E não é que havia um Ustra no Gabinete de Segurança Institucional?

E não é que ele estava lá desde os tempos nos quais o general Augusto Heleno mandava nesse órgão do governo federal?

Assim como ocorre com todos os sobrenomes, até com os menos comuns, há Ustras e Ustras, mas o que está em questão é o tenente coronel Marcelo Ustra da Silva Soares, primo do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores da ditadura militar. Já faleceu, infelizmente impune.

Pode-se imaginar o seguinte: apesar do laço familiar, Marcelo condena a tortura e condena, em lógica decorrência, os torturadores. Mas não é nada disso o que acontece: o Ustra, do Marcelo, é idêntico ao Ustra, do Carlos Alberto. Marcelo Ustra gosta de tortura, e tanto é assim que em novembro ele postou uma selvageria contra o Supremo Tribunal Federal, referindo-se, veladamente, a tais práticas covardes e criminosas – pontualmente queria atingir o ministro Alexandre de Moraes. Citou o seu nome.

O ex-presidente Jair Bolsonaro, agora homiziado nos EUA, é fã declarado do torturador Carlos Alberto: diz que tem o seu livro (A verdade sufocada) como leitura de cabeceira (o livro é um lixo), e ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados, em 2016, dedicou o seu voto ao coronel – se a Justiça fosse senhora e o decoro parlamentar, soberano, Bolsonaro deveria ter sido cassado em seu mandato. Virou presidente da República.

Para ser amigo de alguém que defende a tortura como o faz Bolsonaro, Marcelo, é claro, tem também de defendê-la. E Marcelo é tão de confiança do ex-presidente que foi dias antes aos EUA para organizar a chegada de Bolsonaro naquele país, fugindo do Brasil às vésperas da posse de Lula na Presidência da República.

Marcelo Ustra estava lotado, até a terça-feira 17, quando sua dispensa foi publicada no Diário Oficial da União, no Centro de Operações de Segurança Presidencial do GSI.

Lula o despachou para fora do Palácio do Planalto juntamente com a exoneração de outros quarenta militares.
Ninguém pode escolher o primo que tem, mas pode escolher o seu próprio caminho no campo da democracia, da ética, dos padrões civilizatórios. Marcelo preferiu optar pelo que há de pior: a defesa do autoritarismo e do arbítrio. Seu crime é ter Ustra no sobrenome? Não, claro que não. O seu crime é apoiar golpistas e ter postado mensagem contra ministro do STF, manifestando-se, ainda que de forma não explícita, favoravelmente à tortura.