Aos 79 anos, o economista Maílson da Nóbrega pensou já ter visto de tudo no governo. Mesmo com toda a experiência acumulada — foi ministro da Fazenda do presidente José Sarney na época da hiperinflação —, ele não esperava que o Brasil fosse retroceder na lei orçamentária, com truques como o orçamento secreto. Sócio da consultoria Tendências, que antecipa cenários para o País, ele afirma que Bolsonaro não vai se reeleger. “Esse desastre não se repete.” Crítico da atual gestão, ele diz que o ministro Paulo Guedes virou apenas um cabo eleitoral de Jair Bolsonaro. Também critica propostas dos atuais presidenciáveis, como o ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas. “É um demagogo, anda falando um monte de bobagens que podem complicá-lo lá na frente”, dispara. Com estilo de vida saudável (acorda às 4h para correr, ler jornais e acompanhar todos os relatórios), Nóbrega anda tão preocupado com o rumo da Nação que está escrevendo o livro “O Brasil ainda tem jeito?”. A publicação deve sair no fim de 2022.

O País está entrou em recessão técnica no terceiro trimestre. O ano que vem será mais difícil?
Este ano terminamos com 10,5% de inflação e fecharemos o ano que vem em 4,6%. Mesmo com essa queda, os juros continuarão altos, levando à corrosão dos salários e à diminuição da demanda, fatores que combinados impactam a economia. Não será um ano de retrocesso, mas também não será de crescimento. Só o ministro da Economia acredita que o Brasil está decolando. Apenas ele acha que a economia vai bombar no ano que vem. O Paulo Guedes está confiante que todos vão errar nas projeções — inclusive o FMI.

Todos erraram nas projeções realizadas para 2021?
Há um ano, as equações econométricas de projeções tinham de incluir a variável nova de dias parados durante o lockdown. Porém, ninguém sabia ao certo. No fim, a economia parou menos tempo do que os mais otimistas apostaram. O brasileiro se adaptou rapidamente à pandemia. Os consumidores recorreram ao comércio eletrônico para se abastecer de bens e serviços. E muitas pessoas simplesmente desobedeceram às orientações de isolamento. Em 2021, tivemos a recuperação da economia em relação ao ano anterior, embora a renda per capita ainda demore cerca de 20 anos para voltar aos níveis de 2013.

Nesse momento Lula lidera as pesquisas. O que representaria um governo do petista?
Lula é um demagogo. Anda falando um monte de bobagens que podem complicá-lo lá na frente. Ele disse que o Brasil precisa das estatais para se desenvolver, o que é um pensamento da velha esquerda. Disse que o preço da gasolina no Brasil não vai acompanhar a variação do preço internacional. Se ele estivesse certo, teríamos de desconsiderar o mercado internacional da carne, da soja e do frango. Tudo subiu. O que ele está defendendo é o controle de preços do combustível adotado pelo governo Dilma, que não deu certo. Mas o Lula poderia surpreender novamente. Ele é pragmático e já teve a coragem de jogar fora o programa de governo do PT em 2002 e ainda deu sequência à política de Fernando Henrique. Porém, desta vez ele não vai assumir a cadeira em uma situação confortável. Na sua primeira gestão ele recebeu as contas do País em ordem. Agora, ele teria uma pedreira pela frente.

Quanto aos demais candidatos, o que espera das propostas econômicas deles?
Ninguém apresentou ainda proposta concreta. Os candidatos estão naquela fase de falar coisas para agradar determinados grupos. O Ciro (Gomes) publicou no ano passado um livro com velhas ideias desenvolvimentistas de intervenção do Estado. Ele diz ser contra juros altos. Quando fala isso, ele me parece um empresário reclamando das taxas que paga. O Banco Central não aumenta taxas por mera perversidade. É um instrumento de controle de inflação usado em quase todo o mundo. Até agora o que eu ouvi do Sergio Moro foram ideias ingênuas, parece alguém que está indo mais na intuição. Ele falou em criar uma força-tarefa para combater a fome. Mas a fome é um efeito colateral. Governo combate causas. A proposta dele é quase tão ingênua como a do Fome Zero do Lula. Da senadora Simone Tebet (MDB), até agora só escutei que ela pretende voltar com o Ministério do Planejamento, o que acho muito bom. Não é bom que orçamento e execução estejam no mesmo lugar. Quem executa não deve planejar o orçamento. João Doria (PSDB) já começou a monta a equipe e confirmou o nome de Meirelles para a pasta da Fazenda. Mas é preciso esperar que cada um apresente seu plano.

Paulo Guedes disse que resolveria a pandemia com R$ 5 bilhões. Como o governo deveria ter agido?
Poderia ter chegado a melhores resultados se tivéssemos um presidente com capacidade de articulação, que entendesse o funcionamento do sistema e lutasse pela aprovação do seu próprio programa de governo. Daí, certamente o ambiente seria outro. A taxa de câmbio estaria abaixo de 5%. Mas Bolsonaro é um gerador de instabilidade. Ele abalou a confiança no País a ponto de estarmos vivendo um fenômeno raro: a combinação de aumento de preço de commodities e desvalorização cambial. Normalmente, quando sobe o preço das commodities (agrícola e a mineral) entra mais dinheiro no País, o que atrai investidores. Esse fluxo gera valorização da moeda, neutralizando em parte o efeito inflacionário dos produtos em dólar. Este ano, houve aumento de preço em dólar e desvalorização cambial, o que multiplicou o efeito inflacionário dos produtos importados. Por isso, a alimentação subiu de 40 a 50%.

Paulo Guedes fracassou?
O ministro errou ao imaginar que faria uma revolução liberal no Brasil à moda Margareth Thatcher. Ele desmereceu o trabalho dos antecessores. Achou que faria algo diferente, que só ele daria a orientação econômica. E ainda unificou cinco ministérios (Fazenda, Trabalho, Planejamento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços). Isso deve ter gerado muitas disfunções. Ele prometeu vender todas as empresas estatais logo no primeiro ano, subestimando as questões culturais e políticas. Thatcher foi bem-sucedida porque tinha a maioria do Parlamento e o apoio da sociedade, cansada da ineficiência das estatais. As pesquisas mostram que 69% da população é contra a estatização. Os tempos mudaram.

Há clima no País para as privatizações?
Hoje, a iniciativa privada é mais eficiente em gestão do que as empresas estatais. Guedes desconsiderou que o Bolsonaro sempre foi contra a privatização. O programa do ministro virou uma utopia. Agora, como ele quer uma segunda chance, virou cabo eleitoral do presidente. O ministro acredita que defende um objetivo tão nobre, que vale até acabar com o teto de gastos para viabilizar um Bolsa Família turbinado. Ele esquece que não existe político com maior capacidade de comunicação com os beneficiários desse programa do que Lula. Por isso, todas as consultorias preveem que Bolsonaro não vai se reeleger. Não haverá continuidade desse desastre. Essa é uma grande notícia para o Brasil.

O que Paulo Guedes poderia ter feito de diferente?
Ele não precisava ter driblado o teto de gastos. Vários estudos independentes mostraram que era possível turbinar o Bolsa Família cortando programas sociais que não são mais eficazes, como o abono salarial, o seguro-defeso e o salário-família. Bolsonaro rejeitou a ideia. A equipe econômica não tentou convencê-lo do contrário porque não tem o papel de orientador do presidente, mas de subordinado. Outra saída seria negociar uma redução de subsídios da indústria que não se justificam mais — como o das montadoras, que estão há mais de 70 anos no Brasil.

O senhor acha que a PEC dos Precatórios foi um calote?
A PEC foi inédita. Nunca tinha visto o governo mudar a Constituição para dar o calote. O precatório é uma indenização pela perda de patrimônio causada pelo Estado — como um imóvel ou um cálculo de pensão. O precatório é uma despesa, que vira dívida se não for paga. O ministro da Economia tenta convencer o público que não é calote porque está oferecendo outras formas de pagamento. Mas o direito do detentor do precatório é receber em moeda nacional. Ele pode não ter interesse em levar em troca um imóvel da União ou ações de empresa estatal, como foi proposto. O governo violou um direito.

A PEC causou prejuízos para a imagem do País?
Causou, a ponto de os juros subirem depois da sua aprovação. Se não bastasse, o Senado conseguiu piorar a proposta do governo. O ministro queria pagar a dívida em dez vezes, mas os congressistas estabeleceram um teto. Se ultrapassado, os pagamentos ficam para o ano seguinte. Vira uma bola de neve. Um consultor do Senado fez o cálculo que o Brasil terá US$ 5 trilhões de dívidas em precatórios em 25 anos. A PEC vai se transformar em uma moratória infinita.

Sem o teto, o Brasil perde sua âncora fiscal? Quais as consequências?
O Lula defende o fim do teto de gastos. Se eleito, ele poderia cumprir essa promessa. O teto não desapareceu, como muitos estão imaginando, mas deixou de ser uma âncora. Acabar com ele seria um desastre. Existem pressões acumuladas e o Congresso é fisiológico, e não reformador. Haveria uma explosão de gastos. Na minha opinião, o teto de gastos não é mais viável. É preciso pensar no seu substituto. O pressuposto do teto orçamentário era mobilizar a sociedade e o sistema político a adotar reformas. No Brasil 95% das despesas são obrigatórias. Um país com esse patamar de gastos não tem gestão fiscal. Nas nações desenvolvidas os gastos com despesas primárias giram em torno de 48%.

O ex-presidente do Banco Central, Celso Pastore critica a Nova Matriz Econômica do governo Dilma Roussef. Há espaço para experiências como essa?
Ele tem toda a razão. Espaço sempre há para experiências desse tipo, mas seria uma catástrofe enorme. Precisamos reforçar a ideia de austeridade da gestão do Estado, de racionalizar e avançar no processo orçamentário. Até nisso o Brasil teve retrocesso no governo Bolsonaro. A emenda do orçamento secreto foi aprovada com o silêncio do Executivo. É uma violação da própria democracia. O que está acontecendo em Alagoas, por exemplo, em pequenos municípios que fazem parte da base eleitoral de Arthur Lira, é um derrame de dinheiro. Nunca pensei que retrocedêssemos na lei do Orçamento, que é a lei econômica mais importante do País.