São descobertas assim que justificam as carreiras de cientistas. Em recente estudo publicado na revista Science Advances, pesquisadores relataram a descoberta de um composto que não deveria estar presente na Lua: hematita mineral, um óxido de ferro presente nas suas extremidades. O fato chama atenção porque o satélite não apresenta indícios de oxigênio, responsável pela oxidação e sua formação. Depois de analisarem dados obtidos por meio de um Mapeador de Mineralogia Lunar (M3), instalado na sonda Chandrayaan-1, lançada pela Organização de Pesquisa Espacial da Índia, em 2008, pesquisadores da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) se deram conta de que o achado abria um leque de inúmeras possibilidades.

POSSIBILIDADE Em busca de mais materiais, a NASA quer enviar uma expedição tripulada em 2024 (Crédito:Divulgação)

Shuai Li, especialista da Universidade do Havaí e incumbido de liderar o estudo, afirma que demorou a entender que estava diante de algo inesperado enquanto analisava os materiais colhidos.”Após meses de pesquisa, me dei conta de que estava olhando para a assinatura de hematita”, disse em comunicado emitido pela NASA. “Isso é muito intrigante porque a Lua é um ambiente terrível para a formação desse composto, mesmo que já existam traços de água congelada”, conta. Para se ter ideia, Marte, quarto planeta do sistema solar, é conhecido como planeta vermelho por conta da hematita. Seu solo, rico em ferro, foi formado pela presença de água, oxigênio e outros gases, fato que explica a cor avermelhada. A Lua é um caso inteiramente diferente.

O astrônomo Enos Picazzio, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, diz que são esperadas várias descobertas relativas ao satélite, que tem voltado a despertar a curiosidade da comunidade científica internacional décadas após as explorações do programa Apollo nos anos 1960 e 1970. O avanço da tecnologia fará com que a ciência produza mais estudos e, consequentemente, novas descobertas. “Não existem certezas absolutas, mas como a Lua é um terreno imprevisível e extenso, nunca se sabe o que pode ser encontrado”, conta. “O próximo passo agora é descobrir de onde veio o oxigênio responsável pela oxidação. Isso é interessante.”

Cientificamente, há espaço para várias teorias. Porém, uma hipótese sai na frente. O artefato indiano revelou que o lado da Lua mais próximo do planeta Terra concentra a maior quantidade de hematita. Shuai Li reforça que partículas de poeira interplanetária podem chegar até a Lua. “Isso me lembrou da descoberta da missão lunar japonesa Kaguya, lançada em 2007. O oxigênio da atmosfera da Terra pode ser transportado para a superfície lunar pelo vento solar quando a Lua está na cauda magnética da Terra”, aponta. A Terra está se afastando da Lua há milhões de anos, mas seus destinos mantêm uma relação próxima. Nosso planeta é envolvido por um campo magnético natural, e ele interfere no vento solar, causando uma “cauda magnética”, que por sua vez interfere com a Lua. Além de transportar oxigênio para a Lua, a cauda também bloqueia mais de 99% do vento solar no decorrer de certos períodos, sobretudo na época de Lua cheia. Isso abre “janelas” durante o ciclo lunar, quando a ferrugem pode se formar. Com as informações da missão japonesa, foi possível entender que a Lua leva seis dias para cruzar e sair da cauda.

“Ninguém esperava essa descoberta. A pergunta agora é: de onde veio o oxigênio?” Enos Picazzio, Astrônomo da USP (Crédito:Divulgação)

Próximos passos

Embora as missões lunares tenham obtido avanços desde o fim do século XX, as agências especializadas afirmam que é tudo “muito novo” no que diz respeito ao satélite, fato que também é reforçado pelo professor Enos Picazzio. “Com tecnologia, quase tudo é possível. Creio que os próximos anos nos revelem ainda mais, seja sobre a Lua, Marte ou até mesmo a Terra”, pontua. Depois da repercussão da descoberta da Chandrayaan-1, a NASA divulgou a criação de uma nova versão do Mapeador de Mineralogia Lunar (M3) para compor uma sonda a ser enviada nos próximos anos. O equipamento será capaz de analisar gelo de crateras na área escura da Lua e revelar detalhes mais profundos acerca da hematita e outros compostos. Além disso, o programa Artemis, da NASA, prevê uma expedição humana datada para 2024 com ênfase em exploração e coleta de materiais.