Julio Le Parc – da Forma à Ação/Instituto Tomie Ohtake, SP/ até 25/2
Julio Le Parc/ Galeria Nara Roesler, SP/ até 7/2

 

Isto não é pintura, é relojoaria”, escreveu um espectador no caderno de visitas de uma exposição realizada por Julio Le Parc em Buenos Aires, em 1967. O artista argentino — que havia migrado para Paris em 1958, como pintor, e que em 1966 ganhou o Grande Prêmio Internacional de Pintura na Bienal de Veneza — nunca se contentou em obedecer aos limites do quadro bidimensional. Trabalhe ele com guache sobre cartão, com acrílica sobre tela, ou com aço, alumínio, nylon ou motores, o que Le Parc faz é colocar a forma em deslocamento. O movimento vertiginoso de sua obra pode ser integralmente experimentado em duas exposições em São Paulo: a retrospectiva “Julio Le Parc — da Forma à Ação”, no Instituto Tomie Ohtake, e a individual na Galeria Nara Roesler, que apresenta os trabalhos mais recentes deste artista incansável, que completa 90 anos em 2018.

Com curadoria de Estrellita B. Brodsky, a retrospectiva que veio do Perez Museum, de Miami, mostra que movimento e interatividade são as palavras-chaves da obra de Julio Le Parc. Ex-aluno de Lucio Fontana, na Escuela Preparatória de Bellas Artes, de Buenos Aires, nos anos 1940, Le Parc trazia a inquietude no DNA. Isso se prova desde a primeira fase de obras parisienses, nos estudos pictóricos de sequências de crescimento, decrescimento, progressão e translação. Desta época são exibidos trabalhos como “Nº3, Metamorfose de uma linha” (1959) ou “Instabilidade visual” (1959), em que a linha reta sofre interferências de curso, convertendo-se em geometrias, tramas e ondas.

A linha dançarina de Le Parc culmina em “A Longa Marcha” (1974), dez pinturas vibrantes que flutuam ao redor de uma parede arredondada, formando um conjunto extremamente impactante no Instituto Tomie Ohtake. Esse trabalho sintetiza os princípios e conceitos que conduziram o artista aos métodos não pictóricos da segunda parte de sua vida artística, quando começou a trabalhar diretamente com a luz, a pós-imagem (fenômeno da imagem que permanece na retina mesmo após a ausência do objeto) e a imagem virtual.

Os anos 1960e 1970 são o momento em que Le Parc assume o compromisso que irá reger toda sua obra escultórica, labiríntica, instalativa e maquínica, até a série “Alchimie” (2016/2017), apresentada na individual na Galeria Nara Roesler. Esse objetivo é quebrar as barreiras entre arte e público, e incitar a participação ativa do espectador na completude da obra — intuito que, como uma grande onda coletiva, aproximou artistas experimentais das quatro coordenadas do planeta: do coletivo Gutai, no Japão, à Lygia Clark e Helio Oiticica no Brasil, passando por Nam June Paik e o grupo Fluxus na Europa e os videoartistas Dan Graham e Bruce Nauman, nos EUA.

Quando Le Parc criou a máxima “É proibido não tocar” (na obra de arte) — frase célebre de um dos escritos coletivos do GRAV (Grupo de Pesquisa de Artes Visuais), fundado por ele em 1960 —, é precisamente o momento em que transformou suas obras em composições cinéticas em movimento. Mas cabe aqui uma indagação. Ao incorporar motores à sua obra, não estaria o artista prescindindo da importância da participação do público e de seu deslocamento em torno do objeto de arte, a fim de “dinamizá-lo”? Esta é um das muitas e saudáveis perguntas que a contemplação da obra completa de Julio le Parc pode suscitar.