Morde e assopra, pedir muito alto para depois baixar a pedida até o valor inicial e sair cantando vitória. O roteiro da negociação clássica foi seguido à risca pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), que atingiu seus objetivos na reunião que teve com o presidente Lula na semana passada, após o duro discurso que fez na abertura do ano legislativo na Câmara, ameaçando somente votar projetos de interesse do governo caso tivesse seus pleitos atendidos, como a liberação das emendas feitas durante a formulação do Orçamento.

• Na disputa entre o Palácio do Planalto e Congresso, Lira saiu como vitorioso, já que forçou o presidente a entrar em campo para assegurar que os pedidos de Lira serão atendidos e que, a partir de agora, ele mesmo despachará com o presidente da Câmara o atendimento das reivindicações dos parlamentares.

• Em movimento muito bem arquitetado, o presidente da Câmara elevou o tom em seu discurso e colocou o governo na defensiva quando afirmou que “o Orçamento não é do Executivo, é de todos”, além de reclamar de uma “suposta parceria que só tinha mão única”. Foi o auge da crise entre os Poderes Legislativo e Executivo na questão da liberação das emendas de parlamentares, mas que esbarrava também na insistência do Planalto de não aceitar prorrogar a desoneração da folha de pagamento das empresas, medida aprovada pelo Congresso.

• Lula não gostou do discurso de Lira, considerando-o muito duro, e até uma afronta, tentando fazer chegar ao deputado o seu descontentamento, mas foi surpreendido com um movimento antecipado de Lira, que entrou em contato pessoalmente com o presidente para sugerir uma reunião na tentativa de resolver as pendências.

• A ligação ocorreu no dia seguinte ao discurso, e Lula aceitou receber Lira. O encontro ocorreu ainda na semana passada e durou uma hora e meia no Palácio do Planalto.

Ao final, os dois disseram que o encontro havia selado a paz entre os dois. Os pontos de atrito foram resolvidos e ficou estabelecida uma agenda de pautas a serem negociadas.

Só que Lira conseguiu ainda mais: a abertura de um novo canal de negociação diretamente com o próprio presidente. Além disso, Lula concordou em trocar de interlocutor do governo junto à Câmara. A partir de agora, o ministro Rui Costa (Casa Civil) será o intermediário de Lira junto ao governo.

É que o presidente da Câmara vinha reclamando formalmente da postura do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

Durante a crise entre os dois Poderes, Padilha foi o alvo preferencial dos parlamentares, que o acusaram de descumprir os acordos de liberação de verbas para os congressistas contidas no Orçamento aprovado no Congresso. Lula vetou R$ 5,6 bilhões s em emendas, o que enfureceu parlamentares do Centrão e colocou Lira em situação difícil. Citando falta de confiança , o presidente da Câmara conseguiu a alteração na interlocução e o acesso direto com quem realmente manda, o presidente da República.

Lula assume o comando na briga com Lira. Ou será que ainda não?
Lira (à esq.) conversará mais com Rui Costa (centro), enquanto Padilha deverá ficar isolado na relação com a Câmara (Crédito:Pedro Ladeira)

Crise superada?

• Lula, no entanto, não está disposto a abrir mão de Padilha na coordenação política. Por mais de uma vez, o presidente afirmou que tem total confiança no ministro das Relações Institucionais, uma vez que ele é importante na articulação política do governo. “Padilha tem muita habilidade para negociar e cumpre com eficiência os objetivos do governo em relação ao Congresso”, disse Lula.

• O ministro minimizou a crise entre os poderes e afirmou em entrevistas à saída de reuniões que os debates são parte fundamental do jogo democrático que as reivindicações sempre foram ouvidas e negociadas. “O governo nunca rompeu o diálogo com o Congresso e mais ministros podem intermediar as negociações com deputados e senadores.”

No Palácio do Planalto ninguém fala em vitória de Arthur Lira. A sensação é que a crise foi superada e que a retomada das conversas sem as nuvens sombrias da desconfiança será importante pra fazer a pauta do governo andar no Parlamento e resolver questões urgentes, como a desoneração da folha de pagamentos.

O Congresso aprovou a prorrogação até 2027, Lula vetou, os parlamentares derrubaram o veto presidencial e, sob orientação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o governo editou uma Medida Provisória que altera a política fiscal e as desonerações fiscais. Esse movimento foi considerado uma afronta aos parlamentares.

. O medo era que a escalada da crise oferecesse ao Congresso algum tipo de retaliação que pudesse retirar receitas do Executivo ou aumentar as despesas da União.

No entanto, o principal nó está difícil de desatar: quem vai ceder na questão da desoneração da folha de pagamento? Outro receio do governo é que Lira sinta-se mais empoderado a ponto de iniciar nova rodada de barganhas até para mostrar aos seus aliados que está mais forte do que nunca.