Edinho Silva, 58, prefeito de Araraquara pela quarta vez, acabou passando para a história dos episódios dos atentados à democracia no 8 de janeiro quase que por acaso. Naquele trágico dia de 2023, a cidade que administra enfrentava uma grave crise provocada pelas fortes chuvas, levando o presidente Lula da Silva à região para ver os estragos do temporal e tomar as providências para reparar os danos. No exato momento em que Lula discutia com Edinho, no gabinete do prefeito, o que fazer para minorar os problemas, na tarde daquele domingo trágico, o presidente recebeu informações de seus assessores reportando que bolsonaristas estavam invadindo as sedes dos Três Poderes em Brasília e depredando o que encontravam pela frente. As forças de repressão não conseguiam combatê-los. Lula pediu que Edinho ligasse a TV, mas o aparelho de sua sala havia queimado no dia anterior por causa dos raios. O então ministro da Justiça, Flávio Dino, lhe enviou por whatsapp algumas alternativas de ação para imobilizar os marginais. Entre as ações estava um pedido de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). A primeira-dama Janja da Silva, ao lado do presidente, gritou: “GLO não. É o que os militares querem para darem o golpe”. E Lula acabou decretando a intervenção na segurança do DF. Foi o que salvou a democracia.

Como um dos maiores amigos do presidente, o senhor acha que o governo neste primeiro ano do terceiro mandato foi bem?
De fato tenho uma boa relação com o presidente Lula. Nas oportunidades em que estive com ele, se mostrou muito entusiasmado com a oportunidade de governar o País pela terceira vez. É nítida a sua sanha em reconstruir as políticas públicas que mudaram para melhor a vida do povo brasileiro nos mandatos anteriores. Penso que nesse primeiro ano do terceiro mandato, o balanço é muito positivo. A democracia saiu vencedora em 8 de janeiro, as instituições estão voltando à normalidade e, mesmo com um orçamento elaborado pelo governo anterior, as políticas públicas se desenvolveram bem em 2023. Temos uma diretriz econômica a seguir e a economia foi bem no ano passado. Claro que os desafios ainda são imensos, mas o balanço foi positivo: temos um caminho para seguir e corrigir o que for necessário.

Na condição de dirigente do PT há décadas, acha que ele conseguiu os avanços sociais que esperava?
Todos nós que participamos da coordenação da campanha de 2022, sabíamos das condições do País que herdaríamos. O rombo orçamentário em decorrência das loucuras feitas por Bolsonaro para ganhar as eleições, já explicitado durante a disputa eleitoral e que ficou ainda mais claro na transição, revelava números desesperadores, tais como R$ 255 bi de restos a pagar para 2023 e R$ 800 bi de rombo nas contas públicas, equivalentes a 10% do PIB. Claro que enfrentar esse rombo nas contas, e ainda reorganizar as políticas públicas, gerar perspectivas de futuro para a população, não é tarefa simples. Temos que ter rigor na execução orçamentária, ter saldo para ir amortizando esse rombo com o tempo.

A oposição diz que ele passou o ano viajando para o exterior, e se dedicando menos aos assuntos internos. Acha que ele precisava mesmo viajar?
Quem critica não o faz por honestidade. Faz simplesmente por ser oposição. É a manifestação pequena da política não construtiva. Reconstruir a imagem externa do País significa posicioná-lo diante dos desafios globais, para dar protagonismo ao Brasil, que é um gigante mundial, mas que vinha sendo tratado como pária internacional. Posicionar bem o Brasil significa lhe dar visibilidade para a atração de investimentos. O Brasil precisa urgentemente se reindustrializar. Temos que fomentar as novas cadeias produtivas do século XXI, além de recuperar as nossas potencialidades históricas e a nossa base produtiva. O Brasil precisa entrar forte na transição energética e na economia verde. Nenhum país do planeta está tão bem posicionado como nós e sem investimento externo isso é impossível. Então, é para isso que o presidente Lula precisa continuar viajando e reposicionando o Brasil no mundo.

Acredita que, neste ano, em função das eleições municipais, ele vai se dedicar mais às viagens pelo Brasil?
Já estamos vendo a agenda do presidente Lula priorizando as viagens internas, que é o que ele mais gosta, de estar perto do povo brasileiro. Ele se alimenta da energia e do calor dos brasileiros, principalmente com o contato espontâneo, nas atividades de rua. Mas, repito, ele não pode deixar de fazer viagens externas, para ser o catalisador dos investimentos internacionais na busca da sustentabilidade gerada pela economia verde.

Em São Paulo, o presidente praticamente impôs Guilherme Boulos, do PSOL, como candidato a prefeito, e Marta, vinda do MDB, como vice. Por mais que Marta tenha ingressado no PT, ela havia deixado o partido com críticas aos petistas há 9 anos. Isso comprova que o PT não renovou suas lideranças?
Eu penso que o Brasil em 2022 mudou sua configuração política. O fato de termos corrido um sério risco de retrocesso, flertamos com o autoritarismo, com o fascismo, a concepção tradicional da disputa política mudou, a polarização fez com que tivéssemos a configuração de dois campos, os que defendem a democracia, a estabilidade institucional e os que incentivam o autoritarismo, o fascismo. Penso que avaliar as movimentações de hoje com o olhar anterior a esse processo não dá conta da realidade. Nessa concepção de aliados e adversários, cabe a Marta no campo democrático, cabe a sua volta para o PT. O seu legado dialoga com as nossas bandeiras históricas. Não que o passado será apagado, deletado, claro que não, algumas feridas ainda estão abertas, talvez em fase de cicatrização, mas a necessidade de união diante de um inimigo que tem base social, capacidade de aglutinação, mobilização, faz com que nesse momento histórico tenhamos a capacidade de buscar o que nos une e não o que nos separa. Não será fácil isolar o fascismo no Brasil, nem no mundo, existe um crescimento autoritário no planeta.

O PT está abrindo mão de cabeça de chapa em várias capitais, como SP, Rio e Salvador. O partido corre risco de eleger poucos prefeitos de capitais, como aconteceu em 2020?
O PT passou por um processo muito difícil, fomos duramente atacados, foi a ofensiva midiática mais destrutiva que um partido político já sofreu no Brasil, por consequência, a recuperação do PT não será por passe de mágica. Uma parte da sociedade consegue refletir sobre as injustiças sofridas pelo PT, a eleição do presidente Lula também facilita a recuperação do partido, mas, mesmo assim, será um processo de no mínimo médio prazo, principalmente nos estados onde o bolsonarismo avançou.

O que o partido deve fazer para renovar suas lideranças? Lula, por exemplo, pretende disputar a reeleição?
Eu penso que o presidente Lula deve disputar a reeleição em 2026. Só ele pode liderar esse processo que estamos vivendo de isolamento do fascismo, de derrota do autoritarismo. Não há hoje no Brasil uma liderança do campo democrático capaz de construir a unidade das forças democráticas. Ele reeleito, liderado por ele, a construção da sucessão deverá se dar com muita cautela, com todo o cuidado que o momento histórico exige. Todo o esforço de reconstrução da estabilidade institucional, de reorganização e construção das políticas públicas, tudo, de nada valerá, se o fascismo voltar ao poder.

“Lula deve disputar a reeleição para impedir a volta do fascismo”, diz Edinho Silva
“Se a economia não acumular vitórias, o governo Lula não sairá vitorioso” (Crédito:Mateus Bonomi)

Muito se fala também no nome do ministro Haddad como um nome palatável dentro do PT para ser candidato a presidente. O senhor acha que ele larga na frente nessa disputa?
Eu penso que o Fernando Haddad está entre os maiores quadros da história do PT e da gestão pública. Está liderando a área mais sensível do governo nesse início de mandato e está se saindo muito bem, obteve vitórias importantes, inclusive demonstrando muita habilidade política. Se a economia não acumular vitórias, o governo Lula não sairá vitorioso. É um erro achar que existe governo meio aprovado ou meio desaprovado, o governo é um todo, ou é inteiro aprovado, ou será inteiro desaprovado. Penso que todos temos que estar unidos para que o governo Lula seja vitorioso e diminua a força do fascismo na sociedade brasileira e sem crescimento econômico isso será impossível.

Para obter vitórias importantes, como o Arcabouço Fiscal e a Reforma Tributária, o governo distribuiu muitos cargos, ministérios e emendas. O senhor acha que Lula ficou ainda mais refém do Congresso do que Bolsonaro era?
Temos que entender que o modelo de governabilidade instituído pós reforma constitucional de 1988 mudou. Os governos que sucederam a nova carta desenharam o modelo governabilidade de coalizão, era um modelo híbrido, um presidencialismo com características parlamentaristas. Os governos Temer e Bolsonaro propiciaram as condições políticas para que uma reforma silenciosa se impusesse. O primeiro por falta de legitimidade e o segundo por inaptidão, mas ambos entregaram atribuições do presidencialismo ao Congresso. Ainda haveremos de conceituar o modelo de governo existente no Brasil, só não é presidencialismo, nem mesmo o presidencialismo com características de parlamentarismo parido em 1988.

“Lula deve disputar a reeleição para impedir a volta do fascismo”, diz Edinho Silva
“O rombo orçamentário deixado por Bolsonaro, feito para ganhar as eleições, revelou números desesperadores” (Crédito:Mateus Bonomi)

É impossível governar sem o Centrão?
É impossível governar sem coalizão, pós 1988 já era, hoje, pós Temer e Bolsonaro, é impensável. Essa é a realidade brasileira hoje.

O senhor acha que o fato de o Congresso ser mais bolsonarista, e de direita, o governo do PT deveria caminhar ainda mais para o centro, procurar os evangélicos e agropecuaristas, por exemplo, deixando de lado dogmas e mágoas do passado?
Penso que são duas questões distintas. A primeira, o agronegócio, para mim, essa contaminação política não reflete a realidade. Em todos os governos Lula o setor foi muito valorizado e incentivado. E não há como ser diferente, estamos falando de 25% do PIB brasileiro. Já no primeiro ano do governo Lula foi destinado R$ 364 bi para o plano safra, 30% maior que no governo Bolsonaro. Qual o problema do presidente Lula, do PT, com o agronegócio? Nenhum. Os evangélicos, sim, aí temos um problema. Penso que a polarização política fez com que o debate de valores assumisse centralidade para uma parcela da população, onde os evangélicos são predominantes. Debater valores movidos pela fé é muito difícil, não há racionalidade, fé não se debate, é crença.