Quando vemos um diplomata discursando na ONU ou um cientista explicando a energia solar temos a impressão de que o mundo é civilizado e a razão define os rumos do planeta. Nada mais distante da realidade: Como a Loucura Mudou a História – Um Elenco Excêntrico de Governantes Maníacos, Narcisistas Delirantes e Visionários Psicóticos, novo livro do norte-americano Christopher J. Ferguson, professor de psicologia da Stetson University, traz uma investigação minuciosa sobre a influência da insanidade no comportamento dos líderes mundiais ao longo dos séculos.

PARANÓIA O chinês Mao Tsé-tung (ao alto) e o grego Alexandre, o Grande (abaixo): arrogância e deprezo pelos inimigos (Crédito:Divulgação)

O fenômeno começa na Antiguidade, com Alexandre, o Grande, na Grécia, e Calígula, em Roma. Filho de Filipe II da Macedônia, Alexandre fora aluno de Aristóteles e herdou a força física e a liderança do pai. Após chegar ao trono, uniu o país e invadiu com sucesso o poderoso Império Persa, redesenhando o mapa do globo e mudando a história para sempre. Segundo Ferguson, a decisão equivaleria hoje a ver o Canadá conquistando não apenas os EUA, mas todo o hemisfério ocidental.
“Suspeito de que Alexandre tivesse o que hoje chamamos de transtorno de personalidade narcisista (TPN), junto com a dependência de álcool. São indivíduos com uma noção grandiosa de sua própria importância, seres arrogantes que carecem de empatia para com as necessidades dos outros”, explica o autor. Como seria o mundo, no entanto, se o líder grego não tivesse essas características? Já Calígula recebe um diagnóstico mais técnico. Danos nos lobos frontais do seu cérebro podem ter causado sua famosa impulsividade paranóica. Mas muitos dos seus atos de crueldade, que geralmente são vistos apenas como loucura, escondiam razões bastante coerentes: o assassinato de inocentes, por exemplo, tinha como objetivo o confisco dos bens das vítimas ricas.

É importante ressaltar que a obra lembra que os conceitos de doença mental, pelo menos em parte, também são definidos pelo contexto cultural. Há casos de diagnósticos sigilosos, como o transtorno depressivo maior do presidente norte-americano Abraham Lincoln, mas muitas avaliações médicas eram, muitas vezes, sujeitas a subjetividade, ignorância patológica ou, simplesmente, desejo de agradar (ou criticar) os pacientes. O livro traz personagens, porém, sobre os quais não cabe discussão. É o caso de Joana, a Louca, na Espanha, ou Jorge III, na Inglaterra. E há longos capítulos dedicados a governantes totalmente desprovidos de empatia humana, como Adolph Hitler, Joseph Stálin e Mao Tsé-tung, “o mais desprezível louco da história,”, segundo Ferguson.

Como a Loucura Mudou a História
Christopher J. Ferguson
Ed. Nova Fronteira
Preço: R$ 59

Os leitores encontrarão narrativas interessantes sobre personagens menos conhecidos do passado, como Elizabeth Bathory, da Hungria, a cruel “Condessa de Sangue”, talvez a maior “serial killer” da história. Mas a curiosidade dá lugar à análise política atual quando lemos as avaliações de Ferguson sobre personagens contemporânemos, como o ex-presidente norte-americano Donald Trump e o autocrata russo Vladimir Putin – que mereceu, inclusive, um capítulo extra após a invasão da Ucrânia (o texto original era de 2020). Embora tenham surgido em culturas diametralmente opostas, ambos compartilham características semelhantes: o narcisismo exacerbado e o egocentrismo sem limites. Segundo Ferguson, porém, esse comportamento é potencializado pela audiência imediata das redes sociais e as infinitas possibilidade de vigilância dos adversários políticos. São mais sintomas que causas da loucura intrínseca ao nosso momento sociopolítico, na qual pessoas com visões diferentes se tornam inimigas e devem ser derrotadas a qualquer preço. Infelizmente, o livro não trata sobre o Brasil – seria curioso ver a análise do pesquisador sobre o cenário político do País.