria ter desconsiderado o confronto, saindo da rinha para evitar trazer o desafeto aos holofotes, como acabou fazendo. Erro primário de um velho cacique da política. São nessas falhas, denotando um passionalismo anacrônico ou mesmo desatenção aos efeitos colaterais do caminho trilhado, que Lula tem inexplicavelmente recaído. Não é um bom começo. Para alguém que deu a volta por cima e foi mais uma vez guindado ao posto máximo do Planalto, a expectativa é grande e a necessidade de que faça a coisa certa, também.