ONTEM E HOJE No alto, Lorena Bobbitt em setembro de 1993, no julgamento por mutilação do marido, John Wayne Bobbitt; aqui, Lorena Gallo em 2019, defensora dos direitos da mulher (Crédito:Jeffrey Markowitz)

Ela realizou o sonho de muitas mulheres e o mais temido pesadelo ancestral masculino. Na madrugada de 23 junho de 1993, em Manassas, Virgínia, cidade-dormitório de Washington D.C., a manicure equatoriana Lorena Leonor Bobbitt esperou que o marido, o ex-fuzileiro naval desempregado John Wayne Bobbitt, dormisse para lhe decepar o pênis com uma faca de cozinha.

Aquilo que podia parecer o ato final de uma tragédia deu a deixa para piadas e gargalhadas e para a exacerbação sensacionalista de revistas e canais de televisão. O gesto terrível empolgou o planeta nos últimos anos antes da supremacia da internet, fez a fama do casal e injetou doses inéditas de escândalo na cultura das celebridades. A ponto de, no ápice da superexposição midiática, Lorena e John terem sido tragados por casos que se seguiriam. A série documental “Lorena”, em quatro episódios, disponível no serviço de streaming Amazon Prime Video, retorna à cena da emasculação para revelar detalhes que passaram despercebidos na época.

Um das peculiaridades do “incidente Bobbitt” diz respeito à condição dos dois protagonistas. Quem mereceria o título de herói e vilão da história? Seria Lorena vítima dos abusos repetidos de John ou ele teria sofrido a mutliação porque a esposa se recusava a cumprir “deveres” matrimoniais? O documentário, produzido por Jordan Peele (diretor do terror “Corra!”, de 2017), coloca Lorena, hoje Gallo, em posição de responder. É ela quem conduz a narrativa, ao passo que John e outros integrantes ficam com os depoimentos menores —sem trocadilhos.

Jeffrey Markowitz

Caça ao pênis

CASAMENTO O fuzileiro John Wayne e a imigrante Lorena se casam em 18/6/1989: crise matrimonial gerou agressões (Crédito:Divulgação)

Submetida a julgamento, Lorena foi absolvida, sob a justificativa de que cometeu o gesto levada por “impulso irresistível” após tentar inutilmente obter prazer do marido. O casal virou alvo da imprensa. Emissoras de rádio e TV cobriam ao vivo as longas sessões de tribunal. “Foi um circo”, diz Lorena, que não contém as risadas ao se recordar do que viveu. “Todos queriam um pedaço de mim.” Sem trocadilhos. Por isso, contratou um agente para atender a pedidos, incluindo uma proposta de US$ 1,3 milhão para posar nua para a revista “Playboy”. “Minha formação religiosa me impediu de aceitar o convite”, diz. John também foi inocentado, pois ele convenceu os jurados de que Lorena havia premeditado o corte ao deixá-lo excitado enquanto dormia. “Ela ficou mexendo em mim até que sonhei que Freddy Krueger tinha atravessado a parede para me pegar”, lembra. Anos depois, foi condenado por estupro — segundo ele, por pressão de grupos feministas.

Longe da vida pública, John se esforça até hoje em se valorizar. Lembra que, numa façanha inédita, seu pênis foi resgatado pela polícia em um terreno baldio, onde Lorena o havia jogado, e reinplantado com sucesso. “A única maneira de provar que a cirurgia tinha dado certo era fazer filmes pornôs”, afirma. Estrelou dois: “John Wayne Bobbitt: Uncut” e “John Wayne Bobbitt’s Frankenpenis”. Lançados em 1996, tornaram-se blockbusters do gênero.

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Se John se afastou das câmeras, Lorena reformatou a vida. Casou-se há 20 anos com o empresário Dave Bellinger. O casal tem uma filha, Olivia, de 16 anos. Em 2007, ela criou a Lorena’s Red Wagon, fundação dedicada à prevenção da violência doméstica. Tornou-se apoiadora de Hilary Clinton (John , de Trump) e uma das fundadoras do movimento #MeToo contra o assédio sexual de mulheres. Em um evento beneficente em 2018, ela foi apresentada como a personalidade que realizou o sonho americano da redenção. “Desculpe, mas não sou celebridade”, discursou. “Sou uma ativista.”

 


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