Amigos de longa data, o diretor e dramaturgo Flávio Marinho e a atriz Luciana Braga buscavam criar um novo projeto teatral quando ele comentou que ela se parecia com a canadense Geneviève Bujold, também atriz. “Na verdade, sempre me disseram que sou parecida com Judy Garland”, respondeu, distraidamente. Ao notar, de fato, uma semelhança, Marinho percebeu ter ali o caminho do novo espetáculo da dupla, que chega nesta sexta, 7, ao Teatro Faap: Judy: O Arco-Íris É Aqui.

Não se trata, porém, de uma biografia musical convencional. “Ao longo do processo de escrita, fui entrelaçando fatos biográficos de Judy com os da Luciana, o que resultou em uma autoficção”, conta Marinho. De fato, ao longo do espetáculo, o público descobre detalhes da trajetória da cantora americana desde seus 2 anos de vida até os 47, quando morreu precocemente depois de uma overdose de remédios. E também da atriz brasileira que, além da semelhança física, passou por altos e baixos na carreira, da mesma forma que Judy.

“O espetáculo é uma reflexão sobre a vida em geral: a luta, o sucesso, os dissabores, tudo a partir das nossas trajetórias”, conta Luciana, que também se surpreendeu com a descoberta de um potencial de sua voz até então desconhecido. “Sempre fui soprano e não sabia que podia atingir também as notas graves.”

Respiração

A revelação veio a partir das aulas de canto com o preparador vocal Felipe Abreu. Grande conhecedor da obra de Judy e, ao mesmo tempo, um orientador rígido, ele só aceitou participar do trabalho quando notou o potencial de Luciana. “Uma de suas primeiras recomendações foi a de observar as apresentações de Judy e notar como ela respirava ao cantar”, lembra a atriz, cujo conselho foi decisivo não apenas para expandir a potência de sua voz como também para facilitar na interpretação – afinal, durante 1h30 de peça, Luciana não sai de cena, ocupando praticamente todos os espaços do cenário e fazendo inclusive as trocas de figurino durante a ação.

O resultado é uma simbiose perfeita entre Luciana e Judy: ambas com atuações marcantes, “vulcânicas” no entender de Flávio Marinho, que dão a ilusão ao espectador de estar diante de duas gigantes, encobrindo sua real estatura diminuta. E a fragilidade física de Judy não escondia a força de uma voz poderosa. “Luciana presta uma homenagem ao trazer uma apresentação muito pessoal ao palco, comovente, com o perfume da voz de Judy”, elogia o encenador.

De fato, a atriz não repete trejeitos da cantora americana, seja nos gestos ou na voz. “Há apenas alguns momentos discretos, como na forma de colocar as mãos na cintura”, conta Luciana. “Mas são como flashes, rápido mesmo.”

Alegre

E, em cena, quem desponta é uma Judy em toda sua complexidade. “Quando comecei a escrever, não me interessava mostrar apenas a fase final da vida dela, que foi muito triste e que inspirou outros trabalhos biográficos”, lembra Marinho. “Descobri o melhor caminho quando assisti no YouTube a um comentário de Liza Minnelli, filha de Judy, sobre o filme que deu o Oscar para Renée Zellweger: ela elogiou o longa, a atuação, mas reclamou de as produções recentes só destacarem o lado sombrio de Judy. ‘Mamãe era muito alegre e espirituosa’, disse Liza, que depois se disse honrada em ver a mãe retratada de maneira solar.”

Assim, além de um grande recorte de vida (dos 2 aos 47 anos), o espetáculo revela momentos pouco conhecidos de Judy. “Desconstruímos o mito”, acredita Luciana. “Falamos sobre a vida de uma mulher, com toda sua afetividade e humanidade. Nisso, ela tanto se aproxima da minha trajetória como da de várias pessoas, que me contam isso depois do espetáculo.”

Acompanhada de dois pianistas (André Amaral e Liliane Secco), Luciana interpreta 12 canções pinçadas do repertório de Judy – só foram traduzidas as que ajudam a narrar a história. E duas tocam mais a atriz: a primeira da peça, If You Feel Like Singing, Sing, e um dos grandes hits de Judy, The Man That Got Away. Over the Rainbow? Está lá, mas de uma forma surpreendente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.